sábado, 17 de maio de 2008

Academia Militar



Passei a semana na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), ministrando curso de introdução às relações internacionais aos cadetes do último ano. O convite, gentilíssimo, me foi feito pelo Exército e faz parte do esforço que a instituição tem realizado, em diversas de suas escolas, para se aproximar da comunidade acadêmica.

Montei equipe de quatro professores, todos doutorandos em ciência política ou relações internacionais e preparamos um curso de 20 horas de duração, com cinco focos: 1) Introdução Histórica; 2) Teoria; 3) ONU; 4) Integração Regional na Europa e América do Sul; 5) Política Externa Brasileira. O conteúdo geral é semelhante ao que fazemos nas universidades e cursinhos em que lecionamos, nosso desafio é adaptar o conhecimento às perspectivas e interesses dos cadetes.

Os militares brasileiros passam a vida estudando e realizando cursos de especialização. A AMAN forma os cadetes para serem tenentes, líderes de pequenos grupos. Alguns anos depois serão promovidos a capitão e irão para a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, no Rio de Janeiro. Dali em diante, depende da progressão da carreira de cada um. O Exército tem se envolvido de maneira crescente em atividades internacionais – missões de paz da ONU, aditâncias militares em mais de 30 países, manobras conjuntas e intercâmbios de oficiais, os pelotões especiais de fronteira – de modo que as perspectivas para os cadetes são muito interessantes.



A formação da AMAN dura quatro anos e mistura conteúdos acadêmicos e militares. Os cadetes estudam história, economia, filosofia, direito e também precisam escolher uma especialização militar, chamada de arma, quadro ou serviço. É uma das decisões mais importantes da vida de um oficial, porque não pode ser mudada. Algumas tratam das funções que costumamos considerar como sinônimos do Exército (infantaria, cavalaria, artilharia, material bélico, engenharia de combate) enquanto outras envolvem técnicas também presentes na sociedade civil (intendência, comunicações). O modelo brasileiro difere, por exemplo, das academias dos EUA, que oferecem diversas graduações universitárias e treinamento militar básico, complementado posteriormente pelo curso em um dos Fortes que preparam infantes, artilheiros etc.

A estrutura, organização e qualificação profissional que se encontra na AMAN é impressionante. A academia é, com toda a razão, um dos orgulhos do Exército e creio que poucos países fora do mundo desenvolvido dispõem de uma escola de formação tão sofisticada. As instalações são bonitas, muito bem-cuidadas e incluem salas de aula, alojamentos, um teatro de primeiríssimo nível, parques onde se realiza o treinamento militar, quadras para diversos esportes, estandes de tiro e estábulos com cerca de 200 cavalos. O que mais impressiona é o fato do projeto básico ser da década de 1930 – tributo à visão de um excelente oficial, o marechal José Pessôa, e do esforço de modernização do Estado empreendido na Era Vargas. A AMAN tem cerca de 1.750 cadetes, incluindo alunos de diversos outros países da América do Sul, da África de língua portuguesa e dos EUA. Contando com os demais militares e seus familiares que vivem ao redor da academia, o complexo abriga uma pequena cidade de 12 mil pessoas.

A AMAN é um posto cobiçado no Exército e os professores com quem temos contato são excelentes, em geral oficiais superiores (tenente-coronéis e coronéis) que serviram em missões nos EUA, na África e em outros países da América Latina e que são de uma simpatia e gentileza extraordinárias. O general que comanda a academia conversou e jantou consoco em diversas ocasiões e compartilhou sua experiência como professor em West Point e as negociações internacionais das quais participou como secretário-geral do Exército.

É raro que a AMAN tenha professores civis, de modo que para os cadetes a experiência de ter aula conosco foi marcada por curiosidade. Acredito que se gerou também grande simpatia entre a equipe de professores e os alunos. Ajudou o fato de que as idades são muito próximas – os docentes temos entre 29 e 31 anos e a maioria dos nossos alunos deve andar pela faixa dos 22, 23. Um deles me contou que havia uma aposta rolando a respeito da minha idade, e que a média andava em torno de 35, erro que credito a todo mundo parecer mais velho quando usa terno preto e fala sobre política internacional.

Os cadetes são bem preparados e estamos todos muito satisfeitos com a participação e o interesse que têm demonstrado pelo curso – algo notável, já que eles estão a seis meses de formatura, com a cabeça em outras coisas, e nossa matéria não vale nota. Os temas que mais os entusiasmam são as crises políticas na América do Sul, as missões de paz e a questão do Conselho de Segurança da ONU. Vários demonstram interesse em aproximar-se do mundo civil, cursar pós-graduação em relações internacionais e entender o que a sociedade espera deles como oficiais militares, e quais as expectativas e imagens que os outros países têm do Brasil.

É um prazer ajudá-los e conversar com eles sobre seus projetos e aspirações.Retorno à AMAN amanhã à tarde, porque ainda lecionarei por lá na segunda e na terça. Foto de abertura: cadetes formando para o rancho. Foto 2: formatura em homenagem ao dia da arma de Comunicações.

4 comentários:

Histórias de Francesco e Clara disse...

Prezado Mauricio imagino o quanto foi fantástico este curso na AMAN. Gostaria muito de ter acesso ao material, existe esta possiblidade?
Seguindo os teus conselhos li o teu texto Parlamento do Mercosul e meu proximo passo é estudar O Brasil e a América do Sul:
Desafios no Século XXI, também de sua autoria.
Não sei se vc tem a noção do quanto está me ajudando e gostaria muito de agradecê-lo por isto.
Um abraço e bom final de semana.
Ana Carolina

Maurício Santoro disse...

Olá, Ana.

Que bom, fico muito feliz de saber que o blog te ajuda de algum modo. O livro que você menciona é uma coletânea de artigos, o texto que escrevi é um panorama sobre a política externa brasileira para a América do Sul, tentando lê-la à luz dos modelos de desenvolvimento econômico nacional.

A experiência na AMAN realmente está sendo ótima. O material do curso é muito simples, consiste basicamente em algumas indicações bibliográficas e apresentações de power point. Mande um email para msantoro@iuperj.br e te mando o que tiver disponível.

Abraços

Anônimo disse...

Saudade de vc, mestre! Minha vida está enlouquecedora...para dizer o mínimo!
Bom ver que vcs estão deitando e rolando aí nas Agulhas Negras! :-p

Abração

Maurício Santoro disse...

Salve, dom Igor.

De volta ao Rio. A experiência na AMAN foi muito rica, espero que possamos em breve conversar sobre os detalhes. Imagino que nos veremos antes da prova inicial da 3a fase.

Selva!
(Para ficar no jargão da AMAN)