quinta-feira, 8 de maio de 2008

A Guerra do Futebol



O nome Ryszard Kapuscinski pode parecer um exercício cruel de soletrar consoantes, mas seus aficcionados o venerávamos como o decano dos correspondentes internacionais e um mestre do jornalismo literário. Nascido na Polônia, ele se celebrizou cobrindo revoluções e golpes de Estado, sobretudo na África, mas também na Ásia e na América Latina. Kapuscinski morreu ano passado, deixando vasta obra, que aos poucos começa a ser publicada no Brasil. A Companhia das Letras já lançou por aqui “Imperium” (painel da Rússia contemporânea), “Ébano” (relato das aventuras africanas do autor), “O Imperador” (perfil do monarca da Etiópia), “Minhas Viagens com Heródoto” (misto de reportagem e ensaio histórico) e agora saiu “A Guerra do Futebol”.

Como as demais obras de Kapuscinski, esta é uma coletânea de textos curtos – pequenas reportagens, perfis de pessoas pitorescas, descrições de hóteis ou cidades. Apesar do título referir-se ao conflito entre Honduras e El Salvador, a maior parte do livro trata da África nos primeiros anos das independências, ou seja, a década de 1960. Temos uma narrativa primorosa do caos no Congo após o assassinato de Patrice Lumumba, os conflitos na Argélia que levaram ao golpe contra Ben Bella, a descrição do triunfo político de Kwame Nkrumah em Gana (ainda hoje, dos mais admirados estadistas do continente), a anatomia das origens do apartheid na África do Sul e a guerra civil entre ibos e iorubás na Nigéria.

O texto que batiza o livro é a narrativa do caos em que se travou a guerra do futebol, com a explicação de sua causa real - a tensão provocada pela migração em massa de camponeses salvadorenhos para Honduras, e a decisão do governo deste país de realizar uma reforma agrária às custas dos estrangeiros indesejáveis. Há também artigos sobre a fracassada guerrilha na Bolívia e a persistência da pobreza e da desigualdade no México e no Peru, mas estão longe de serem os melhores do livro. Por fim, estão breves reportagens sobre o Oriente Médio, que tratam dos palestinos e dos sírios na Guerra do Yom Kippur e do conflito entre gregos e turcos na ilha de Chipre.

O trabalho de Kapuscinski às vezes é polêmico, com acusações de que ele distorceria a realidade para ressaltar os aspectos mais exóticos dos países que visita, visando a impressionar seus leitores no mundo desenvolvido. Talvez seja o caso em alguns momentos, mas leio Kapuscinski em busca do talentoso contador de histórias, e não para procurar análise imparcial e objetiva. Leiam, por exemplo, sua descrição dos bares africanos:

O bar é uma segunda casa. Na casa mesmo não dá para ficar, porque ela é apertada demais - é triste, cinzenta, pobre... A casa é confinamento, enquanto o bar oferece liberdade. No bar há sempre muitas palavras... Ali, acerta-se o preço de uma noite de amor, acolá se elabora o plano de uma revolução, ao lado alguém recomenda um feiticeiro e, mais ao longe, contam que houve uma greve.

Há ótimas razões para seguir lendo Kapuscinki. Espero que o próximo de seus livros a ser lançado por aqui seja “Another Day of Life”, seu relato sobre a independência e a guerra civil de Angola.

Nenhum comentário: