terça-feira, 13 de maio de 2008
A Nova Política de Desenvolvimento
Escrevi neste blog que pobre receber dinheiro do governo é clientelismo, mas quando o mesmo ocorre com os ricos, chamamos de política industrial. E no caso da nova política de desenvolvimento produtivo, anunciada nesta segunda, a Bolsa Família para o setor empresarial é da marca Louis Vuitton. Afinal, são R$210 bilhões até 2010, mais R$24 bilhões em renúncia fiscal. Os incentivos oficiais incluem crédito barato, redução de tributos, estímulos para investimento em pesquisa e inovação tecnológica, auxílio para aumentar as exportações e práticas de substituição de importações em áreas estratégicas como a indústria farmacêutica. No total, são beneficiados 24 setores da indústria e dos serviços, numa escala abrangente que o presidente Lula comparou aos Planos Nacionais de Desenvolvimento da ditadura militar (não foi ironia, o PT agora chora de saudade cada vez que alguém fala de Geisel, ou até de Médici, com uma ou outra exceção como a ministra Dilma Roussef).
Toda política desse tipo envolve a seleção de segmentos/empresas que serão privilegiados - pick up the winners, como dizem os americanos. O risco de seleção adversa é grande. O que começa como algo grandioso, como "fomentar uma área estratégica" facilmente pode se transformar num conluio entre Estado e grandes grupos empresariais para transferir dinheiro público para os amigos do rei, garantindo a sobrevivência de negócios pouco competitivos graças aos favores da Corte. O Brasil acumula tanto experiências bem-sucedidas de política industrial (Embraer) quanto fracassos antológicos (informática, telefonia). O quadro foi melhor nos países do Leste da Ásia, como a Coréia do Sul, porque lá a ênfase nas exportações obrigou as empresas a competir no exterior, mesmo que beneficadas por práticas corruptas domésticas. No Brasil, até a década de 1990, a economia fechada criou uma barreira que protegeu muitos incompententes.
A nova política tem inovações interessantes, como a meta de estimular as produtoras de software, mas também vem carregada dos velhos vícios do modelo brasileiro. Um dos problemas é quem irá fiscalizar a avassaladora corrente de dinheiro público que o BNDES irá transferir para o setor privado, a custos baixos. Os repetidos escândalos de corrupção e favorecimento no banco mostram os problemas da estratégia. Outra questão: é legítimo dar esse tipo de subsídio para grandes empresas perfeitamente capazes de captar recursos no mercado financeiro privado, como a Vale? Não seria melhor que a ação do Estado se focasse em quem mais precisa, como as pequenas e médias firmas?
O Roda Viva de ontem foi como o Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge (foto) - jornalista que virou executivo da indústria siderúrgica e do setor bancário. Os entrevistadores eram amigos e colegas de Jorge e os questionamentos foram muito leves, pouco mais do que plataformas para que o ministro prometesse que irá apurar os abusos. Mas não se discutiram as bases nas quais a nova política foi concebida.
Os entrevistadores ressaltaram dois pontos críticos. O primeiro, é que as iniciativas acabam sendo substitutos ou paliativos para a ausência de reformas estruturais como a redução da carga tributária e a melhoria da infra-estrutura. Vale ressaltar que elas teriam o ganho extra de beneficar toda a economia, e não só setores selecionados. Mas com os cofres públicos cheios, a possibilidade de empurrar negociações indesejáveis com a barriga é imensa. Melhor abrir a generosa bolsa do Estado e acalmar os ânimos.
O segundo ponto é que a política de desenvolvimento tenta lidar com problemas conjunturais que têm se agravado, como os juros e o câmbio, em especial esse último. O real já está há muito sobrevalorizado com relação ao dólar e a tendência é que a situação piore. No ano passado entraram cerca de US$35 bilhões em investimentos no Brasil, o valor provavelmente subirá com a obtenção do grau de investimento, fazendo a moeda se apreciar ainda mais. Nesse quadro, as exportações até conseguem crescer, mas as importações disparam num ritmo maior. Embora o ministro tenha dito que isso não é tão ruim, porque a maior parte seria em bens de capitais para modernizar a indústria, o efeito é a deterioração da balança de pagamentos, com a possibilidade de déficits comerciais.
Espero agora pelo anúncio do Ministério da Fazenda sobre os detalhes a respeito do Fundo de Riqueza Soberana que o Brasil irá criar com o objetivo principal de alavancar as empresas brasileiras que atuam no exterior. A bolsa do governo é um saco cheio de bondades, pelo menos para aqueles que conseguem ter acesso a ela.
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7 comentários:
Maurício,
A declaração (gafe) do nosso presidente da semana passada, questionando o sistema de licitação público, não sai da minha cabeça. Ainda mais após ver toda essa política de desenvolvimento.
Grande,
o ministro também mencionou a possibilidade de alterar a Lei de Licitações, para favorecer as empresas brasileiras em alguns casos. No entanto, isso vai contra diversos acordos internacionais do Brasil. Acredito que teremos batalhas jurídico-políticas na OMC. A conferir.
abraços
Curioso é que só o Roda Vuiva deu atenção ao Miguel Jorge, que está ausente das fotos e da maior parte das matérias dos jornais hoje...
Essa Fundo Soberano ainda vai dar o que falar...o modelo existe de forma bem sucedida em outros países, aí vem o Brasil com essa história de fazermos "à Brasileira" e toma-lhe de fomentar internacionalização de empresas que, como vc bem disse, podem perfeitamente se financiar no exterior....
Louis Vuitton é pouco, meu caro. Repare bem no lenço Versace amarrado na alça, bem como no chaveiro Prada...
...Tudo isso para compesar as perdas do setor com o câmbio em baixa e as altas taxas de juros. Aliás, como girar todo esse capital em processo de produção sem correr o risco de pressão inflacionária?! Sei não... estou com os dois pés atrás quando o assunto é "política industrial". Acho que o governo deveria lançar um programa de incentivo à minha conta bancária. Isso sim, me faria voltar a acreditar no Lula!
Caro Maurício:
"presidente Lula comparou aos Planos Nacionais de Desenvolvimento da ditadura militar". Quem diria o mesmo na Argentina? JE JE JE JE JE
Pra mim é muito interessante cómo em outros paises as ditaduras näo säo vistas täo mal como aqui.
Saludos!
Patricio Iglesias
Salve, meus caros.
Pois é, acho que ainda há muitos pontos a serem melhor resolvidos na nova política.... Mas estive afastado nos últimos dias, sem acesso a jornais. Será que o país ainda está de pé?
abraços
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