quinta-feira, 29 de maio de 2008

O Haiti e a Crise das Missões de Paz



Ontem o presidente Lula fez uma visita-relâmpago ao Haiti, onde criticou a falta de apoio da comunidade internacional (leia-se, os países ricos) à Minustah, missão de paz que o Brasil comanda por lá, e afirmou que os esforços brasileiros teriam chegado ao “segundo tempo do jogo”, chegando a hora de investir em infra-estrutura e desenvolvimento. A operação multinacional liderada pelo país resultou em muitos ganhos, mas depois de quatro anos a realidade haitiana continua sombria, marcada pela pobreza extrema, fome e instabilidade política. A visita presidencial ocorre em meio a mais um escândalo envolvendo as missões de paz da ONU: as acusações de envolvimento dos capacetes azuis com exploração sexual de crianças e adolescentes, inclusive no Haiti.

O que o Brasil e os demais parceiros na Minustah conseguiram é impressionante. Em 2004, o Haiti enfrentava uma situação de caos social e violência de rua, em meio a conflitos envolvendo o governo e gangues que misturavam criminosos comuns e opositores políticos. De lá para cá, a segurança melhorou muito, inclusive em áreas perigosas como a favela Cité Soleil. Eleições reconduziram ao poder o presidente René Preval. Entretanto, o aspecto econômico não prosperou. Apesar de bons projetos de cooperação e desenvolvimento local, a situação continua miserável para a maioria da população, com a fome agravada pela alta dos preços dos alimentos, que levou a grandes protestos (foto abaixo).

As missões de paz da ONU foram concebidas originalmente na década de 1950 para lidar com crises muito específicas. Basicamente, consistiam em colocar em campo tropa que pudesse mediar cessar-fogo já assinado em dois exércitos inimigos – a operação de Suez (1956-1967) entre Egito e Israel, é o exemplo clássico. No fim dos anos 1980, o escopo das missões se alargou muito, com diversas atuações no Camboja, na Namíbia e em El Salvador nas quais a ONU assumiu tarefas governamentais, como realização de eleições, condução de ministérios-chave, policiamento etc. Tais tarefas continuaram a aumentar na década seguinte, no Kosovo, em Timor Leste e outras partes, sem que houvesse o crescimento correspondente do orçamento para tais missões, nem o treinamento de pessoal qualificado.



Um dos clichês da segurança internacional pós Guerra Fria, em particular após o 11 de setembro, é que a estabilidade política tem múltiplas dimensões e que só pode ser alcançada por atuações conjuntas no campo militar e do desenvolvimento sócio-econômico. Fala-se muito hoje em dia nos “Estados fracassados” como sendo grande fonte de ameaças à paz, e da importância de empreender projetos de “reconstrução nacional”. Mas há poucos estudos, para não falar de recursos concretos e exemplos práticos, de casos bem-sucedidos.

O Haiti reproduz em miniatura desafios que aparecem em escala muito mais assustadora no Afeganistão e no Iraque. Me parece que o governo brasileiro entendeu bem que a Minustah é uma experiência importante para a criação de modelo próprio de missões de paz, no qual se destacaria a ênfase nos aspectos sociais e na cooperação militar entre os países da América do Sul – sobretudo Brasil, Argentina e Chile.

A ONU e os países ricos têm falhado em estar à altura desses desafios, contribuindo com os recursos financeiros e técnicos necessários para o desempenho das tarefas - mês passado deveria ter havido conferência de doadores para o Haiti, cancelada por falta de interessados. O descalabro dos abusos sexuais cometidos pelas tropas de paz é apenas o ponto mais sombrio de diversos problemas que incluem a arrogância e o desrespeito com que os profissionais da cooperação muitas vezes tratam a população com quem precisam lidar.

3 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Sem dúvidas, säo terríveis as acusaçöes cometidas. Espero que a situaçäo se aclare e sea feita justícia.
Qué curioso. O primer pais latinoamericano en se independizar hoje é o mais pobre e caótico. Espero que siga adiante.
Saludos, meu amigo!

Patricio Iglesias

Maurício Santoro disse...

Pois é, meu caro. Amigos de organizações humanitárias estão muito tristes com as denúncias.

Abraços

Aloisio Milani disse...

santoro,
meu nome é aloisio milani. pela correria do mundo, só escrevo agora para vc. sou jornalista e amigo do pedro serrano. ele deve ter comentado há tempos sobre mim. estou a escrever um livro sobre o haiti e gostaria de bater um papo contigo qualquer hora. antes disso, fiz um post na sombra de um comentário recente seu. depois veja lá no blog http://aloisiomilani.wordpress.com/
gosto muito de suas ponderações no blog. vamos conversar.
abraço,
aloisio