domingo, 21 de dezembro de 2008

A Estratégia de Defesa



Na semana passada foi divulgada a Estratégia Nacional de Defesa, que estabelece as novas diretrizes dessa política pública no Brasil. O documento de 64 páginas apresenta inovações interessantes, com destaque para: 1) Reorganização territorial das Forças Armadas (ênfase na Amazônia, Atlântico Sul e Centro-Oeste); 2) Aproximação entre militares e sociedade civil e 3) Reforço dos vínculos entre defesa e desenvolvimento.

Com relação ao primeiro ponto, há a decisão de que a Marinha construirá uma grande base naval na foz do Amazonas – na prática, isto deve significar a cidade de Belém - e que as demais forças irão deslocar progressivamente suas unidades para o interior do país. A diretriz é acompanhada pelo destaque à necessidade de mais flexibilidade e mobilização. Por exemplo, o Exército será reorganizado com base em brigadas com elevada capacidade de deslocamento rápido. O paradigma é a Brigada de Operações Especiais, que a Estratégia cita como referência em termos de motivação e qualificação de tropa.

A distância entre as elites civis e militar tem sido talvez o principal obstáculo à formulação da política de defesa no período democrático e as sugestões feitas na Estratégia concentram-se em três propostas para reduzir o abismo. Uma é criar carreira civil no Ministério da Defesa, visando à formação de especialistas em temas de políticas públicas militares, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos. A segunda é reformar a Escola Superior de Guerra, mudando-a do Rio de Janeiro para Brasília e transformando-a no que me pareceu uma espécie de think-tank governamental.. A idéia é boa, cabe discutir agora como se dará a relação da ESG com os centros militares de altos estudo, como a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e a Escola de Guerra Naval, ambas de excelente nível.

A terceira proposta é mais controversa e no meu juízo é onde a Estratégia é falha. Optou-se por preservar o serviço militar obrigatório e complementá-lo com um serviço civil que absorva os rapazes dispensados, e acolha também as mulheres. Essa é a contramão das tendências internacionais, que apontam para a profissionalização das Forças Armadas, com recrutas servindo pelos vários anos necessários para adquirir o treinamento em tecnologias avançadas que é parte essencial da guerra moderna.

A história do recrutamento obrigatório no Brasil está ligada às campanhas nacionalistas e de afirmação da cidadania do início do século XX, e da própria consolidação das Forças Armadas como uma instituição nacional, acima das polícias estaduais e da guarda nacional. Longo processo que começou na Guerra do Paraguai e só se completou após a Revolução de 1930. Contudo, os tempos hoje são outros. Ilusão achar que o serviço militar irá integrar jovens de classes sociais distintas num país tão desigual quanto o Brasil, só uma escola pública de ensino fundamental de qualidade poderia fazer isso. Além do quê, tenho dúvidas sobre a viabilidade orçamentária e legitimidade política de uma expansão tão ampla do recrutamento em tempos de paz.

A terceira perna do tripé da Estratégia aprofunda um tema tradicional do pensamento militar brasileiro: o vínculo entre defesa e desenvolvimento. Basicamente, aponta a relevância do pais ter tecnologia em setores prioritários como espacial (satélites, GPS), cibernético e nuclear, frisando a criação de avanços duais, que se apliquem também ao mundo civil. Anuncia a formação de uma secretaria no Ministério da Defesa, para centralizar compras governamentais e política industrial na área militar, e levanta a possibilidade de ações conjuntas no âmbito da Unasul. Daí a importância da recente criação do Conselho de Defesa Sul-Americano.

2 comentários:

Anônimo disse...

Esses dias li um artigo na foreign affairs em que o autor proponha uma reestruturação do G8, reduzindo seus número - ele propunha um G6.

Nesse G6 estariam Índia, Rússia e China - mas não o Brasil.

Fiquei pensando com meus botões, qual a razão de incluir todos os Bric mas esquecer justamente o B de Brasil?

Pensei que seria o PIB, mas o nosso está "ali". Pensei que seria o vigor do crescimento, mas isso não me convence.

Só me sobrou pensar em "força militar" - os outros Bric têm 'A' bomba, nós não.

Não creio que precisemos da bomba, mas forças armadas melhor equipadas e preparadas não fariam mal à nossa presença/peso internacional, não é mesmo?

Paulo

Maurício Santoro disse...

Oi, Paulo.

A maioria das análises com relação ao G8 fala em expandi-lo, para abarcar também países emergentes, do chamado BRICSAM - que inclui México e África do Sul.

Naturalmente, Forças Armadas melhor equipadas representam um enorme adicional na capacidade de projeção de poder de qualquer país, mas não creio que seja tanto o objetivo brasileiro.

Em termos internacionais, as metas de reforma militar brasileira são muito mais no sentido de atuar como moderador de crises, e estabilizador.

Isso envolve o desenvolvimento de tecnologia nuclear, sobretudo no projeto do submarino, mas não a construção de armas atômicas. Embora, evidentemente, a viabilidade dessa fabricação aumente do ponto de vista puramente técnico, ainda que persistam os obstáculos políticos.

abraços