domingo, 28 de dezembro de 2008

Gomorra



Não é todo dia que chega às telas um filme sobre crime organizado tão poderoso quanto “Gomorra”. Baseado no livro do jornalista Roberto Saviano, é uma dissecação do funcionamento da máfia de Nápoles, a Camorra. Daí o título da obra, além dos óbvios ecos bíblicos para uma cidade dominada pelo pecado.

O filme está estruturado como uma coleção de cinco histórias contadas simultaneamente, o que às vezes pode confundir o espectador. Duas dizem respeito a gangsters de baixo escalão – um adolescente dando os primeiros passos na vida criminosa e um homem de meia idade que executa serviços burocráticos para a Camorra - tentando se (re)adaptar às circunstâncias de uma guerra entre grupos mafiosos rivais. Em outra subtrama, dois jovens pé-rapados resolvem tentar grandes golpes, sempre atrapalhados, para se tornarem bandidos respeitados. Roubam drogas de uma quadrilha de imigrantes e furtam armas da Camorra, mas são marcados de morte pelos chefões. Essas são as narrativas mais tradicionais no filme.

As duas mais interessantes – e que a meu ver deveriam ter ganhado mais destaque na produção – falam das relações da máfia com a economia global. Numa delas, um alfaiate que trabalha para uma confecção semi-falida é cooptado por uma empresa têxtil chinesa, ilegal, para treinar seus operários a entrar no mundo da alta-costura. Tratado como um herói, e pago regiamente, ele logo se supreenderá com o fantástico alcance de seus produtos, mas também com a reação furiosa que seu sucesso desperta. Na outra, um elegante executivo faz a ponte entre a Camorra e grandes empresas internacionais, que querem despejar seu lixo tóxico no sul da Itália. Mas seu jovem assistente começa a ter problemas de consciência.



A maioria dos filmes sobre a máfia apresenta criminosos que se vestem como reis de moda e se comportam como CEOs de grandes corporações, às vezes quase numa paródia do mundo empresarial. Em “Gomorra”, tudo é mais sujo, pobre, feio, mesquinho, como no conjunto habitacional napolitano que é cenário para duas das histórias. Os chefões são tão estropiados quanto seus capangas. Do ponto de vista lingüístico, isso é simbolizado pelo uso do dialeto napolitano, no qual a maior parte do filme é narrado. Só os personagens conectados à economia global falam italiano, e ironicamente isso pode abarcar dos imigrantes chineses ilegais ao executivo que lida com lixo tóxico – e que a dado momento diz a seu assistente melhor frase de “Gomorra”: “Pessoas como eu e você botamos esta merda de país na Europa”.

A publicidade do filme no Brasil vem tentando vendê-lo como “a Cidade de Deus italiana”. Típica bobagem de marketing fácil. Em muitos aspectos, “Gomorra” é o oposto da famosa produção brasileira, pois não glamouriza a violência e nem mostra os bandidos como alienígenas sem relação com o resto da sociedade. As mazelas da Itália estão expostas no filme, o eterno drama de seu Estado incompleto e da fragilíssima integração nacional, agora piorados na medida em que o território do país se torna passagem para rotas do crime organizado internacional. Senti falta apenas de histórias que mostrassem a relação da Camorra com a política e a polícia.

5 comentários:

Glaucia Mara disse...

GOMORRA foi um dos filmes mais premiados nesse ano nos principais festivais Europeus, e segundo a maior parte dos criticos por aqui é uma esperança para o renascimento do grande cine italiano que estava um pouco carente de destaque.
Concordo 100 % quando vc diz que alguns temas poderiam ter sido mais trabalhados. A alegria do maestro ensinando os dedicados imigrantes chineses, é um dos exemplos das contradiçoes absurdas desse mundo globalizado. O que para os europeus é uma exploraçao, para eles é uma oportunidade mais do que digna de trabalhar e sacar adiante suas familias. E as crianças, dirigindo os caminhoes de lixo toxico, sao para embrulhar qualquer estomago.

Anônimo disse...

Não assisti o filme ainda, mas sua crítica já me deixou com "água na boca" - no bom sentido, claro. Há tempo, tal como a Glaucia, não via o nascimento de um filme italiano tão conectado com o neo-realismo. A resenha me recorda muito o clássico "Feios, Porcos e Maus" de Ettore Scola.

Maurício Santoro disse...

Salve, Glaucia.

Acompanhei os prêmios conquistados por Gomorra e, realmente, ele surge como o grande filme europeu na disputa pelo Oscar, talvez ao prêmio de produção estrangeira.

Caim,

Há mesmo muito do neo-realismo no filme, em particular um certo ar documental.

Abraços

Anônimo disse...

Gostei muito do filme. O que mais me chamou atenção é a sensação de que a Camorra perpassa tudo. Nada parece ser feito sem a participação ou o consetimento dela. É uma presença sufocante.

maluros disse...

Marcos de Itabirito diz.
Devo ser bem mais burro do que os nobres amigos que deram premios e elogiaram o filme Gomorra.
Achei o filme ridículo,mal feito,mal dirigido e que não representa quase nada do que o livro traz.
Sintetizando o filme é uma Bosta.