quarta-feira, 3 de junho de 2009

Simonal: MPB, racismo e política



Wilson Simonal era dos cantores de mais sucesso no Brasil na década de 1960, rival em popularidade com Roberto Carlos. Carismático, capaz de reger o Maracanãzinho como se fosse coral de escola, com jeito irônico e malicioso de brincar com as letras. Mas também arrogante, orgulhoso, um negro que ousara sair do samba e invadir os domínios brancos do rock e do pop. Sua carreira foi interrompida de forma repentina quando o astro se envolveu num escândalo com a polícia política da ditadura. Condenado ao ostracismo por seus colegas artistas, nunca mais se recuperou. O filme “Simonal: ninguém sabe o duro que dei” é uma bela reflexão e homenagem que emociona e faz pensar sobre os caminhos da MPB na história recente do Brasil.

O documentário é construído a partir de entrevistas com pessoas que conviveram com Simonal, como os jornalistas Nelson Motta, Ricardo Cravo Albin e Sérgio Cabral, o produtor Luiz Carlos Miele, os humoristas Chico Anysio e Castrinho, os cartunistas Ziraldo e Jaguar, os filhos Max de Castro e Simoninha, a segunda esposa, Sandra e até com Pelé, que fala da paixão do artista pelo futebol – ele acompanhou a seleção à Copa do México, em 1970. Os comentários dos entrevistados são contrapostos de modo brilhante às imagens de arquivo, que mostram o protagonista em seus melhores momentos.

O filme é dirigido por Micael Langer, Calvito Leal e por Cláudio Manoel, este último humorista do grupo Casseta e Planeta. Há muitas risadas no documentário – não poderia deixar de haver, dada a vitalidade do protagonista – mas a história não é engraçada. O sucesso do cantor começou a ruir quando ele mandou amigos do DOPS torturarem seu contador, que ele suspeitava de tê-lo roubado nos negócios. O caso foi a público e se transformou num processo ruidoso. Simonal nunca foi de esquerda e se referia aos ativistas políticos como “a turma da canhota”. Numa época de maniqueísmos e radicalizações, era o suficiente para que ele fosse tratado com desconfiança e tudo se agravou quando ele alegou, durante a investigação policial, que era colaborador da ditadura.



A produção do documentário conseguiu encontrar o ex-contador de Simonal, que narra sua versão da história. Nela, o cantor teria resolvido castigá-lo por vingança contra um processo trabalhista. O filme segue a linha de que Simonal nunca teria delatado ninguém para a polícia política e que seu envolvimento com o DOPS seria limitado a amizades com alguns agentes. O que não se explica é como foi possível armar tamanho circo de mídia contra a instituição, em plena ditadura, por um caso de tortura, quando dezenas de incidentes igualmente sérios aconteciam sem ser noticiados. Simonal foi condenado, preso e ostracizado pelos artistas, sem conseguir se apresentar e gravar discos.

Além de lançar luzes sobre a polêmica, o filme também ajuda a entender as posições de Simonal nos debates sobre racismo. Embora os entrevistados afirmem que ele não era militante, o artista parecia ser bem consciente do problema, atacando-o com humor e até escrevendo um tributo a Martin Luther King Jr.

Me impressionou a empatia da platéia com Simonal. Na sessão a que assisti, o público ria, vibrava, se emocionava e ao fim, aplaudiu longamente. Talvez este seja o início da correção de um certo olhar sobre a história da MPB, dando a Simonal o crédito que lhe é devido na tradição musical brasileira. Os entrevistados reclamam do modo como o cantor foi tratado, mas não chegam a fazer seu mea culpa – a turma do Pasquim é quem chega mais perto, sem contudo pedir desculpas.

2 comentários:

carlos disse...

caro santoro,

como apreciador do "rei da pilantragem", embora, hoje, adoro o simonal interpretando bossanova, devo assistir o filme.

que sua negritude tenha incomodado muito gente, lá isso é verdade factual conforme livros, reportagens e depoimentos da época.

no entanto, o simonal foi processado por seu contador e condenado. dentre suas testemunhas, de acordo com documentos oficiais do tj do rj, um detetive do dops e um oficial do 1° exérecito, afirmaram que o artista seria informante e colaborador dos órgãos de segurança. daí, o mundo caiu pro talentoso e ingênuo simonal.

some-se a isso, creio eu, o preconceito e o clima da época que contribuíram para queimar o cidadão.

por fim, sugiro a leitura do texto do jornalista urariano mota no sítio www.diretodaredacao.com.br, no artigo "simonal, a reabilitação" que nos relembra os acontecimentos.

ia esquecendo de parabenizá-lo pela sinopse do filme. como outras, nos estimulam a conhecer a película.

abçs

Maurício Santoro disse...

Obrigado pela dica, Carlos, vou ler o artigo que você recomendou.

Abraços