domingo, 30 de agosto de 2009

A Nova Cara do Itamaraty



O Globo deste domingo trouxe uma reportagem que me deixou muito alegre: “A Nova Cara do Itamaraty: mudanças democratizam acesso ao Instituto Rio Branco e formam nova geração de diplomatas.” Quase todos os citados na matéria foram meus alunos ou são meus amigos. Bem, a fronteira entre as duas categorias nunca é clara para mim...

Até 2004, os concursos públicos para a carreira de diplomata ofereciam apenas 30 vagas por ano, e a preparação dos candidatos em geral se dava por meio de um circuito restrito de professores particulares. O governo Lula ampliou a oferta para 100 vagas anuais e houve uma multiplicação de cursos especializados, inclusive aquele no qual leciono desde sua criação, o Clio, que se tornou o que mais aprova na disputa.

O resultado foi uma mudança no perfil dos novos diplomatas. Até recentemente, eram principalmente homens formados em direito e oriundos do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Agora há maior diversidade regional, muita variedade em termos de formação profissional, uma presença cada vez mais intensa das mulheres e a incorporação de pessoas com histórias de vida fora do padrão habitual de classe média e alta.

Muitas delas chegaram ao Itamaraty por meio do programa de ação afirmativa desenvolvido pelo ministério. Em minha opinião é o melhor que existe no país e vários de meus melhores estudantes no curso conseguiram estudar por conta dele. Acompanhei seus esforços com admiração e não raro presenciei sacrifícios consideráveis.

Esses alunos há muito são motivo de orgulho para mim, agora começam a ser também para o país. É bom ver a valorização de suas trajetórias pela imprensa, que até então havia publicado reportagens muito preconceituosas sobre a nova geração de diplomatas, caluniando-a como pouco qualificada.

Torço para que uma chancelaria mais representativa das condições sociais do Brasil resulte também em uma política externa mais sensível aos temas da democracia e dos direitos humanos, que têm sido lacunas signficativas em muitas das iniciativas recentes de nossa agenda diplomática, numa discrepância com a ação internacional de países próximos, como Argentina e Chile. Faço votos para que a nova geração de diplomatas seja mais aberta ao diálogo com outros funcionários governamentais, algo que nem sempre é regra numa chanceleria ainda muito insulada diante de outros órgãos públicos. Situação que não é mais sustentável à medida em que o Brasil participa mais ativamente de várias questões internacionais, e os temas globais se tornam mais entrelaçados com as políticas públicas.

12 comentários:

for4saken disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
marcos disse...

É o Amintas mesmo na foto?!

Nunca havia visto ele sem barba (ou dreads).

marcos disse...

Que tristeza ler os comentários n'O Globo...

Comentaristas em jornais/revistas na internet acabam com minha esperança na humanidade.

Maurício Santoro disse...

Marcos,

É ele mesmo!

Fui no site e vi que já são quase 100 comentários, com um bom debate. Tem aqueles alucinados de sempre do Globo, mas muita gente com opiniões interessantes, mais abertas.

abraços

Paula Gomes disse...

Maurício, adorei seu artigo. É um grande orgulho entrar para a casa do Barão em um momento em que, simultaneamente, a casa se renova e em que o Brasil conquista novos espaços no SI.
Gostei muito do seu blog. Ainda não o conhecia, mas já o adicionei a meus favoritos.
Bjs

Rafael disse...

Eu discordo da sua avaliação do programa de bolsas do Itamaraty, Maurício. O critério "racial" (baseado, na verdade, na cor da pele) é, no meu juízo, explicitamente racista e fundamentalmente injusto.

É explicitamente racista porque entre um candidato pobre e "branco" e um candidato pobre e "negro", o Estado decide quem tem maior "Vocação para a Diplomacia" (esse é o nome da bolsa) pela cor da pele e não pelo desempenho na prova de aptidão.

É fundamentalmente injusto porque, até onde pude conferir, o edital não faz menção à renda dos contemplados. Isso significa que, para o Itamaraty, os filhos do Celso Pitta -- que fez pós em Harvard e está certamente entre as pessoas financeiramente mais bem sucedidas do Brasil -- merecem um auxílio pelo sofrimento de seus antepassados, enquanto um descendente pobre de imigrantes japoneses (trabalhadores miseráveis que se instalaram no interior de SP em condições abomináveis) será preterido. Não dá pra chamar de justa uma ação que privilegia o "negro" rico em prejuízo do "branco" pobre.

Se o critério da bolsa fosse socioeconômico, não tenho dúvidas de que o Amintas seria igualmente contemplado. Outros estudantes pobres, mas de pele clara, também poderiam contar com o reforço no orçamento. Sobretudo, os estudantes já privilegiados pelo berço, "brancos" ou "negros", não receberiam um empurrãozinho do Estado.

De resto, estamos de acordo de que a profissionalização e a diversificação dos quadros do Itamaraty é uma ótima notícia.

Se vc tiver um tempo, eu gostaria de ouvir (hmm, ler) seus comentários.

Abraço

Maurício Santoro disse...

Salve, Paula.

Obrigado, volte sempre.

Caro Rafael,

Discordo de suas opiniões em gênero, número e grau.

Discriminação racial no Brasil ultrapassa a barreira da renda. Negros de classe média e com dinheiro também são mal tratados, e na verdade testemunhei acontecimentos assim até com diplomatas de países africanos, de passagem por Brasília.

O programa do MRE é um bem-vindo esforço de aumentar a representatividade do corpo diplomático brasileiro. Até que ele fosse iniciado, não havia sequer 10 negros no MRE, porcentual de menos de 1%, e isso num país que tem a maior população negra do mundo, fora a Nigéria!!!!

Penso, no entanto, que ele poderia ser complementado por um programa que visasse aos brasileiros pobres, em particular os das regiões periféricas do país. Esse é um déficit sério no funcionalismo federal.

Abraços

Unknown disse...

Maurício, concordamos que "negros de classe média e com dinheiro também são mal tratados". Em nenhum momento, aliás, neguei que ocorra no Brasil preconceito baseado em traços físicos associados à "raça negra". Reconheço, por experiência pessoal e por evidência estatística, a existência da discriminação.

Creio que discordamos sobre o que o Estado pode fazer sobre isso: não acredito que, para aumentar a representativade do corpo burocrático, o Estado deva preterir uma parcela da população (me refiro aos "brancos" pobres) que também é desprivilegiada.

Ademais, ainda qua a sociedade brasileira seja preconceituosa, o concurso, no seu formato atual, não permite discriminação direta. Resisto a aceitar a idéia de que a política de apoio aos candidatos "negros" seja, por si só, responsável pelo aimento proporcional dessa parcela da população no MRE. Veja bem: já que o benefício dado é pecuniário, me parece claro que as barreiras que estão sendo derrubadas pelo programa não são as de "raça", mas as de poder aquisitivo. Isso é ótimo, mas seria melhor ainda se ela não se restringisse a apenas uma parte da população pobre (e se ela não se estendesse, ainda, sobre parcelas das classes média e alta).

O principal fator que evita uma maior diversificação do funcionalismo federal não é, na minha opinião, a falta de mais incentivos (na forma de bolsas ou de cotas) para negros, índios, habitantes de regiões periféricas, etc; é, na verdade, a qualidade sofrível da educação oferecida pelo poder público. Os negros, índios e habitantes de regiões periféricas que têm condições de evitar o sistema público de ensino e se educam adequadamente formam uma elite que teria condições de entrar no Itamaraty com ou sem ações afirmativas. Não consigo achar justa uma política que os beneficie indistintamente. Esta é, ao menos, a forma como enquadro o problema.

Abraço

Maurício Santoro disse...

Caro Rafael,

Naturalmente, a má qualidade da educação, e a escassez de recursos financeiros, sempre são obstáculos à entrada nas carreiras mais concorridas do funcionalismo público.

Mas ainda vai demorar muito até resolver esses problemas, ou pelo amenizá-los para a maioria da população.

O programa de ação afirmativa do MRE tem tido um impacto muito positivo, inclusive porque mesmo os candidatos que não passam no concurso se beneficiam da bolsa de estudos, e podem aprimorar sua formação visando a outras carreiras.

Além disso, o programa passa um sinal importante para o Estado e para os próprios diplomatas, do compromisso da instituição com uma composição mais representativa do povo brasileiro.

abraços

Dea disse...

Caro, Maurício, me perdoe, mas o Rafael está com a razão, a meu ver. Eu sou branca, pobre, descendente de italianos e minha vida foi sempre sofrida. Mesmo assim, estudei (em colégios públicos) a vida inteira, me formei na USP. Mas continuo sendo pobre, e adoraria fazer o concurso para o Itamaraty. Nesse caso, quem me ajuda? Há um programa para mim? Não. Poderia haver, se o critério não fosse a cor da pele? poderia. Olha, eu tb sou afrodescendente, a minha bisavó é mulata. Mas eu sou branca, branca. Acesso negado pra mim! : (

Ana Paula Ribeiro disse...

Sei que faz muito tempo que houve o debate aqui, mas não resisti em deixar um comentário...

Não podemos ter uma visão tão simplista sobre esses programas afinal, não podemos esquecer que, o período de escravidão, foi determinante, para deixar os negros em larga desvantagem social, sempre a margem da sociedade, cenário que sempre deu maior robustez, ao racismo. Não podemos ignorar esse fato achar que isso ficou na história, no passado. Afinal após o fim da escravidão, o que foi feito para o negro, ser recepcionado e inserido de forma decente e justa na sociedade da época? Alguém realmente acha que ele poderia ter uma vida com igualdade de condições a qualquer outro branco, mesmo que esse branco fosse pobre, numa sociedade impregnada pelo racismo? Obviamente o que restou, foi sobreviver se agrupando aonde desse com seus subempregos, aonde essa história vai desembocar, nós sabemos; hoje apesar da população negra ser gigantesca em nosso país, dificilmente consegue chegar nos altos postos de emprego, ou alguém acha que isso é meramente uma obra do acaso? Essa segregação racial silenciosa travestida de social, é obra sim, de uma vergonha histórica, e suas conseqüências nunca foram minimizadas. É extremamente importante e enriquecedor para qualquer círculo da sociedade, ter integrantes de diferentes origens, sexo, etnias, credos, formação e ainda mais para o corpo diplomático, isso toma outra dimensão. Em busca dessa diversidade que representa o nosso país, e já que as circunstâncias propiciam o ingresso no corpo diplomático de apenas um perfil padrão, nada mais coerente lançar programas como esses que tragam efeitos imediatos e diversifiquem. O desejável seria que nunca precisássemos de nenhuma intervenção desse tipo para termos diversidade em qualquer canto do país, sonhamos com o dia em que esse processo seja natural, que todos tenham acesso a uma excelente educação pública e as portas de todos os lugares estejam abertas a todos; mas enquanto esse dia não chega, creio que programas que oportunizem a diversidade são uma ótima alternativa, não é você que perde, é a sociedade que ganha.

Anônimo disse...

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