quarta-feira, 21 de outubro de 2009
Distrito 9
“Direitos Humanos... O próprio conceito é racista!”
De um general Klingon em “Jornada nas Estrelas VI”
A ficção científica tem basicamente duas maneiras de lidar com o tema dos encontros dos humanos com raças alienígenas: 1) Existem coisas lá fora e elas querem nos destruir (Aliens, Predador, Independence Day). 2) Existem coisas lá fora e o contato com elas, assustador à primeira vista, pode nos enobrecer (ET, Contatos Imediatos do Terceiro Grau, O Jogo do Exterminador). “Distrito 9” é uma brilhante obra cinematográfica que mergulha nos traumas, medos e esperanças da África do Sul para desenvolver uma variação da segunda corrente. Nela, a fricção entre espécies diferentes desperta o que há de mais monstruoso na humanidade, ainda que guarde uma tênue esperança de redenção.
O enredo é simples e criativo: uma gigantesca espaçonave alienígena encalha em cima da cidade sul-africana de Johanesburgo, com dois milhões de ETs dentro dela, de aparência semelhante a crustáceos. Os alienígenas têm uma tecnologia sofisticada, mas que ninguém consegue operar, e a maioria de suas máquinas quebrou na viagem. Chegam doentes e famintos, o governo se vê diante de uma crise de refugiados e aloca-os num grande campo, o Distrito 9, que rapidamente se torna uma grande favela, com problemas de crime, racismo, xenofobia. As autoridades contratam uma empresa privada, a Multinational United (ótimo nome!) para gerir a segurança e a companhia decide remover os ETs para longe dos humanos. Só que o funcionário encarregado da tarefa é contaminado por uma estranha substância e começa a se transformar num alienígena, ao mesmo tempo em que descobre operações secretas da empresa e começa a questionar seus preconceitos.
Produzido por Peter Jackson (da triologia Senhor dos Anéis) e dirigido pelo jovem cineasta sul-africano Neill Blomkamp o filme fala, claro do aparheid. O título remete ao Distrito 6, um famoso bairro boêmio e multirracial da Cidade do Cabo, derrubado pelo governo racista. Os personagens mais intolerantes do filme são todos africâners, da mesma etnia que construiu o regime de exclusão racial. A África do Sul contemporânea também está na história. Brancos e negros convivem de maneira aparentemente amistosa, mas os negros ocupam as posições subalternas e pagam o preço quando os chefes erram. Os recentes conflitos violentos envolvendo imigrantes de outros países africanos igualmente estão implícitos no filme. Há uma quadrilha de nigerianos que controla o crime organizado no Distrito 9 e a própria premissa do enredo não difere tanto da crise de refugiados que aconteceu com o afluxo de pessoas do Zimbábue, que fogem da ditadura de Mugabe e do colapso econômico.
Mas as situações retratadas em Distrito 9 vão além da África. O filme tem inspirações temáticas e visuais de produções como Rocobop e Cidade de Deus e diz muito aos brasileiros. A primeira hora, focada na operação de despejo dos alienígenas, parece uma gigantesca incursão policial numa favela carioca e não por acaso as legendas brasileiras usam expressões da cidade, como “BOPE” para designar uma unidade militar de elite e “caveirão” para um carro policial. A tradução é mais precisa do que aparenta: o célebre veículo é uma adaptação do Mellow Yellow, o blindado que a polícia do apartheid usava para operações contra as favelas sul-africanas.
Agora é aguardar a continuação do filme – que certamente virá.
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4 comentários:
salve, santoro,
assisti ontem a esse que considero um clássico da ficção científica. fazia tempo que o gênero devia uma obra dessas.
a ambientação na contemporânea áfrica do sul foi um achado tão bem retratado na crítica do professor. parabéns.
o ritmo jornalístico do filme, a reviravolta do funcionário da mnu, antes um reles cumpridor de ordens, as diversas línguas das etnias sulafricanas, a dos "camarões" me remeteu à dos povos san do kalahari, são matérias primas fundamentais do enredo.
enfim, o tipo de filme que merece ser revisto tal qual, dentre outros, blade runner, zardoz ou 2001, por aí.
abçs
Meu caro:
Não li tudo pra poder me surpreender ao ver o filme!
Acho muito legal que o cinema do Terceiro Mundo ganhe novamente protagonismo. Felizmente já há propagandas aqui de Distrito 9.
Abraços!
Patricio Iglesias
Salve, Carlos.
Realmente, há muito tempo eu não via um filme de ficção científica tão rico e provocador. Como você bem lembrou, faz pensar em Blade Runner.
Que venham mais e melhores da África do Sul!
Caro Patricio,
Veja-o assim que puder, tenho certeza de que você gostará muito!
Abraços
olha, a tirar pelo matrix, tomara q não venha continuação nenhuma.
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