sexta-feira, 9 de outubro de 2009
O Nobel de Obama
O comitê que concede o prêmio Nobel da Paz tem sido responsável por grandes surpresas nos últimos anos, em particular pela concepção abrangente de sua missão, laureando trabalhos dedicados à promoção do desenvolvimento sócio-econômico entre os pobres (microcrédito) e os esforços da ONU e de Al Gore em combater a mudança climática. A escolha deste ano de premiar o presidente Barack Obama sinaliza o compromisso do Nobel com o multilateralismo e a busca de soluções pacíficas para os conflitos mundiais. E a esperança de que os Estados Unidos sejam parte da solução, e não do problema, como durante a era Bush. Obama é o primeiro presidente americano em exercício a ganhar o Nobel desde Woodrow Wilson (em 1919) mas o terceiro líder do Partido Democrata a recebê-lo nesta década, após Jimmy Carter (2002) e Al Gore (2007).
À primeira vista, o Nobel é um bônus para Obama num momento difícil, em que sua espantosa popularidade inicial foi reduzida pelas dificuldades econômicas e pelos obstáculos na reforma do sistema de saúde. Sua política externa enfrenta muitas objeções de segmentos importantes da sociedade americana, em particular por suas posições moderadas no Oriente Médio e com relação à Rússia.
Mas as atrocidades do 11 de setembro e os conflitos políticos da era Bush reforçaram a desconfiança da opinião pública americana quanto aos aliados europeus e instituições multilaterais como a ONU e nesse sentido nada garante que o Nobel ajude Obama. Pode até dificultar sua vida, indispondo-o ainda mais com os setores isolacionistas. Basta lembrar que Wilson teve a Liga das Nações rejeitada pelo Senado e deixou a presidência em amargura. Seu legado só foi reconhecido e valorizado muitos anos depois. Curiosamente, há pouco tempo a revista Foreign Policy publicou artigo com severas críticas ao Nobel da Paz, apontando seus muitos erros e omissões (Gandhi, por exemplo, nunca ganhou).
Obama vive a contradição semelhante a de Gorbatchev, a de ser muito mais popular no exterior do que entre seus próprios compatriotas. A analogia tem outros pontos em comum: a necessidade dos dois estadistas em retirar seus países de guerras desastrosas no Afeganistão (no caso de Obama, também no Iraque), de reformar uma economia repleta de problemas e o fato que ambos representavam a corrente mais inovadora do establishment político. Deve ter muita gente na velha União Soviética olhando para o presidente americano com uma sensação curiosa de Dejá Vu, e talvez de pensamentos pessimistas.
Com apenas nove meses no cargo, é muito difícil fazer qualquer previsão do sucesso ou fracasso das iniciativas diplomáticas de Obama. Mas a lista impressiona pelas ambições. O belíssimo discurso do Cairo, focado no entendimento entre culturas e religiões. O cancelamento do controverso projeto do escudo de mísseis na Europa Oriental. A recomposição das relações com os aliados da OTAN. Um importante e bem-executado tour pela África. O reconhecimento dos países emergentes da economia internacional, no G-20. Outros permanecem problemáticos: a deterioração nas relações com Israel, a crise com o Irã, agravada pelos avanços no programa nuclear e pela repressão violenta do movimento democrático, a situação complexa no Afeganistão, Paquistão e Iraque, a dificuldade de entendimentos com a Coréia do Norte, as diretrizes confusas para a América Latina.
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9 comentários:
Mestre, concordo com o comentarista da BBC que disse que o Nobel pro Obama é mais de encorajamento - pra que ele continue no caminho certo - do que por qualquer feito que ele tenha alcançado até agora. Não acho que ele necessariamente mereça o prêmio. Na minha opinião, o Clinton fez muito mais do que o Obama em termos de diplomacia e nunca ganhou nada...
Meu caro:
Quando li la nova num foro pensei que era uma brincadeira, mas näo!
Creio que é totalmente imatura a decissão. Ainda não chegou ao ano de governo e resulta muito difícil evaluar seus aportes.
Concordo totalmente com Nicole em que näo necessariamente mereça o prêmio e que talvez seja uma forma de anima-lo pra siguer.
Acabo de ver que ganhou o Nobel de Literatura uma vítima da ditadura rumana. Espero que, com esta tendência, o grande Juan Gelman tenha a possibilidade de consigue-lo. Porque, pelo visto, näo querem honrar ao Sábato, como se houvessem "saído de moda" ele e toda sua nunca honrada geração (Borges, Cortázar, Bioy Casares, etc.).
Saludos!
Patricio Iglesias
Querida Nica,
É uma ótima definição. Meu único receio é que ela acabe polarizando ainda mais a política americana, que já está num momento de muitos ódios e radicalismos.
Caro Patricio,
O Nobel foi injusto com os argentinos na Literatura, mas ao menos vocês ganharam dois na Paz e vários em ciências. E o Brasil, que nunca levou nada?
Abraços
Meus caros:
Näo olvidem o grande aporte da ciência brasileira à humanidade e especialmente à América Latina. Chagas foi brasileiro e näo foi facil pra ele lutar contra séculos de prejuícios. É assim; esperemos que mude, mas um norteamericano sempre tem tido mais possibilidades de ganhar o Nobel do que um brasileiro ou um argentino.
Abraços!
Minha primeira reação foi criticar o prêmio, mas depois entendi o gesto político embutido.
O Nobel quer pressionar e comprometer Obama com a busca da paz.
Grande Maurício,
achei ótima a sua comparação do Obama com o Gorbachev (outro Nobel da paz)! Por coincidência, escrevi um post sobre o Gorbachev no meu blog. Assisti essa semana uma palestra dele na ONU. Se quiser conferir:
http://identidadeinternacional.blogspot.com/2009/10/gorbachev.html
Abraços!
Salve, Igor.
Começo a achar que a Der Spiegel tem razão e que o Nobel da Paz é "mais fardo do que honra". A não ser que o sujeito seja Madre Teresa ou alguém do gênero.
Adorei a "perestroika americana". Acho que ainda escreverei sobre isso!
Dom Patricio,
Ontem fui a uma palestra do embaixador argentino no Brasil, que falou sobre o futuro do Mercosul. Será tema do blog na próxima semana.
Abraços
Foi o Nobel mas surpreendente dos ultimos anos, mas coitado do Obama precisava de um "pick me up" depois da olimpiada..rs..
Salve, Mauricio
Sinceramente, não acho que o Obama merecia o prêmio, embora esteja mudando a política unilateral promovida durante o governo Bush; e tenha apresentado bons projetos político-diplomáticos nesse início de governo. Mesmo que seja um "incentivo" político, acho que o reconhecimento (que vale mais de 1 milhão de dólares) deveria ser dado a pessoas que realmente dedicam suas vidas a paz - internacional ou intranacional. Aliás, pessoas ou ONGs, que não tem tantas condições finaneiras e políticas de desenvolver seus projetos.
Obama certamente está tentando promover a paz entre as nações, mas isso faz parte do papel do Presidente do Estado líder mundial - ainda que nem todos tenham seguido esse caminho.
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