segunda-feira, 15 de março de 2010

A Batalha pelos Royalties



A batalha política pela distribuição dos royalties e participações especiais do petróleo traz para o Brasil os conflitos em torno de recursos naturais que estouraram em outros países sul-americanos, em particular na Bolívia e no Peru. Ao contrário dessas nações, o Estado brasileiro é uma federação, mas a fragilidade do pacto federativo nacional ficou demonstrada no processo que culminou com a aprovação, na Câmara dos Deputados, da emenda ao projeto de lei 5938/09, que prejudica intensamente os maiores estados produtores, principalmente o Rio de Janeiro, que perderia R$7 bilhões por ano.

O Rio recebe cerca de 70% dos royalties e participações especiais destinados aos governos estaduais, e em torno de 2/3 do equivalente para os municípios. A imagem acima, da Petrobras, mostra a distribuição em 2008 dos royalties (barril à esquerda) e da participação especial sobre os grandes campos (direita).

O petróleo banca 13% do orçamento do Rio e com frequência mais de 70% das receitas das cidades mais beneficiadas pelo boom petrolífero, como Campos, Macaé e Rio das Ostras. Os setores ligados à exploração dos hidrocarbonetos cresceram mais de 400% desde a aprovação da lei do petróleo, em 1997 e se tornaram o núcleo mais dinâmico da economia fluminense. Não é à toa que o governador chorou (vídeo abaixo) e convocou uma passeata de protesto para a quarta-feira.



Há uma série de restrições jurídicas que limitam a aplicação dos recursos petrolíferos. Por exemplo, eles não podem ser usados para custear folha de pagamento, pois o governo federal temia que os hidrocarbonetos se tornassem uma maneira de aumentar os gastos públicos, minando os esforços de equilíbrio fiscal da década de 1990. No entanto, podem ser utilizados para financiar a previdência, como faz o Rio de Janeiro, e para pagar a dívida do estado com a União. Nos municípios, a gestão desses recursos é mais problemática e há casos de desperdício que se tornaram notórios, como um prefeito que colocou piso de shopping center em uma praça à beira-mar.

A dependência financeira do petróleo é perigosíssima, pois os recursos oriundos dos hidrocarbonetos são muito instáveis. Oscilam de acordo com o volume de produção, com o preço do barril, com a cotação do dólar. E estão sujeitos à mudanças políticas bruscas, como a que a Câmara aprovou há poucos dias. Também é uma demonstração dos percalços do sistema partidário brasileiro: o relator da emenda, Ibsen Pinheiro, é membro do PMDB, do qual o governador do Rio é um dos principais líderes. Mas a votação dos deputados se deu por lealdades estaduais, e não por fidelidade a programas partidários.

O governo do Rio de Janeiro trabalha com as possibilidades de negociar a próxima votação no Senado, pedir ao presidente Lula que vete as mudanças na lei, e de questionar na justiça a constitucionalidade da alteração. A multiplicação dos recursos petrolíferos seria uma tentação muito forte até para países com desigualdades regionais menos dramáticas do que o Brasil.

8 comentários:

Márcio Pimenta disse...

Olá Mauricio,

Este tema irá nos permitir entender a dinâmica da divisão de responsabilidades dentro do sistema federativo brasileiro.

Teoricamente, sou a favor do veto à emenda apresentada. O Rio de Janeiro, Espírito Santo e outros estados e municípios produtores sofrerão as perdas que você menciona e, ai eu vejo por outro ângulo, a dependência é ruim sim, muito ruim, mas qualquer governo que tivesse este montante disponível trabalharia com este planejamento.

O que de fato me preocupa sobre a questão é o quanto os estados e municípios irão perder em autonomia. O federalismo brasileiro possui um grau de liberdade administrativa bastante avançado. Fosse a população mais informada sobre a divisão de responsabilidades entre os atores, talvez as eleições tivessem alguns resultados bastante diferentes. Talvez. E seguramente a figura do presidente seria menos responsabilizada pelas mazelas do país.

A aprovação da emenda irá expor a infantilidade e falta de responsabilidade dos estados e municípios em assumir suas obrigações. Se estes estados e municípios dependem essencialmente destes recursos, é por que são estados falidos. Os governos que por lá estão e estiveram, não souberam fazer uma gestão ou planejar a economia do estado frente as responsabilidades que lhe cabem.

Fato é que a aprovação desta emenda em um estado federativo vai contra o sistema que o organiza.

Mário Machado disse...

Apesar de ter razão o choro do Cabral foi patético, coisa de política menor...

Maurício Santoro disse...

Salve, Márcio.

Também sou bastante crítico do federalismo brasileiro. A Constituição de 1988 deu aos municípios muitas responsabilidades, mas não os meios de implementá-las, e na prática criou um mecanismo perverso de dependência da União.

A eventual perda dos royalties será um choque para o Rio, mas tem o mérito de ilustrar os riscos dessa dependência.

Caro Mário,

Pois é. Em vez de chorar, o governador bem que podia suar um pouco a camisa, o que não faz mal a ninguém, em especial se for por trabalho duro.

abraços

SEL disse...

Entendo a chiadeira de Rio e do ES, mas a divisão das riquezas do Petróleo entre os outros estados e municípios da federação não me parece mais do que legítimo e justo.

Veja, o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, juntos, não representam mais do que 11% da população brasileira. A despeito disso, irão lucrar com riquezas que estão situadas na Zona Econômica Exclusiva, ou seja, sequer em território cuja legislação carioca ou capixaba pode ser exercida. (Isso, claro, se eu não estiver legalmente equivocado! Mas acho q as aulinhas de DIP ainda estão badalando)

Também me parece legítimo admitir que as zonas já exploradas devam seguir os contratos firmados, mas as zonas ainda não exploradas ou licitadas têm mais é que entrar no butim federal.

Quem sabe com a perda de receitas fáceis oriundas do petróleo, RJ e ES não sofram uma Dutch Disease inversa?

Maurício Santoro disse...

Oi, SEL.

Concordo, temos que pensar num modelo de distribuição dos royalties que seja mais equitativo, e que esteja vinculado a um projeto de desenvolvimento nacional.

O formato atual apenas agrava a dependência do Rio (e em menor grau, do Espírito Santo) e não favorece a população, apenas estimula desperdício e má administração pública.

abraços

Júlio Meirellles disse...

SEL, vc pode lembrar das aulas de DIP, mas as de Constitucional certamente não.

Texto do art. 20, ª 1º da CF:

É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração."

É a própria Constituição que determina o pagamento de royaltes,. como forma de compensar o custo da exploração.

Mas eu abriria mão deles se pudesse tributar o petróleo da bacia de campos, o que não é possível pois a Constituição determina que energia e petróleo serão tributados de icms no destino enquanto todos os outros produtos são tributados na origem.

De resto, sendo o Brasil uma federação, dizer que o projeto nacional se sobrepõe ao desenvolvimento de um estado é interessante, mas antes então vamos acabar com todas as vantagens que as Zonas Francas e quejandos estabelecem para podermos tratar do tema de forma equitativa.

Júlio Meirellles disse...

SEL, vc pode lembrar das aulas de DIP, mas as de Constitucional certamente não.

Texto do art. 20, ª 1º da CF:

É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração."

É a própria Constituição que determina o pagamento de royaltes,. como forma de compensar o custo da exploração.

Mas eu abriria mão deles se pudesse tributar o petróleo da bacia de campos, o que não é possível pois a Constituição determina que energia e petróleo serão tributados de icms no destino enquanto todos os outros produtos são tributados na origem.

De resto, sendo o Brasil uma federação, dizer que o projeto nacional se sobrepõe ao desenvolvimento de um estado é interessante, mas antes então vamos acabar com todas as vantagens que as Zonas Francas e quejandos estabelecem para podermos tratar do tema de forma equitativa.

Maurício Santoro disse...

Olá, Júlio.

De fato, se o Rio pudesse recolher o ICMS do petróleo no local de extração, os ganhos superariam os valores atuais dos royalties.

Curiosamente, a questão do ICMS da energia foi fruto da ação do então deputado constituinte José Serra, que queria levar para São Paulo os recursos oriundos da tributação da eletricidade produzida no Paraná, em Itaipu.

A praxe internacional com royalties é que eles privilegiem os estados/municípios nos quais o petróleo é extraído, como indenização pelas consequências sociais e ambientais desse processo.

É legítima a contestação ao percentual para cada unidade da federação. Só não gosto do baixíssimo nível do debate que tomou conta do Congresso.

Abraços