quarta-feira, 17 de março de 2010
Gabriel García Márquez: uma vida
O escritor colombiano Gabriel García Márquez brincou que todo autor respeitável deveria ter um biógrafo inglês. O seu, Gerald Martin, cumpriu a tarefa com maestria. Após quase 20 anos de pesquisa, lançou um estupenda biografia, que examina a gênese do universo criativo de García Márquez e destrincha suas relações políticas com sua Colômbia natal e com a Revolução Cubana, de quem se tornou o principal defensor intelectual.
García Márquez passou a infância em pequenas cidades e vilarejos da costa caribenha da Colômbia. Sobretudo Arataca, cujas lendas ele imortalizaria na Macondo de “Cem Anos de Solidão”, sua obra-prima. Seu modelo era o avô materno, um coronel que lutou pelos liberais na Guerra dos Mil Dias, e em cuja casa o escritor viveu quando pequeno.
Na juventude, García Márquez foi estudar em Bogotá, mas nunca se sentiu à vontade na capital da Colômbia, situada nos Andes e de costumes bem mais conservadores do que a parcela tropical do país. Estudou Direito, sem se formar, se iniciou no jornalismo e assistiu ao terrível Bogotazo, a rebelião popular que marcou o início de La Violéncia, a guerra civil entre conservadores e liberais que se arrastou pela década de 1950.
Mas então García Márquez era menos interessado em política do que em literatura, cinema e jornalismo, e viveu aos trancos e barrancos como repórter por uma série de países: Colômbia, Venezuela, França, Estados Unidos e, finalmente, México, onde foi muito bem acolhido e desfrutou de um excelente ambiente cultural, no qual floresceu seu casamento com Mercedes e cresceram seus dois filhos, Rodrigo e Gonzalo.
Seus primeiros romances, como “La Hojarasca” e “Ninguém Escreve ao Coronel” começaram a torná-lo conhecido como escritor. A fama internacional veio com “Cem Anos de Solidão”, em 1967, saga familiar que mistura guerras civis, massacres de trabalhadores nas plantações de banana, ciganos, mitos e que se tornou um dos livros mais amados do século XX. García Márquez se tranformou numa celebridade global, íntimo de estadistas e artistas, e o Nobel conquistado em 1982 apenas reforçou seu status.
O escritor despontou no contexto do boom da literatura latino-americana, no qual também figuraram outros autores de primeiro quilate, como Mario Vargas Llosa, Julio Cortázar e Carlos Fuentes. Eram bastante amigos, mas García Márquez e Vargas Llosa terminaram adversários e protagonistas de uma célebre briga a socos, num coquetel explosivo que envolvia rivalidade pessoal, disputas amorosas e divergências políticas.
O cerne da polêmica foi Cuba. García Márquez fez parte da equipe da Prensa Latina, a tentativa da Revolução de 1959 de criar uma agência de notícias internacionais que desafiasse as grandes empresas ocidentais. O projeto fracassou em meio às disputas internas do próprio governo cubano, mas o escritor conseguiu aos poucos se aproximar de Fidel Castro e ambos se tornaram grandes amigos. García Márquez mediou alguns esforços humanitários – como libertar presos políticos cubanos – mas se calou diante do autoritarismo e das violações de direitos humanos do regime de Castro e com o tempo se transformou em algo muito próximo a seu propagandista, ao passo que outros intelectuais foram rompendo progressivamente com a Revolução cubana, criticando seu autoritarismo.
Aliás, García Márquez é fascinado pelo poder e pela proximidade com presidentes de diversos matizes, inclusive ditadores como Castro e como o general panamenho Omar Torrijos. Gerald Martin examina muito bem como isso reflete em sua obra, em particular nos romances “O Outono do Patriarca” e “O General em seu Labirinto”, que apesar de tratar de Bolívar, incorpora algo de Fidel.
García Márquez esposou outras causas políticas, como a condenação às ditaduras latino-americanas (em especial a de Pinochet) e o apoio à transição democrática na Espanha. Em sua Colômbia natal, seus esforços foram mais contraditórios e falhos. Seus projetos de revistas jornalísticas nunca prosperaram muito e sua relação com líderes políticos locais foram tensas. Ele oscilou da proximidade com os guerrilheiros do M-19 ao flerte com conservadores no contexto da ascensão do poder do narcotráfico. Na Venezuela, onde morou, García Márquez não gosta de Chávez, talvez porque seja amigo íntimo de seus adversários, como o ex-presidente Carlos Andrés Pérez (que Chávez tentou depor num golpe militar, em 1992) e do líder de esquerda Teodoro Petkoff.
Na maturidade, a obra literária de García Márquez passou a abordar principalmente o tema do amor, que parece coincidir com certo desencanto com o poder. Martin é entusiasta do romance “O Amor nos Tempos do Cólera”, e mais crítico com respeito aos livros mais recentes do escritor (como “Memórias de Minhas Putas Tristes”). O biógrafo retrata o declínio da saúde de García Márquez, como sua luta contra o câncer e problemas neurológicos que o têm acometido com frequencia.
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4 comentários:
Sou grande leitor desse escritor que não concordo uma vírgula em política e todo o alfabeto em literatura..
Coisas da vida. Lerei em breve essa biografia.
Salve, Mário.
Ela está para sair em português, creio que será publicada aqui nas próximas semanas.
abraços
Meu caro:
Não! Quando li o título pensei "morreu o García Márquez!". Claro, os argentinos estamos em época de muitas mortes de celebridades: Sandro, Mercedes Sosa, Félix Luna, Alfonsín...
Abraços
Patricio Iglesias
Salve, dom Patricio.
Fique calmo, que Gabo segue vivo, embora bastante doente. Os colombianos são difíceis de abater!
abraços
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