sexta-feira, 19 de março de 2010

Lula em Israel



Lula foi o primeiro chefe de Estado brasileiro a visitar Israel, e saiu-se bem, apesar da viagem ser um campo minado, tanto pelas ambiguidades e falta de clareza da política externa brasileira quanto pelas contradições da região.

O Brasil iniciou aproximações mais intensas com o Oriente Médio a partir da década de 1960, no âmbito da política externa brasileira e dos esforços em ampliar a agenda diplomática do país para além dos parceiros tradicionais nas Américas e na Europa Ocidental. A região se tornou bastante importante para o Brasil nos anos 70 e 80 do século passado. O país importava mais de 75% do petróleo que consumia, e via nos países árabes uma fonte essencial de abastecimento, além de compradores para a indústria bélica brasileira.

O político brasileiro Osvaldo Aranha presidia a Assembléia Geral da ONU quando esta aprovou a criação de Israel, mas a política externa do Brasil deu pouca atenção ao novo país, uma vez que as prioridades brasileiras eram as nações árabes, e a comunidade judaica brasileira nunca foi um lobby muito ativo na diplomacia nacional (ao contrário da portuguesa, ou da libanesa). O Brasil teve dois chanceleres judeus – os primos Horácio Lafer (anos 50) e Celso Lafer (anos 90), mas isso não alterou a frieza tradicional das relações com Israel. Durante o governo Geisel, o Brasil apoiou a controversa resolução da ONU que equiparava o sionismo ao racismo. (mais tarde as Nações Unidas a cancelaram).

Esse é o panorama histórico que precede a importante viagem de Lula. O governo brasileiro acenou com gestos de aproximação a Israel, como a ratificação do acordo de livre comércio entre o país e Mercosul – o primeiro tratado desse tipo que o bloco firma com uma nação fora da América Latina. O presidente brasileiro fez um belo discurso de condenação ao racismo, incluindo a repulsa àqueles que negam o Holocausto. Também fez uma bonita apresentação na Knesset, o parlamento israelense, defendendo diálogo e negociação na região.

Lula frisou os pontos de discordância com relação a Israel, ressaltando a oposição brasileira à construção de assentamentos israelenses em territórios palestinos – mesma postura aliás, adotada pelos Estados Unidos. O tema está fervendo na agenda internacional, pela decisão de erguer casas para colonos judeus em bairros palestinos de Jerusalém. O presidente brasileiro também se recusou a visitar o túmulo do fundador do sionismo, o jornalista austríaco Theodor Herzl.

Ecos da postura de Geisel, uma vez que Lula realizou uma jornada emocionada à tumba do líder palestino Yasser Arafat? Talvez, mas pesou mais a gafe da chancelaria israelense, que quis improvisar a visita, pois a cerimônia não estava prevista na agenda acordada entre os dois países. O que dizer do ministro das Relações Exteriores, Avigdor Lieberman, que boicotou a visita de Lula? Sem dúvida, que o presidente israelense Shimon Peres é mesmo o melhor interlocutor do Brasil em um governo tão dividido por extremismos e contradições.

Outro item de discordância entre Brasil e Israel foi, claro, o Irã. A atitude brasileira de condenar sanções e propor o diálogo como modo de lidar com o programa nuclear iraniano tem encontrado forte oposição no Oriente Médio, na Europa e nos EUA. Meu amigo Matias Spektor escreveu há poucos dias um artigo no qual examina os argumentos da diplomacia brasileira. Além das negociações em Israel, Lula esteve também nos territórios palestinos, na Jordânia e na Síria. É uma demonstração da “identidade BRIC” do Brasil, o novo papel internacional do país como potência emergente, com uma agenda muito mais ambiciosa do que qualquer outra nação latino-americana na região. Mas para além de generalidades sobre paz mundial e aumento da influência, o que governo brasileiro almeja de concreto no Oriente Médio?

6 comentários:

Flavio Faria disse...

Prezado Mauricio,

Concordo em partes com o que disse. Acho bonita essa aproximação do governo brasileiro com a região da palestina, mas pensar que o Brasil tem condições de mediar um conflito tão histórico como o árabe-israelense é demais pra mim.

Acordos comerciais e a questão do Irã servem como base para esse diálogo e aproximação. Porém, faço das minhas palavras as mesmas de um crítico do jornal O Globo de hoje. Para ele, o Brasil está longe de possuir qualquer moral internacional para mediar uma situação tão problemática.

O Brasil só conseguiu piorar a questão hondurenha abrigando o presidente expulso do país, Manuel Zelaya. Lula chamou de criminosos presos políticos contra o regime catrista. Não consegue mediar a questão da Colômbia e das FARC's. E agora quer resolver uma briga histórica e sangrenta só porque nosso presidente fez algumas greves em São Paulo. Isso já acho um absurdo.

Daqui a pouco o Brasil vai tentar unificar as Coréias, resolver a questão da Rússia e da Chechênia, Paquistão e Índia e outros conflitos mais graves espalhados pelo mundo.

Acredita no sucesso brasileiro?

Um forte abraço,

Mário Machado disse...

Infelizmente não compartilho essa avaliação positiva da visita. Mais que uma identidade BRIC a visita expôs o baixo poder relativo do Brasil. Não vejo o Brasil como membro de um "quinteto" por exemplo.

Mário Machado disse...

Indaguei outro dia o que ganha o Brasil ao buscar o caminho mais áspero em um assunto que não é primordial para o interesse nacional.

Uma vez que pelo próprio crescimento teremos batalhas próprias e complexas. Não estaríamos a gastar capital político em um problema que objetivamente não é nosso?

Maurício Santoro disse...

Salve, meus caros.

Acredito que é preciso distinguir dois pontos na análise de vocês: a capacidade brasileira de influenciar os acontecimentos no Oriente Médio (muito pequena) e a busca de prestígio internacional pelo Brasil ao adotar uma diplomacia mais ativa para a região.

O Brasil tem três pontos positivos a seu favor: dinamismo econômico, convivência pacífica entre diversos grupos religiosos e culturais e uma respeitável tradição diplomática em mediação de conflitos.

O Flavio tem razão ao apontar os recentes fracassos (eu acrescentaria as disputas entre Argentina e Uruguai pelas papeleras e o apoio à repressão política em Cuba), mas há casos bem-sucedidos em situações difíceis: Bolívia, Paraguai, Venezuela, Peru x Equador, Haiti etc.

A visita de Lula foi impressionante. A imprensa israelense o chamou de "o mensageiro da paz". Nunca vi nada semelhante com um líder latino-americano no Oriente Médio, e é especialmente relevante por ocorrer num momento em que até o vice-presidente dos EUA passou por um fiasco em Israel.

A questão é em que medida essa boa vontade se traduz, de fato, em um caminho que leve à realização do interesse nacional brasileiro e em que medida esses esforços são compatíveis com ações de altíssimo risco como o apoio ao Irã.

É nesse sentido que eu gostaria de ver o aprimoramento do discurso diplomático brasileiro, que ainda é muito preso a clichês e generalidades.

Abraços

Luiz Rodrigues disse...

[FORA DE TÓPICO] Mauricio: O EPP relamente existe? Oviedo tem alguma coisa a ver com isso? Como anda a transição paraguaia?

saudações

Luiz

Maurício Santoro disse...

Salve, Luiz.

Estou bastante desinformado com respeito à situação no Paraguai, mas da última vez em que conversei com amigos do país, há alguns meses, eles estavam bastante preocupados com a possibilidade de um golpe contra Lugo.

Abraços