
Acabou. A disputa presidencial mais polarizada do Brasil desde 1989 chegou ao fim com a vitória de Dilma Rousseff. Pela primeira vez o país será governado por uma mulher, ex-presa política e vítima de tortura. É também inédito que um mesmo partido conquiste pela terceira vez consecutiva a Presidência da República. E não custa lembrar: desde a redemocratização, esta é a primeira disputa em que Lula não estava na cédula, embora a avaliação de seu governo fosse o centro da competição entre os candidatos.
Já escrevi por aqui sobre o primeiro turno. Vamos, pois, à análise do segundo. A oposição conseguiu pressionar o governo com a cartada religiosa, lançando o tema do aborto em discussão. Dilma também se complicou pelos escândalos de corrupção na Casa Civil. Sua campanha teve dificuldades de lidar com ambos os assuntos, mas encontrou uma estratégia bem-sucedida ao transformar a eleição numa espécie de plebiscito sobre se a população preferia a presidência de Lula à de Fernando Henrique Cardoso. A resposta das urnas: a vida melhorou. Condições materiais pesaram mais do que fatores religiosos, mesmo com a intervenção do papa nas eleições.
Para além do maior apoio do eleitorado ao governo petista, há outra diferença crucial: o PSDB tem eleitores. O PT, tem também militantes. O segundo turno e o crescimento de Serra fizeram os ativistas ir às ruas e soltar a criatividade. Numa campanha em que os marqueteiros profissionais cometeram erros primários (como a favela cenográfica de Serra), os amadores mostraram muito mais humor e dinamismo. Transformaram a foto da ficha policial de Dilma durante a ditadura num símbolo de patriotismo e resistência, fizeram um hilariante vídeo ironizando o elitismo que permeou parte do eleitorado de Serra e ainda um ótimo samba brincando com o infame episódio da bolinha de papel.

Infelizmente, o lado negativo da paixão foi uma campanha agressiva, de baixo nível, que atingiu seu ponto mais sombrio justamente na intimidação física a Serra. O candidato oposicionista exagerou na reação e virou alvo de ridículo, mas isso tampouco justifica a postura do presidente Lula, que ao invés de condenar atitudes violentas menosprezou o incidente como algo sem importância. Em grande medida, acredito que a virulência da disputa foi a responsável pelo alto índice de abstenções e voto nulo - um alerta para os principais partidos brasileiros do que os eleitores pensam de suas estratégias mais duras.
Trabalhei bastante como comentarista político durante a campanha, com entrevistas para rádios, jornais e TVs da América Latina, EUA e Europa. Me impressionou no convívio com a imprensa estrangeira o crescimento do respeito internacional pelo Brasil. A disputa presidencial no país foi encarada como um fato importante para a economia global e a estabilidade regional. Jornalistas que cobriram o mundo todo me contavam como estavam espantados com o otimismo e boa vontade dos brasileiros, que não se cansavam de dizer como estavam progredindo e esperando muito do futuro. Ressalto que conversei com as grandes cadeias da imprensa, não se trata de posições de publicações alternativas e radicais politicamente.
Meu momento favorito aconteceu numa entrevista que dei há pouco para a CNN. Após analisar a campanha, a equipe da emissora me disse, no ar, que o Brasil era considerado "a bola da vez" do crescimento global, onde tudo dá certo, e me perguntaram se eu concordava com a avaliação de que ser presidente do país era "a profissão mais fácil do mundo". Caí na gargalhada e respondi que o cargo é sempre muito difícil, mas que o Brasil de fato está em melhor em situação para enfrentar um mundo turbulento do que há 8 anos, quando Lula chegou ao Palácio do Planalto.
Dilma tem pela frente grandes desafios, como a demanda social para que o governo federal se envolva de maneira mais ativa em temas como educação e saúde básicas, e segurança. Precisará lidar também com as cobranças de sua coalizão partidária - PT e PMDB, mas também partidos de médio porte que cresceram bastante, como PSB (força significativa no Nordeste) e PDT. E terá que negociar sem o carisma e a força pessoal de Lula. Serão anos interessantes.