sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Construindo Raça e Nação



Preparo um curso sobre democracia nos Estados Unidos e por conta disso tenho lido muito sobre a história do país. Um dos livros mais interessantes que encontrei foi “Making Race and Nation: a comparison of South Africa, the United States and Brazil”, de Anthony Marx. O argumento central: nos EUA e na África do Sul, os conflitos violentos entre as elites brancas levaram à segregação formal dos negros, ao passo que no Brasil, um maior nível de unidade foi a base para um sistema de discriminação informal, sem as leis rígidas das outras duas nações. Mas isso dificultou a mobilização política negra com base na identidade étnica.

Tanto os Estados Unidos quanto a África do Sul passaram por guerras ferozes entre os brancos no século XIX. No primeiro país, o conflito que dividiu norte e sul (1861-1865) por conta das tensões relativas à escravidão, sobretudo sua expansão ou não para os novos territórios do oeste. No segundo, a guerra dos bôeres (1899-1902), na qual o império britânico incorporou as pequenas e ricas repúblicas africâners, produtoras de ouro e diamantes.

Todos os lados envolvidos nessas disputas usaram os serviços militares dos negros, em geral como forças auxiliares (cozinheiros, carregadores, operários etc), com exceção das tropas americanas da União, que chegaram a incluir quase 200 mil negros, muitos em funções de combate. Mas ao fim dos conflitos, as promessas de reformas que beneficiassem os aliados de pele escura foram abandonadas em nome dos interesses em apaziguar as populações brancas rebeldes. Mesmo que no caso dos EUA, os anos da Reconstrução (1865-1877), tenham sido marcados por avanços sociais para os negros que só seriam alcançados novamente na década de 1960.



O Brasil é o ponto fora da reta. Me parece que Anthony Marx subestimou a importância das rebeliões durante a Regência, que pelo menos no caso da Cabanagem (1835-1840) envolveram um componente de guerra étnica importante. As revoltas escravas brasileiras, do quilombo dos Palmares à insurreição dos Malês, também foram maiores do que suas similares nas outras duas nações, esse deve ter sido um elemento significativo na construção da solidariedade de brancos e mulatos. Mas é certo que as elites brasileiras mostraram um grau maior de unidade e capacidade de resolução pacífica de seus conflitos do que suas contrapartes nos EUA e na África do Sul.

Marx também estuda os esforços dos negros, nos três países, em reagir ao racismo e propor alternativas políticas. Havia, claro, muitos contatos e referências internacionais – as forças anti-apartheid se inspiraram em Martin Luther King Jr. e Malcom X, e nos EUA e na África do Sul os progressistas tendiam a idealizar o Brasil como uma “democracia racial”. O livro foi publicado no fim da década de 1990 e muita água correu debaixo da ponte, desde então: a eleição de Obama, os conflitos xenofóbicos entre negros na África do Sul e a ascensão das políticas de ação afirmativa no Brasil. Dito de outro modo, raça e nação ainda estão em construção nos três países e temos ainda outras possibilidades comparativas muito interessantes, como o movimento indígena na Bolívia.

2 comentários:

Monique Sochaczewski Goldfeld disse...

Muarício, recomendo muito "O Sul mais distante", do Gerald Horne (Companhia das Letras), para dar mais caldo para a discussão no XIX. Devorei! Se quiser, te empresto!

Maurício Santoro disse...

Querida,

Oba! Quero sim! Ele está na minha lista!

Espero que você já tenha puxado a orelha do CCBB por conta dos erros sobre o Império Otomano!

Beijos