quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Tropa de Elite 2: a guerra agora é na esfera pública
"Tropa de Elite 2" é melhor, mais maduro e sombrio do que o primeiro filme da série. O agora coronel Nascimento descobre que combater a corrupção na polícia - e sua ramificação, as milícias - é muito pior do que enfrentar traficantes em favelas, e que suas batalhas decisivas não são travadas com armas, mas na esfera pública, no Legislativo e por meio da imprensa, a um alto custo pessoal.
"Tropa de Elite" transformou o capitão Nascimento em herói nacional, um tanto a contragosto da equipe do filme, que o havia imaginado como um personagem problemático, à beira de um colapso nervoso. A verdadeira jornada heróica do primeiro filme era a de André Matias, o jovem e idealista aspirante que aprendia, ao longo da história, como se tornar um policial implacável, e eficiente no combate. Seu rito de transição terminava com ele assassinando o traficante que matara seu melhor amigo. Mas a vingança não era redentora, apenas simbolizava o que André perdera ao longo do caminho, como o rompimento com a namorada e o estranhamento com os colegas de turma na faculdade de Direito.
Em Tropa 2, os anos de violência cobraram um preço caro tanto para Matias quanto para Nascimento. O filme começa com os dois liderando uma invasão do BOPE a um presídio onde ocorre uma rebelião liderada por uma facção de traficantes. A operação terá um desfecho inesperado, que alterará a vida dos protagonistas: Nascimento vira subsecretário de Segurança, responsável pela inteligência, Matias começará um período de ostracismo na polícia, e o outro envolvido, o ativista de direitos humanos Diogo Fraga, é eleito deputado estadual com a agenda de denunciar os abusos cometidos por policiais.
O primeiro filme era maniqueísta e apresentava os ativistas de DH como inocentes úteis nas mãos dos bandidos. Diretor e roteirista aprenderam com as críticas: Fraga é um dos heróis do segundo longa, e aos poucos ganha o respeito de um relutante Nascimento, inclusive por razões pessoais - Fraga se casou com sua ex-esposa, e de certo modo fez a cabeça do filho adolescente do coronel, que tem problemas em se entender com o pai. Na Secretaria de Segurança, ele aplica suas idéias para transformar o BOPE numa excelente máquina de guerra. Mas à medida que mata ou expulsa traficantes de favelas, vê o vazio de poder ser preenchido pelas milícias, grupos do crime organizado com fortes ramificações na polícia, na Assembléia Legislativa e que funcionam como cabos eleitorais para a elite do estado.
Nesse aspecto, Tropa 2 é quase um roman à clef: todos os protagonistas são inspirados em figuras públicas do Rio. Fraga, no deputado estadual Marcelo Freixo, que presidiu a CPI das Milícias (e que faz uma pequena ponta como figurante, ao lado do sociológo Michel Misse). Nascimento e Matias, nos policiais Rodrigo Pimentel e André Batista.
Os vilões são facilmente reconhecíveis para aqueles familarizados com a crônica fluminense: são amálgamas de ex-secretários de Segurança, apresentadores de TV, deputados estaduais e federais. O Sistema, como diz Nascimento. Alguns dos episódios do filme, como a captura de uma equipe de jornalistas pela milícia, também foram inspirados em fatos recentes. Não é o padrão de Hollywood. Heróis morrem, coisas más acontecem a pessoas boas, e nem sempre os maus são punidos. Bem-vindos ao Rio de Janeiro.
"A única coisa que o Sistema respeita é a mídia", desabafa Nascimento. Os jornalistas estão por toda a parte em Tropa 2, e exercendo várias funções: fiscais das autoridades, manipuladores da opinão pública, ou simplesmente à busca de suas ambições pessoais, seja ganhar a manchete principal, seja usar sua fama para obter cargos públicos.
Tropa 2 talvez incomode aos fãs mais ardorosos do primeiro filme, pois mostra o quanto a ânsia da sociedade por vingança contra os criminosos é explorada e manipulada pela elite política corrupta que muitas vezes ganha legitimidade ao atender a esses anseios. O mal-estar será excelente, pois estamos diante de um filme altíssima qualidade, inteligente, provocador, tecnicamente impecável. Que venham mais e melhores deste quilate, pois a esfera pública brasileira também é feita pelo cinema.
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6 comentários:
Correndo o risco de receber alguma pecha.
Havia algo de catártico na vingança que Nascimento representava. É inegável que uma vítima de crime quer ser vingado. Contudo, a fibra moral da sociedade (se existir) é melhor servida pela justiça rápida e eficiente.
Pobre Brasil sonha com a grandeza, mas vive uma realidade tão precária.
Abs,
Maurício, poderia reproduzir esta crítica no Jornal Sul21 (http://sul21.com.br/jornal/)?
Favor responder para miltonribeiro@sul21.com.br .
Abraço.
Meu amigo, há quanto tempo!
Comecei a escrever um blog e me lembrei que você também tinha um e resolvi lhe visitar.
Achei excelente sua resenha sobre o filme, mas há algumas pequenas coisinhas que eu discordo de você aqui e ali, e por isso há dois pontos que eu gostaria de ouvir você falar:
1)Você não acha que o "final feliz" deste segundo Tropa fica muito a desejar se compararmos à conclusão "nua e crua" do primeiro filme? Confesso que isto me deixou realmente incomodado, com a sensação de que cederam ao "apelo comercial";
2)Sobre o "meta-filme". Tropa 2 é um filme excelente, sem dúvida, mas não se resume a um espírito "ars gratia artis", e daí vem meu segundo incômodo com o filme, ele ter sido lançado no fds seguinte ao primeiro turno das eleições. Obviamente eu sei que a coisa não seria simples e que isso acarretaria em sérios riscos, mas em parte não é a isso que eles estão se propondo? Gostaria de ouvir o que pensa disso.
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