quarta-feira, 20 de outubro de 2010
AK-47
De todas as armas no vasto arsenal soviético, nada era mais lucrativo do que o modelo Avtomat Kalashnikova de 1947, mais comumente conhecido como AK-47 ou Kalashnikov. É o fuzil de assalto mais popular do mundo, uma arma que todos os combatentes amam. Um amálgama elegante de três quilos e meio de aço e madeira compensada, que não quebra, emperra ou superaquece. Irá disparar mesmo que esteja coberto de lama ou repleto de areia. É tão fácil de usar que até uma criança é capaz de manejá-lo, e elas com frequência o fazem. Os soviéticos o puseram numa moeda, Moçambique o colocou em sua bandeira. Desde o fim da Guerra Fria, o Kalashnikov se tornou a maior exportação do povo russo. Depois disso vem a vodca e os romancistas suicidas. Uma coisa é certa: ninguém estava fazendo fila para comprar os carros deles...
Do filme, “O Senhor das Armas”
A pior arma de destruição de massa existente não é nenhum aparato atômico, químico ou biológico, mas sim o fuzil AK-47. Ele foi projetado pelo militar soviético Mikhail Kalashnikov, a partir de adaptações dos modelos alemães que ele havia observado nas batalhas da Segunda Guerra Mundial. Era uma arma de pobres: simples, fácil e barata de usar e manter. A princípio, os Estados Unidos não se preocuparam com ela. Só notaram sua importância quando se depararam com guerrilheiros vietnamitas que a usavam em combate. E então os americanos perceberam que o AK-47 era muito melhor do que seu próprio M-14.
Em linhas gerais, esse é o conteúdo da excelente entrevista que a revista Foreign Policy fez com C. J. Chivers. Ex-fuzileiro naval, jornalista e historiador premiado com o Pulitzer, ele lançou um livro sobre o AK-47. Ao traçar a história da arma, procura iluminar alguns fatos ainda obscuros envolvendo o velho Kalashnikov (foto que abre o post, posando com sua famosa criatura). Por exemplo, alguns de seus principais colaboradores terminaram presos pela polícia política de Stalin, e aparentemente o gênio de Kalashnikov foi menos em inventar e mais em sintetizar e aperfeiçoar inovações técnicas de outras pessoas.
Nenhuma outra arma ficou tão associada com guerrilhas e movimentos de libertação nacional quanto o AK-47 - líderes como Robert Mugabe (Zimbábue), Saddam Hussein (Iraque) e Osama Bin Laden posaram para fotos com ele, justamente para explorar o simbolismo de rebeldia, e anti-Ocidente, da arma. Mas seus usos iniciais foram na repressão aos movimentos libertários da Europa Oriental, como a revolta dos trabalhadores na Alemanha Oriental (1953) e a Revolução Húngara (1956). A URSS fabricou dezenas de milhões de unidades que se espalharam não só por seus Estados-clientes, mas para todo o tipo de grupo armado.
Chivers afirma que a situação se tornou ainda mais grave no pós-Guerra Fria, com o colapso do bloco comunista na Europa Oriental resultando na disseminação dos AK-47 por diversas zonas de combate, no mundo todo, e que a durabilidade da arma é um fator que ajuda a prolongar a vida de guerrilhas e rebeliões.
Uma série de brilhantes historiadores militares, como John Keegan e Martin van Creveld, nos chamam a atenção para o fato de que a guerra não é simplesmente a continuação da política por outros meios, mas um elemento fundamental da cultura e da afirmação da identidade. Creveld, em particular, tem um ótimo livro no qual discorre sobre o fascínio que as armas sempre despertaram nas pessoas, e como em todas as épocas os guerreiros as decoram com jóias, inscrições, enfeites etc. Penso que muito do glamour perverso do AK-47 vem não do simbolismo político, mas da beleza pura e simples do seu design. Ele não tem nada em excesso. É como uma ave de rapina, um predador selvagem. Um reflexo para o que temos de violento, a “natureza, vermelha com garras e dentes”, da qual falou o poeta Tennyson.
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