Nos últimos 20 anos ganhou força a agenda de pesquisa das
variedades do capitalismo, que examinam as diversas maneiras pelas quais se organizam as economias de mercado e suas relações com instituições como sindicatos, partidos, associações empresariais etc. Alguns desses trabalhos analisam também os impactos dos diferentes capitalismos para as políticas públicas ou para a própria democracia, como é caso do excelente “
Coffee and Power – Revolution and the Rise of Democracy in Central America”, de Jeffery Paige. O autor parte de três paises dependentes do café – Costa Rica, Nicarágua, El Salvador – mas que têm histórias políticas muito diferentes, que oscilam da democracia sólida à revolução sandinista, passando por golpes, ditaduras militares ou personalistas.
Nos três países o café consolidou-se como o principal produto de exportação em meados do século XIX, e serviu de base econômica para a instalação de regimes liberais que procuraram varrer os vestígios dos sistemas feudais e mercantilistas da era colonial, criando sistemas modernos de propriedade da terra, do mercado de trabalho. Ainda que a política excluísse os pobres, que formavam a maioria da população.
Paige afirma que esse quadro foi transformado por três fatores: a estrutura de posse da terra, as relações entre fazendeiros e trabalhadores rurais e o grau de envolvimento da elite rural com o comércio e a agroindústria. Na Costa Rica, pequenos e médios produtores, articulados com um dinâmico setor de processamento e exportação do café, criaram ambiente bem mais propício à democratização, sobretudo a partir da crise da Grande Depressão da década de 1930. Em El Salvador, houve uma polarização violenta entre latifundários e uma mão-de-obra migrante, sem posse de terra, uma espécie de proletariado agrário. O resultado foram sangrentas rebeliões e contra-insurreições em 1932, num clima de radicalização ideológica. Na Nicarágua, a longa ocupação militar dos Estados Unidos gerou a rebelião nacionalista e religiosa (e anticomunista) de Augusto Sandino. Embora debelada pela ditadura da família Somoza, lançou bases para cooperação política entre diversas forças progressistas, que culminaria na aliança revolucionária sandinista em 1979.
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Após a Segunda Guerra Mundial, a América Central experimentou os efeitos benéficos do boom econômico global, não só no café mas também com o agronegócio em geral: algodão, banana. Na Costa Rica, uma série de governos desenvolvimentistas apostou na indústria, por meio de empresas públicas. Na Nicarágua, surgiu uma camada de agroempresários prósperos e de mentalidade mais aberta, que questionavam as práticas corruptas e autoritárias de Somoza. El Salvador não teve o mesmo crescimento, mas também lá houve a ampliação de um setor mais moderno, que apoiou os esforços de uma junta militar reformista que tentou mudanças para impedir que a Revolução Sandinista chegasse também ao país. Mais tarde, foram importantes nas negociações de paz que puseram fim à guerra civil.
Os modelos teóricos sobre transições políticas, como os de Barrington Moore Jr, são taxativos: “não há democracia sem burguesia”, e a classe mais autoritária costuma ser a elite agrária, por conta de suas relações de força com seus trabalhadores. Paige relativiza esse paradigma, com a constatação de que na América Latina não há uma distinção clara entre burguesia e setor agrário (pessoalmente, acredito que a Argentina é uma exceção). Contudo, o autor afirma que quanto mais envolvida com o comércio e os aspectos industriais da agricultura, mais pró-democracia é o segmento agrário.
Os três países analisados por Paige são hoje democracias, embora a Nicarágua e El Salvador estejam sujeitas a muita instabilidade, por conta de bolsões autoritários no governo ou nas Forças Armadas, o fortíssimo impacto da violência urbana e os difíceis legados das guerras civis e intervenções militares estrangeiras. Seu livro é uma interpretação rica e criativa das jornadas rumo à liberalização política e com certeza inspirará muitas pesquisas futuras.