sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A Geopolítica de Ormuz

No dia 28 o Irã iniciou uma manobra naval no estreito de Ormuz, por onde passam 17% do petróleo global. O exercício é uma resposta à nova rodada de sanções prestes a ser adotada pelos Estados Unidos e mais um episódio das tensões políticas entre os dois países e Israel. Os mercados reagiram com tranquilidade e o preço do barril chegou até a cair. A serenidade vem do poderio marítimo que os EUA tem na região, pois o Bahrein sedia a V Frota da Marinha americana. Há também a percepção de que as ações iranianas se dão em grande medida para consumo interno, devido aos conflitos entre conservadores e extremistas que disputam o poder em Teerã – os moderados estão na oposição, na prisão, no exílio ou no cemitério.

Ainda assim, o governo do Irã marcou um ponto, relembrando que em caso de guerra a situação no estreito prejudicaria de imediato o abastecimento de petróleo mundial e no mínimo elevaria os preços por conta do medo e da especulação inerente a esse tipo de crise. Os interesses envolvidos são imensos: além do Irã, as exportações da Arábia Saudita, Iraque, Kuwait, Catar e Emirados Árabes passam por Ormuz.

Apesar das diversas rodadas de sanções, a economia iraniana vai bem. Cresceu 5,5% em 2011. O PIB é da ordem de US$400 bilhões e cerca de 25% dele vem do petróleo. Os preços aumentaram 10% neste ano, o que também reforça o caixa do governo, visto que as sanções não afetaram a indústria dos hidrocarbonetos, por pressão de parceiros importantes como China e Rússia.

No início do governo Obama houve uma tímida tentativa de reestabelecer o diálogo com o Irã, descrita como “uma única jogada de dados”. Ela falhou e foi enterrada de vez na oposição dos Estados Unidos ao acordo proposto por Brasil e Turquia com respeito ao programa nuclear iraniano. O cenário no próximo ano é bastante sombrio, com o que promete ser uma campanha presidencial americana bastante agressiva, em meio às dores da crise e os temores do declínio da influência dos EUA no Oriente Médio.

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Este é meu último post do ano - movimentadíssimo, por sinal. Retomo o blog na segunda-feira e que 2012 seja pelo menos tão interessante quanto 2011. Me despeço com minha entrevista para a revista do Valor Econômico, na qual faço a retrospectiva dos últimos 12 meses e arrisco duas ou três previsões. Bom Ano Novo a todos!

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A Guerra de Cristina Kirchner contra a Imprensa

Na semana passada, escrevi que a vitória estrodosa que a presidente argentina Cristina Kirchner obteve em sua reeleição fez com que se sentisse forte o suficiente para deflagrar conflitos com ex-aliados no sindicalismo e para implementar controversas medidas econômicas, como restrições à compra de dólares. O round mais recente de suas batalhas políticas é contra os meios de comunicação, em particular contra os grupos Clarín e La Nación, no que constitui a maior ameaça à liberdade de imprensa na Argentina desde a redemocratização.

Nos dias que antecederam o Natal, o Congresso aprovou duas leis polêmicas: 1) Uma declara que a empresa que fabrica papel jornal, na qual o Estado é acionista minoritário com cerca de 30%, é de “interesse nacional”, no que está sendo encarado como primeira etapa no processo de sua nacionalização. Isso deixaria o fundamental suprimento desse produto sob domínio do Estado. 2) A outra tipifica o crime de terrorismo, de modo tão vago e amplo que funcionários do governo afirmaram que pode ser usada contra jornalistas que “estimulem o pânico”, por exemplo, “provocando uma corrida aos bancos”. Dada a atual situação das contas públicas argentinas, essa é uma acusação que pode ser feita a quem relate de maneira crítica as medidas oficiais. O juiz da Suprema Corte Eugenio Zaffaroni, respeitado por sua militância pró-direitos humanos, classificou a nova lei de “disparate”, embora tenha sido cauteloso para atribui-la a "pressões internacionais", e não às intenções dos peronistas.

Em paralelo à nova legislação, policiais ocuparam a sede da Cablevisión, um canal de TV pertencente ao Grupo Clarín e a Justiça ordenou bloqueio de bens do jornal La Nación. Ambos os processos estão repletos de irregularidades e são bastante questionáveis do ponto de vista jurídico, sendo explicáveis somente pela postura oposionista das duas empresas de mídia.

Os atos do governo argentino acontecem num turbulento ambiente regional, no qual autoridades da Venezuela, Equador e Nicarágua também tomaram decisões que limitam a liberdade de imprensa, sem que isso provoque a refutação de presidentes moderados da América Latina. A reação dos Estados Unidos veio em entrevistas de Barack Obama a jornais oposionistas venezuelanos e argentinos. Isso tem tudo para ser um desastre, na medida em que identifica os EUA com os grupos conservadores, minoritários na região. E com seu próprio péssimo histórico de censura, ditadura e ataques a jornalistas.

A imprensa latino-americana ainda é muito limitada ao controle de um pequeno grupo de grandes empresas, mas não ficará melhor caso seja submetida às manipulações políticas de governos. As novas tecnologias propiciam possibildades extraordinárias para meios de comunicação mais sintonizados com os valores e demandas da população regional. Mas o que está no horizonte é o enfrentamento mais duro dos governantes bolivarianos e peronistas com a mídia, amparados por sua ampla popularidade e pela maioria parlamentar da qual dispõem.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Café, Poder, Revolução e Democracia

Nos últimos 20 anos ganhou força a agenda de pesquisa das variedades do capitalismo, que examinam as diversas maneiras pelas quais se organizam as economias de mercado e suas relações com instituições como sindicatos, partidos, associações empresariais etc. Alguns desses trabalhos analisam também os impactos dos diferentes capitalismos para as políticas públicas ou para a própria democracia, como é caso do excelente “Coffee and Power – Revolution and the Rise of Democracy in Central America”, de Jeffery Paige. O autor parte de três paises dependentes do café – Costa Rica, Nicarágua, El Salvador – mas que têm histórias políticas muito diferentes, que oscilam da democracia sólida à revolução sandinista, passando por golpes, ditaduras militares ou personalistas.

Nos três países o café consolidou-se como o principal produto de exportação em meados do século XIX, e serviu de base econômica para a instalação de regimes liberais que procuraram varrer os vestígios dos sistemas feudais e mercantilistas da era colonial, criando sistemas modernos de propriedade da terra, do mercado de trabalho. Ainda que a política excluísse os pobres, que formavam a maioria da população.

Paige afirma que esse quadro foi transformado por três fatores: a estrutura de posse da terra, as relações entre fazendeiros e trabalhadores rurais e o grau de envolvimento da elite rural com o comércio e a agroindústria. Na Costa Rica, pequenos e médios produtores, articulados com um dinâmico setor de processamento e exportação do café, criaram ambiente bem mais propício à democratização, sobretudo a partir da crise da Grande Depressão da década de 1930. Em El Salvador, houve uma polarização violenta entre latifundários e uma mão-de-obra migrante, sem posse de terra, uma espécie de proletariado agrário. O resultado foram sangrentas rebeliões e contra-insurreições em 1932, num clima de radicalização ideológica. Na Nicarágua, a longa ocupação militar dos Estados Unidos gerou a rebelião nacionalista e religiosa (e anticomunista) de Augusto Sandino. Embora debelada pela ditadura da família Somoza, lançou bases para cooperação política entre diversas forças progressistas, que culminaria na aliança revolucionária sandinista em 1979.

Após a Segunda Guerra Mundial, a América Central experimentou os efeitos benéficos do boom econômico global, não só no café mas também com o agronegócio em geral: algodão, banana. Na Costa Rica, uma série de governos desenvolvimentistas apostou na indústria, por meio de empresas públicas. Na Nicarágua, surgiu uma camada de agroempresários prósperos e de mentalidade mais aberta, que questionavam as práticas corruptas e autoritárias de Somoza. El Salvador não teve o mesmo crescimento, mas também lá houve a ampliação de um setor mais moderno, que apoiou os esforços de uma junta militar reformista que tentou mudanças para impedir que a Revolução Sandinista chegasse também ao país. Mais tarde, foram importantes nas negociações de paz que puseram fim à guerra civil.

Os modelos teóricos sobre transições políticas, como os de Barrington Moore Jr, são taxativos: “não há democracia sem burguesia”, e a classe mais autoritária costuma ser a elite agrária, por conta de suas relações de força com seus trabalhadores. Paige relativiza esse paradigma, com a constatação de que na América Latina não há uma distinção clara entre burguesia e setor agrário (pessoalmente, acredito que a Argentina é uma exceção). Contudo, o autor afirma que quanto mais envolvida com o comércio e os aspectos industriais da agricultura, mais pró-democracia é o segmento agrário.

Os três países analisados por Paige são hoje democracias, embora a Nicarágua e El Salvador estejam sujeitas a muita instabilidade, por conta de bolsões autoritários no governo ou nas Forças Armadas, o fortíssimo impacto da violência urbana e os difíceis legados das guerras civis e intervenções militares estrangeiras. Seu livro é uma interpretação rica e criativa das jornadas rumo à liberalização política e com certeza inspirará muitas pesquisas futuras.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Sucessão no Reino Eremita

A Coréia do Norte tem o regime político mais fechado do mundo e apesar de nominalmente comunista desde a década de 1990 não funciona mais como um sistema dominado pelo Partido, mas por como uma ditadura militar cujo comando é transmitido de pai para filho. O fundador do Estado, Kim Il-Sung, o passou para seu rebento sonhador, Kim Jong-Il, que preferia ter sido cineasta. Ele faleceu no último sábado e a herança do “reino eremita”, como é conhecido o país, agora está com seu caçula Kim Jong-un, de apenas 28 anos (ou 27, não se sabe ao certo sua idade). Sua juventude e inexperiência significam que o poder real será exercido pelas Forças Armadas e por parentes mais velhos, como seu tio Jang Song Thaek.

O ambiente de segredo na Coréia do Norte é tão grande que a existência de Kim Jong-un era desconhecida no Ocidente até a década passada. Sabe-se que ele estudou na Suíça, sob um nome falso, e que sua mãe foi uma dançarina japonesa. Era o filho favorito de Kim Jong-Il, talvez pela semelhança física entre ambos, talvez pelo temperamento determinado e explosivo. Há relatos que o ditador teria excluído os primogênitos da linha sucessória por considerá-los de caráter fraco e até, pasmem, pouco resistentes à bebida.

Nos últimos 20 anos a principal atividade econômica da Coréia do Norte tem sido a extorção de ajuda internacional por meio de ameaças envolvendo seu programa nuclear e suas tecnologias militares avançadas, como a construção de mísseis. O principal patrocinador externo do regime é a China, que no entanto com frequência age no sentido de conter as iniciativas mais turbulentas de Pyongyang. Naturalmente, há muita especulação sobre o que significa a sucessão entre os Kims para as relações exteriores da Coréia do Norte. Aparentemente, o início do reinado do jovem Jong-un deve ser um período mais voltado para a consolidação de seu poder doméstico, com menos iniciativas internacionais.

A maré de protestos democráticos que atravessou os países árabes e a Rússia não mostra sinais de ter chegado à Coréia do Norte. Como se vê pelo vídeo acima, pelo menos o ritual público de homenagem à ditadura continua vigente. No entanto, há o debate sobre chances da China retirar seu apoio ao regime, em caso de instabilidade. Difícil dizer, pois manter a Coréia dividida tem sido um dos objetivos da política externa chinesa, que teme um país reunificado com a força econômica do sul e a tecnologia militar do norte.

Em 2012 se completarão cem anos de nascimento de Kim Il-Sung, o fundador do Estado norte-coreano e da dinastia que o governou desde então.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Depois da Vitória, os Conflitos

Há dois meses a presidente argentina Cristina Kirchner foi reeleita com 54% dos votos, a maior distância com relação ao 2º colocado desde a redemocratização de seu país e maioria no Congresso. Há dez dias ela tomou posse em seu segundo mandato em meio a uma crise política que culminou no rompimento como principal líder sindical do país, Hugo Moyano (foto) e com medidas controversas e impopulares para conter a compra de dólares pela população. As contradições são menores do que parecem à primeira vista: após a vitória nas eleições, afloraram os problemas latentes que estavam para explodir.

Moyano é o secretário-geral da Confederação-Geral do Trabalho, principal central sindical, e um aliado com diversos usos para o governo – por exemplo, bloquear a circulação do jornal Clarín, arquiinimigo (após 2008) dos Kirchners. Oriundo dos sindicatos dos caminhoneiros, por seus métodos e história de vida Moyano é com frequência comparado ao americano Jimmy Hoffa. Apesar da proximidade política, ele e a presidente vinham se desentendendo por temas econômicos. Para tentar controlar a inflação, Cristina Kirchner tinha vetado vários aumentos significativos conquistados por Moyano para sindicatos sob seu controle.

Há também uma questão política mais ampla. A oposição argentina é fragmentada e geralmente ineficaz, a não ser na cidade de Buenos Aires e em algumas províncias sob forte influência de líderes locais. Isso significa que boa parte da luta política migrou para dentro do governo, que um amigo me descreveu como “peronismo de coalizão”. Os Kirchner eram figuras marginais ao centro de poder peronista, mas ao longo da década de 2000 consolidaram sua posição e depois da vitória de outubro aprofundaram o giro que se afasta dos líderes tradicionais (sindicatos, governadores) e fortalece novos atores, como o movimento juvenil La Campora, liderado pelo filho de Néstor e Cristina. Moyano, evidentemente, não gostou: rompeu com governo e partido, e discursa elogiando Perón em detrimento dos Kirchner.

Os problemas também são graves na economia, como se pode ver pelo gráfico acima. As contas públicas da Argentina estão piorando constantemente e há preocupação no governo com as baixas reservas internacionais e com a fuga de dólares. A decisão oficial foi impor um limite ao que as pessoas podem comprar em moeda estrangeira. A medida é impopular, de regras confusas e afetou muitos cidadãos de classe média que buscam dólares apenas para se proteger das turbulências na economia e que se assustaram com a semelhança do gesto atual com o corralito ocorrido às vésperas do colapso de 2001. O amigo Rodrigo Mallea escreveu ótimo texto comparando como brasileiros e argentinos se relacionam de forma muito diferente com o dólar.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Os Crimes de Ódio na Europa

Na terça-feira, dois homens atiraram em multidões nas cidades de Florença (Itália) e Liège (Bélgica). Mataram vários, feriram centenas e se suicidaram ao serem cercados pela polícia. Há pontos em comum com o terrorista que cometeu o massacre de julho na Noruega. Os três casos envolveram temas mal-resolvidos com xenofobia: o italiano atirou em imigrantes do Senegal numa feira, o noruguês agiu movido pelo ódio ao que julgava ser uma permissiva atitude do governo com respeito ao multiculturalismo, e o belga era ele mesmo um filho de imigrantes, que não conseguiu adaptar-se à nova sociedade, e vivia com problemas com drogas. Os três agiram sozinhos, mas sua loucura individual floresce em meio à força crescente da extrema-direita na Europa, que encontra um terreno fértil para ampliação com a crise econômica regional.

Os países europeus têm um percentual relativamente pequeno de imigrantes, em geral entre 5% e 10% da população. A título de comparação, cerca de 50% dos habitantes da cidade de Nova York nasceram fora dos Estados Unidos. No entanto, não se deve subestimar o impacto que o medo e raiva dessa minoria podem alcançar. Na Alemanha nazista, os judeus mal chegavam a 1% dos moradores do país, o que não impediu o antissemitismo de se tornar um pilar ideológico do regime. Os imigrantes da Europa vêm de várias partes: norte da África (França), do subcontinente indiano (Reino Unido), Turquia (Alemanha), da antiga União Soviética.

Florença, Liège e Oslo não são cidades marcadas pela violência étnica e por tensões sócio-políticas, como, digamos, os subúrbios de Paris ou leste de Londres, para citar o epicentro de distúrbios recentes. Mas os sentimentos de fanatismo estão por toda a Europa. Na porção oriental do continente, a extrema-direita já é um dos blocos parlamentares na Hungria. Na parte ocidental, recentemente voltou ao parlamento na Suécia e na Grécia e é forte candidata à presidência da França. Na Alemanha, ocorreram uma série de crimes ligados a grupos neonazistas.

Numa perspectiva otimista, a Europa passará a década de 2010 em crise, com baixo crescimento, alto desemprego (o britânico bateu recorde nesta semana) e fazendo os dolorosos ajustes para adaptar sua economia e sua rede de proteção social à uma economia global mais competitiva diante das potências emergentes. Esta é, repito, a visão otimista. Na pessimista, o próprio processo de integração sofrerá retrocesso, com nações da periferia européia abandonando o euro, com as tensões entre Reino Unido e Alemanha sobre o nível de controle supranacional adequado e desejado.

Mesmo na perspectiva otimista, haverá muitas oportunidades para o crescimento da extrema-direita e para o aumento de crimes de ódio. Imigrantes, ciganos, muçulmanos, cidadãos europeus de ascendência africana e pele negra. Até os pogroms contra judeus voltaram a ocorrer na Hungria. O sucesso da integração européia não eliminou os sentimentos racistas, o ódio ideológico e as simpatias por visões autoritárias, anti-políticas, que ofereçam supostos bálsamos diante das diversas falhas das democracias parlamentares.

O debate europeu sobre políticas para sair da crise tem se dado em meio a um espantoso clima de pobreza intelectual, limitado às reformas de austeridade. É um ambiente da década de 1920, pré-Keynesiano, e com frequência tenho a sensação de que o medo tem sido manipulado para forçar populações cautelosas a aceitar como inevitáveis medidas impopulares. Elas não bastarão, É preciso pensar em alternativas sociais para conter a maré de ódio, antes que ela escape ao controle.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Emergência no Peru

Menos de cinco meses após o início de seu governo, o presidente do Peru, Ollanta Humala enfrenta uma crise com protestos contra grandes mineradoras na região de Cajamarca, no norte do país. Ele decretou estado de emergência, restringindo liberdades civis e políticas, e mudou 10 dos 17 ministros, inclusive o premiê - trocou o empresário Salomon Lerner pelo ex-militar Óscar Valdez, agora também um homem de negócios. A reforma sinaliza o endurecimento do presidente contra os movimentos sociais, que enfrentaram seu antecessor Alan García.

Há cerca de 200 conflitos em curso no Peru envolvendo organizações populares, grupos indígenas, organizações não-governamentais e grandes empresas, sobretudo nos setores de mineração, petróleo e infraestrutura. As disputas em Cajamarca ocorrem em torno de um projeto minerador de US$5 bilhões e são as mais importantes neste momento.

Humala sempre foi visto com hostilidade e desconfiança pelas grandes empresas e pelo mercado financeiro - o dia de sua vitória foi a queda mais acentuada na bolsa de valores de Lima em toda sua história. Os empresários o vêem como um nacionalista de esquerda com projetos de maior controle do Estado sobre os recursos naturais, e como um crítico das reformas liberais implementadas no Peru ao longo das décadas de 1990-2000.

Humala começou sua carreira política como emulador de Hugo Chávez, mas na campanha presidencial de 2011 apresentou-se como alguém inspirado por Lula, prometendo moderação na economia e nomeando uma equipe conservadora para cuidar dos ministérios e órgãos governamentais ligados às finanças, e que foi mantida na reforma. Mas aumentou os impostos cobrados das empresas mineradoras e afirma ser necessário uma nova Constituição, que dê mais poderes econômicos ao Estado - ao tomar posse, ele sequer jurou sobre a atual Carta Magna, usando em seu lugar um exemplar da Constituição de 1979!

O sistema partidário do Peru é um dos mais fragmentados da América Latina. O Congresso é fracionado em muitas siglas, a maior parte delas frágil e com pouca coesão ideológica. Conflitos com movimentos sociais são custosos e resultarão em dificuldades para Humala em manter sua coalizão - o ex-presidente Alejandro Toledo retirou seus dois aliados que serviam como ministros da Defesa e do Trabalho em desacordo com o que chamou de "militarização do governo", mas afirmou que partido Peru Possível continuará a apoiar Humala no parlamento.

As mudanças no ministério deixaram a esquerda peruana desconcertada. Nem Chávez, nem Lula: Humala segue uma trajetória própria, que aponta para um quadro de extrema instabilidade no país, pela dificuldade de equilibrar nacionalismo, grandes empresas e movimentos sociais, em meio a um frágil presidencialismo de coalizão.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A Plataforma Durban

Em meio às preocupações da crise econômica global, o acordo na Conferência das Partes da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima (COP 17) foi importante: os países concordaram em negociar até 2015 um tratado ambiental em que todos (incluindo nações em desenvolvimento, como China e Brasil) se comprometerão com metas obrigatórias de redução de emissões de carbono, para serem implementadas a partir de 2020. O Protocolo de Quioto, que expiraria em 2012, foi estendido até 2017, mas sem Japão, Rússia e Canadá.

O acordo foi chamado de Plataforma Durban e deixa muito - quase em tudo - em aberto, principalmente no que toca ao tamanho das metas, e também à natureza exata do caráter jurídico do futuro tratado - a mediação do embaixador brasileiro Luiz Alberto Figueiredo foi fundamental. Foi criado um fundo verde de US$100 bilhões anuais para ajudar nos esforços de adaptação, mas ninguém sabe de onde sairá o dinheiro. Evidentemente, até 2015 várias coisas podem mudar, até mesmo a disposição dos países em manter a negociação. Isso ocorreu anteriormente com o Protocolo de Quioto, com idas, vindas e hesitações de Estados como EUA e Austrália.

A Plataforma Durban é uma ruptura com a posição tradicional dos grandes países emergentes (Brasil, África do Sul, Índia e China, o grupo BASIC) que insistiam em metas voluntárias e recusavam qualquer compromisso obrigatório. Os Estados Unidos também haviam assumido essa postura, após suas oscilações quanto ao protocolo de Quioto. A União Européia agiu de modo bastante coeso e pressionou por acordos mais abrangentes. Os países em desenvolvimento estão divididos quanto ao clima, pois há alguns deles - particularmente os Estados-ilhas - muito ameaçados pela mudança ambiental e ansiosos por tratados amplos que os protejam.

Os compromissos assumidos em Durban equilibraram de maneira bastante razoável os interesses diversos. Poderia ter sido muito pior. O problema mais sério é que mesmo as perspectivas mais otimistas das negociações nos próximos anos apontam para metas muito inferiores às que deveriam existir para combater a mudança do clima. Mas a diplomacia foi importante para manter aberta a porta do diálogo, o importante será a mobilização da sociedade - ativistas, cientistas etc - para pressionar opinião pública e governos.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Entre Hamlet e Dom Quixote: a luta pela democracia na Rússia

Neste mês se completam 20 anos do fim da União Soviética e é bastante simbólico que o aniversário seja marcado pelos maiores protestos pró-democracia na Rússia desde as mobilizações que levaram à queda do regime marxista. Sinal dos tempos, agora o Partido Comunista é uma das vozes que se manifestam contra a autocracia baseada em controle da imprensa, fraude eleitoral e perseguição de opositores (incluindo assassinatos) controlada pelo primeiro-ministro Vladmir Putin.

Olhando em retrospecto, o período de 1990-3 foi o de um extraordinário interlúdio de pressões populares por abertura democrática, que culminaram com a resistência pacífica e bem-sucedida à tentativa de golpe de Estado da linha dura soviética (1991). Significativo que apenas dois anos depois, o líder dos protestos, Boris Ieltsin, tenha se convertido no algoz que mandou bombardear o parlamento da Rússia.

É bastante conhecido como Putin ascendeu de um cargo de médio escalão na KGB para se tornar o homem forte da Rússia pós-comunista, articulando uma rede oriunda do aparato de segurança que domou os oligarcas que dominavam a economia, excluindo-os da política, lançou a devastadora segunda guerra da Chechênia e consolidou seu poder em meio à alta dos preços do petróleo e do gás e da cultura do medo – do terrorismo, do fundamentalismo islâmico, do declínio russo, etc. Sua principal base ideológica é o amálgama do nacionalismo com o reviver do cristianismo ortodoxo.

O quadro partidário russo é dominado pela “Rússia Unida”, a sigla guarda-chuva criada por Putin em 2001 para abrigar seus seguidores. Ela tinha dois terços do parlamento, mas agora, mesmo com a fraude, caiu para pouco mais de 50%. A oposição mais efetiva vem dos comunistas, com cerca de 15%. O Kremlin tem um partido da oposição consentida (“A Rússia Justa”) e há um grupo de extrema-direita com o nome adorável de Partido Liberal Democrata. A cláusula de barreira russa é inusitadamente alta – os partidos precisam de 7% dos votos para ter cadeiras no parlamento, e muitos têm os registros negados, pura e simplesmente, como a sigla de oposição liderada pelo ás do xadrez Garry Kasparov (“A Outra Rússia”).

Embora a Rússia seja considerada uma potência emergente, e forme uma das letras dos BRICS, seu status é antes o de um Estado rentista que usa os recursos do petróleo para tentar restaurar sua antiga área de influência, particularmente no Cáucaso, por guerras quentes e frias, como o uso político de seus suprimentos de gás natural. O país sofre uma severa crise demográfica (sua população encolhe) e a qualidade de seu ensino e da sua capacidade de inovação tecnológica são baixas.

A identidade nacional russa é um eterno conflito entre visões liberais, pró-Ocidente, e as que advogam um caminho próprio para o país. As primeiras costumam lamentar os acontecimentos históricos que afastaram a Rússia das principais transformações sociais da Europa: a longa ocupação mongol, o isolamento do Renascimento e da Reforma, o impacto muito limitado do Iluminismo, o fracasso da rebelião dos Dezembristas e da Revolução de 1905, a persistência da servidão e da autocracia, as décadas do autoritarismo soviético.

O escritor Ivan Turguenev certa vez comparou os intelectuais russos como cindidos entre Hamlet (angústia crônica, indecisão) e Dom Quixote (utópicos, sem influência prática). Talvez isso possa ser aplicado também aos grupos pró-democracia. É uma luta dura, mas a Rússia de hoje tem desdobramentos positivos: o crescimento do ativismo político e da decepção com a autocracia, a importância de vozes independentes como as do blogueiro Alexei Navalny, o efeito contagiante da Primavera Árabe.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Antônio Vieira, Jesuíta do Rei

Dois lançamentos de fim de ano destacam a figura do padre jesuíta Antônio Vieira, o mais importante intelectual do Brasil colonial: seu perfil, escrito pelo historiador Ronaldo Vainfas, e uma antologia de seus sermões, editada pela Companhia das Letras-Penguin. Oportunidades fascinantes para conhecer o escritor, missionário, profeta e diplomata que já foi chamado de “imperador da língua portuguesa” (por Fernando Pessoa) e de “pérfido e intrigante” (pelo rei Pedro II de Portugal).

Vieira nasceu em Portugal, mas passou a maior parte da infância e toda a juventude na Bahia, onde seu pai era funcionário subalterno na administração. Vieira fez toda sua notável formação intelectual no Colégio dos Jesuítas de Salvador, cuja qualidade na época (início do século XVII) não deixava a dever à Universidade de Coimbra. Seu sermões e outros escritos são obras-primas da literatura barroca e podemos apenas imaginar o impacto do texto quando acompanhado de sua retórica e desempenho no púlpito, que até seus muitos adversários reconheciam como extraordinário.

Os acontecimentos decisivos da vida de Vieira foram a invasão holandesa do nordeste brasileiro e a restauração da monarquia portuguesa, após 80 anos de União Ibérica com a coroa da Espanha. O jesuíta se destacou na resistência aos ocupantes da Holanda, tanto por razões patrióticas quanto religiosas. Com pouco mais de trinta anos, foi à Lisboa numa delegação de colonos para saudar o novo rei, João IV. Vieira ficou na Corte e acabou por se tornar o principal conselheiro do inseguro monarca, convencendo-o de que ele era o escolhido por Deus para restaurar a glória de Portugal, e que seria a reencarnação do rei dom Sebastião, desparecido no Marrocos, no século XVI, em cruzada contra os mouros.

Essas idéias eram heréticas – desenvolviam temas do catolicismo popular português, mas se chocavam contra a ortodoxia de Roma. Os problemas religiosos de Vieira se agravaram porque ele procurou tecer uma aliança entre o rei , os cristãos-novos e os judeus que haviam emigrado de Portugal para Holanda e França. A idéia era dar apoio financeiro à reconstrução do Estado e às longas e custosas guerras contra seus inimigos. A Inquisição não gostou nada e o processou, mas ele conseguiu se safar às custas de seus aliados na Cortes e de ocasionais retratações públicas.

As negociações e intrigas de Vieira eram rocambolescas, dignas de romances de espionagem. Em linhas gerais, ele tentou uma negociação de paz com a Holanda que deixasse Portugal livre para combater somente a Espanha, mas se opunha à rebelião armada dos colonos brasileiros, que numa série de operações de guerrilha derrotaram a Companhia das Índias no Nordeste e, não satisfeitos, cruzaram o Atlântico e reconquistaram Angola!

Depois da morte de João IV houve um período confuso, que culminou com o golpe e a ascensão de seu filho mais novo, que depôs o irmão, casou com a cunhada e reinou como Pedro II. Ele não tinha muita simpatia por Vieira, que ademais tinha vários inimigos em Lisboa, e o despachou novamente para o Brasil, onde trabalhou como missionários por longos anos no Maranhão e no Pará. O jesuíta se envolveu em muitos conflitos com os colonos: embora endossasse a escravidão dos negros africanos, era contrário a dos índios (a posição contraditória era a da Igreja na época) e com frequência os senhores de Engenho e outros poderosos da Colônia o expulsavam à força de seus territórios.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

América Latina no Pensamento Estratégico do Brasil

Nesta semana foi lançada a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) – ou seja, todos os países das Américas menos os Estados Unidos e o Canadá. A organização é um esforço em aprofundar as responsabilidades do Grupo do Rio e se soma a uma série de outras instituições regionais (Mercosul, Comunidade Andina, Unasul, Caricom, OEA...), que têm divisões de tarefas pouco claras, com muitas sobreposições e retrabalhos. Mas é sinal de uma época para a diplomacia brasileira, em que as preocupações tradicionais com Amazônia, Cone Sul e Atlântico Sul ganham aos poucos novos contornos com interesses mais amplos do Brasil: investimentos na América Central, missão de paz no Haiti, a transição política em Cuba. Falei um pouco do tema em entrevista à Telesur e aprofundarei minha abordagem em palestra na Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, no próximo dia 8, na conferência da IASIA.

O conceito de “América Latina” foi criado por intelectuais da região e da Europa, que gravitavam em torno do imperador francês Napoleão III, para justificar as intervenções da França no continente (como instalar no trono do México um príncipe austríaco), em nome do pertencimento comum a uma grande família cultural. O termo foi bem aceito nos países hispano-americanos, mas sua recepção no Brasil sempre foi problemática, em função da singular identidade brasileira, dada pela língua portuguesa, pelos fortes laços com a África e pela formação do Estado no século XIX sob a égide da monarquia e de uma transição relativamente pacífica. Não por acaso, depois de 50 anos de guerras platinas, os republicanos se opunham ao império com um argumento de identidade: "somos da América e queremos ser americanos".

Os líderes brasileiros não pensavam uma grande estratégia para a América Latina, suas preocupações eram regionais: a bacia do rio da Prata, a Amazônia, o Atlântico Sul. As relações com México e os países centro-americanos e caribenhos eram de pouca importância política e econômica. Isso começou a mudar na segunda metade do século XX, porque a criação da ONU e a formação de blocos regionais forçou o país a pensar em termos de América Latina, como nas importantes iniciativas da CEPAL na promoção do desenvolvimento econômico e dos primeiros esforços de integração regional, na ALALC e ALADI, o Grupo de Contadora na mediação dos conflitos centro-americanos e o Grupo do Rio, que o sucedeu. O papel aglutinador da Revolução Cubana e do Chile de Salvador Allende como pólos de atrativo continental e de refúgio para exilados também foi importante. Na política e na cultura, muitos jovens brasileiros passaram a se afirmar como latino-americanos. Como quando os tropicalistas Caetano Veloso e Gilberto Gil dedicaram ao Che Guevara morto seu hino em portunhol, Soy loco por ti, América.

Crises econômicas e políticas criaram limitações a esse projeto. O acordo de livre comércio entre os Estados Unidos, México e Canadá (Nafta, 1994) fez com que o Brasil abandonasse os projetos latino-americanos. As iniciativas diplomáticas regionais brasileiras dos anos 1990-2000 foram restritas à América do Sul: Mercosul, IIRSA, Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, Unasul, cúpulas sul-americanas e da região com a África e a Liga Árabe etc.

Nos últimos anos, a economia brasileira em expansão fortaleceu os vínculos com a região, mas foi além dela. Empresas brasileiras de construção civil trabalham no Plano Puebla-Panamá e na reforma do Canal, o agronegócio investe na América Central, o golpe em Honduras acendeu velhos temores, o Haiti tornou-se palco da principal missão de paz liderada pelo Brasil e as transformações em Cuba tornam a ilha novamente relevante na arena continental. Não é um retorno clássico ao projeto latino-americano das décadas de 1940-1980, mas aponta para certa revalorização da perspectiva mais ampla, acentuadas pelo papel dinamizador da Venezuela, cuja diplomacia tradicionalmente dá muita atenção ao Caribe a à América Central.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Ciberameaças e Relações Internacionais

O jornalista britânico Misha Glenny, autor dos livros “Mercado Sombrio – o cibercrime e você” (cuja edição brasileira chega às livrarias em dezembro) e “McMafia – crime sem fronteiras”, deu palestra na Fundação Getúlio Vargas falando sobre cibercrimes, ciberguerra e relações internacionais. Glenny foi correspondente da BBC nos conflitos nos Bálcãs e colunista do jornal The Guardian e destacou os enormes prejuízos causados pelos criminosos que agem na Internet e friou a necessidade – e os obstáculos – dos governos trabalharem em cooperação para deter esse tipo de bandido.

“Ninguém sabe exatamente os dandos que eles provocam. As estimativas variam de US$1 trilhão a US$300 bilhões por ano, dependendo da fonte. Sabemos, no entanto, que só no Ocidente os governos gastam anualmente US$110 bilhões anuais com ciber-segurança”, afirmou Glenny. Ele classificou as ciber-ameaças em três grandes grupos: crime, espionagem industrial e atos de guerra.

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Segundo o jornalista, essas atividades só foram possíveis porque contaram com a cumplicidade de governos que fizeram acordos com os criminosos – imunidade em troca de que eles não atacassem empresas do país e auxiliassem as autoridades em casos de segurança nacional. Glenny afirma que essa aliança entre o serviço de inteligência da Rússia e os hackers locais é que executou os recentes ciberataques à Estônia, numa onda de invasões que tirou do ar vários sites do governo desse país báltico.

A preocupação com a ciberguerra tem levado à criação de departamentos especializados nesse assunto, como o Cibercomando das Forças Armadas dos Estados Unidos – que se junta às unidades existentes para Terra, Mar, Ar e Espaço sideral. O potencial dessa nova forma de combater é imenso, como mostra o uso do vírus stuxnet, que contaminou os computadores do programa nuclear do Irã e podem tê-lo atrasado em anos: “Há várias versões para explicar sua origem, alguns dizem que foi criado pelos Estados Unidos, outros por Israel. Mas o certo é que ele funcionou.”

O resto, no site do Centro de Relações Internacionais da FGV.