segunda-feira, 26 de março de 2012

A Liberdade dos Servos

O filósofo Maurizio Viroli, professor em Princeton, é um dos mais destacados intelectuais italianos. Seu novo livro, “The Liberty of the Servants”, é uma análise lúcida e sombria do declínio da democracia no longo governo do primeiro-ministro Silvio Berlusconi, e também um diálogo com teóricos políticos de Maquiavel a Bobbio sobre a dificuldade histórica da Itália em estabelecer regimes democráticos efetivos. A experiência anterior, da reunificação sob uma monarquia constitucional, desmoronou com o advento do fascismo em 1922, e Berlusconi é o homem que por mais tempo comandou a república italiana!

Viroli classifica o governo de Berlusconi como uma “sociedade de Corte”, na qual as instituições tradicionais de equlíbrio democrático foram corroídas pela enorme concentração de poder nas mãos do primeiro-ministro, que era também o homem mais rico do país e o principal empresário de mídia. Berlusconi foi extremamente hábil em distribuir os espólios desse império, construindo uma rede impressionante de aliados e mantendo até a oposição razoavelmente satisfeita com nacos de cargos e verbas públicas.

O filósofo observa que esse sistema não tem paralelos em nenhuma democracia ocidental, e que seria preciso compará-lo com regimes autoritários como a Rússia de Vladmir Putin para encontrar casos semelhantes. A questão é por que a Itália chegou ao ponto de aceitar algo assim, e Viroli nota a extrema dificuldade do país em construir um Estado de Direito vigoroso e democrático. A reunificação gerou uma nação frágil, com enormes desigualdades regionais e a persistência de relações autoritárias no campo, sobretudo no sul. A república pós-Segunda Guerra Mundial teve desenvolvimento econômico, mas com uma vida política marcada pela corrupção e pelo clientelismo, com um mundo partidário que naufragou nos escândalos do início da década de 1990, abrindo espaço para a ascensão vertiginosa de Berlusconi (aos interessados nesse tipo de discussão, vale ler também "The Pursuit of Italy", do jornalista britânico David Gilmour)

O ponto mais controverso do livro é que Viroli com frequência atribui as falhas da Itália a problemas de psicologia coletiva dos italianos, a quem ele atribui sérias deficiências de caráter, como a desconfiança constante, baixa autoestima e uma tendência a aceitar situações de servidão, em vez de buscar a autonomia que seria a marca dos verdadeiros cidadãos. Nesse sentido, o sucesso midiático de Berlusconi seria apelar a traços profundos da cultura política italiana, apresentando-se como uma espécie de caudilho dinâmico e sempre vitorioso, que não se importa com dogmas políticos e é pragmático para alcançar seus objetivos. Viroli pouco trata dos escândalos sexuais, considerando-os – a meu ver, com razão – como uma faceta secundária do fenômeno Berlusconi.

A Itália é formada por muitos componentes contraditórios e Viroli concentra-se em seus defeitos e problemas mais sérios, mas o país também tem tradições impressionantes de civismo, ética e mobilização política – o republicanismo cívico da Renascença, certas correntes do Risorgimento, a resistência ao fascismo, a tradição de bom governo regional e municipal no centro-norte, uma impressionante vida artística e intelectual. O cinema tem nos dado diversas reflexões interessantes sobre Berlusconi e o recente filme de Nani Moretti, “Habemus Papam”, também é boa discussão sobre o vácuo de liderança no país e sobre as enormes responsabilidades exigidas dos líderes.

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As últimas semanas foram bastante movimentadas em termos de entrevistas. Aqui seguem os links:

Perspectivas de Carreiras em Relações Internacionais no Brasil (Globo)

Queda no comércio entre Brasil e Irã (Valor Econômico)

Brasil como doador internacional (IPS)

Há também a publicação de meu artigo mais recente, "Democracia e Política Externa no Brasil", na Revista de Estudos Políticos.

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