Mesquita é conhecido por seu controverso modelo matemático que pretende explicar e prever resultados de inúmeros conflitos, mas este livro é menos polêmico. O que os autores fazem é construir uma teoria que procura explicar como líderes ascendem ao poder, mantêm ou perdem o controle. Ela é usada sobretudo para ditaduras, mas também explica muitos desdobramentos em democracia. A idéia-mestra é que líderes se sustentam em coalizões formadas por três grupos de pessoas ou instituições: essenciais, influentes e intercambiáveis. O primeiro é o núcleo duro do poder, os segundos são peças importantes e os terceiros, as camadas mais amplas envolvidas em menor grau na escolha de um dirigente – eleitores numa democracia, por exemplo. Para sobreviver, líderes têm que manter razoavelmente contente os essenciais e impedir a formação de uma coalizão rival com elementos rebeldes dos demais grupos.
A regra básica é dar aos essenciais recursos econômicos e poder político, mas numa escala em que eles fiquem sempre dependentes do líder e não possam formar uma base autônoma de onde desafiar o regime. Dissidentes podem e devem ser reprimidos com violência – como dizem os autores, ser ditador não é uma tarefa para pessoas de bom coração. Naturalmente, é contraproducente matar de fome seus súditos, mas Mesquita e Smith argumentam (a meu ver com razão) que autocratas bem-sucedidos raramente promovem desenvolvimento econômico, e que se mantém décadas no poder por uma mistura de ameaças, barganhas clientelistas e constante vigilância. De modo semelhante, os grupos essenciais a seu apoio funcionam melhor quando estão ligados ao ditador por vínculos pessoais fortes, como família, religião, origem étnica etc.
O livro é ilustrado com deliciosos estudos de caso que vão da Roma Antiga à Primavera Árabe, e uma ou outra discussão de política contemporânea dos EUA. Não há referências ao Brasil, mas o leitor brasileiro encontrará muitos pontos de identificação, sobretudo no debate a respeito da corrupção no esporte internacional. Em diversos casos há uma certa leitura simplificada das questões em jogo, mas os elementos básicos da teoria são expostos de maneira muito clara e interessante. Li o manual pensando bastante a respeito da Síria – Assad pai e filho são bons exemplos de autocratas que seguem com rigor as regras de sobrevivência no poder.
Contudo, os autores não escreveram o livro para ditadores, embora seja uma visão dura e algo cínica da política. Eles afirmam que o melhor modo de democratizar um país – ou uma empresa, em interessante análise da governança corporativa – é ampliar a base de essenciais, pois essa é a melhor maneira de incentivar o fornecimento de bens públicos à população. Há também defesas apaixonadas dos benefícios trazidos pelas liberdades civis e políticas ao desenvolvimento dos países.
Para o público mais interessado em relações internacionais do que em política comparada, o livro tem dois capítulos excelentes que discutem ajuda global e as teorias da paz democrática. Mesquita e Smith examinam como a cooperação internacional funciona para manter no poder regimes autoritários e corruptos, mas importantes para a política externa das grandes potências, e por que ditadores vão à guerra sem se importar tanto em ganhar ou perder, já que podem sobreviver a diversas derrotas, pela via da repressão e da concessão de benefícios a seus essenciais. Enfim, excelente livro, que certamente renderá muitos debates.
5 comentários:
Caro Mauricio,
Não li o livro, mas pela sua descrição as idéias centrais soam como sofisticações das lições de Maquiavel em sua obra clássica.
Quanto ao seu artigo de 2008 (http://www.unipac.br/nunciopolitica/artigos_txt/artigo_mauricio.pdf), não consegui abrí-lo, o link está indisponível.
Há outro modo de ter acesso a ele ?
(Em última instância por email)
Vasculhei a web, mas não encontrei...
Tenho interesse em abordagens quantitativas, como a da Teoria dos Jogos.
Obrigado
Abraço
Leno
Prezado Mauricio,
Faz tempo que estou pensando em comprar esse livro, mas apesar de acreditar que os autores não estão totalmente enganados, porém eles pensaram só de um lado, se a ajuda humanitária ajuda os ditadores, ela também a longo prazo trás idéias de governança e logística que são incompatíveis com os regimes.
Ainda em casos de ruptura ela é importante como suporte não apenas no momento da luta, mas nos iniciais do país, hoje li um artigo sobre as eleições de Misratah (http://www.libyaherald.com/a-closer-look-at-the-misrata-election-what-lessons-can-libya-learn-from-it/), quem desenhou Mohamed Berween o roteiro eleitoral.
E isso você encontra em todas áreas desde a saúde até segurança, passando por educação...por que um país que passa por uma ditadura brutal precisa de muita ajuda, por que uma casca de ovo, não tem nada por dentro, tudo é feito como os autores mesmo colocam para perpetuar o regime, a única saída é trazer consultores de fora até para incentivar novas ações que nem sempre é fácil, já que muitos querem na verdade é ser o novo ditador.
Salve, Leno.
O texto tem muitos pontos em comum com Maquiavel, que inclusive é bastante citado, bem como Hobbes. É um esforço de analisar lutas políticas à parte de discussões sobre a moralidade das disputas.
Infelizmente eu não tenho cópias eletrônicas do meu próprio artigo sobre teoria dos jogos, mas asseguro que você nada perde com isso, é um texto muito simples!
Caro Marcelo,
O livro é muito interessante, vale a compra e como você frisou, ele tem aplicações variadas, para além dos regimes autoritários.
abraços
Oi Mauricio,
Já que você não tem seu artigo, poderia me indicar algum outro ?( de preferência disponível na net)
Desde 2006 ouço falar de abordagens quantitativas em política/ sociologia, mas nunca li algo concreto mostrando a metodologia.
Muito obrigado
Abraço
Leno
Prezado Dr Mauricio,
Agradeço muito a indicação de seu artigo pois acredito conter informações de grande importância para minha pesquisa.
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