segunda-feira, 12 de março de 2012

Uma Única Jogada dos Dados

A possibilidade de conflito militar entre Irã, Estados Unidos e Israel tem dominado os debates de política internacional por aqui e o melhor livro disponível sobre o assunto é “A Single Roll of the Dice – Obama´s Diplomacy with Iran”, do cientista político iraniano Trita Parsi. Baseado em entrevistas com líderes políticos de diversos países, seu argumento é que a tentativa de aproximação entre Washington e Teerã falhou por conta das objeções domésticas nos dois regimes, exacerbadas pelas tensões que envolvem os israelenses, e que os dois países estão presos numa situação de estagnação “sem guerra e sem paz”, marcadas por rodadas de sanções ineficazes.

Parsi é um analista excepcional e tem exercido importante papel político como líder do Conselho Nacional Iraniano-Americano, uma associação de oposição ao regime islâmico. Ele cresceu no exílio, acompanhando o pai, opositor dos aiatolás. Seu livro subiu para os 100 mais vendidos na Amazon, depois de ótima entrevista do autor no programa Daily Show, de Jon Stewart.

A história narrada por Parsi é fascinante: quando os Estados Unidos invadiram Afeganistão e Iraque – dois vizinhos do Irã – o presidente reformista iraniano Mohamed Khatami se apavorou e achou que seria o próximo. Seu governo apresentou uma proposta extraordinária a Washington, concordando com praticamente todas as exigências dos americanos, inclusive oferecendo a suspensão de ajuda aos aliados estrangeiros do regime islãmico, Hezbolá e Hamas. A Casa Branca se recusou a negociar – Bush e seus assessores achavam que poderiam conseguir o prêmio máximo, a derrubada da república islâmica, por meio da pressão militar e econômica.

Não foi isso o que ocorreu, evidentemente, e a situação dos Estados Unidos se complicou bastante com as crises no Afeganistão, Iraque e Paquistão, para não falar da crise econômica, ao passo que o Irã ascendeu como potência regional no Oriente Médio, sob a liderança radicalizada de Mahmoud Ahamadinejad. Obama ascendeu à presidência com a proposta de um “novo começo” nas relações entre os dois países. Sua disposição em conversar era sincera, mas foi recebida com ceticismo em Teerã e com indignação em Israel, onde o governo defendia que o programa nuclear iraniano era uma grave ameaça que tinha que ser eliminada, se necessário pela força.

Contudo, o que matou as negociações foi a eclosão da Revolução Verde no Irã, e a feroz repressão que se seguiu. Tornou-se impossível para Obama sustentar o diálogo em meio às pressões do Congresso para novas sanções contra a república islâmica. Em Teerã, as elites políticas chegaram à beira da guerra civil e mesmo a vitória (fraudada) de Ahamdinejad nas eleições não resolveu o jogo. Parsi afirma que os conflitos entre o presidente e os aiatolás refletem um amplo cisma geracional, do enfrentamento entre a velha guarda da Revolução de 1979 e os novos líderes, que foram ativistas de base na queda do xá e lutaram na guerra de 1980-1988 contra o Iraque.

Num cenário tão polarizado, é difícil ser mensageiro de soluções pacíficas e Parsi é um excelente cronista dos esforços do ex-presidente da Agência Internacional de Energia Atômica, o egípcio Mohammed El-Baradei (Nobel da Paz por essa tentativa) e dos governos do Brasil e da Turquia para encontrar uma saída para o labirinto iraniano.

Parsi tem brilhante análise do plano turco-brasileiro, pelo qual o Irã enviaria seu urânio ao exterior para ser enriquecido sob supervisão internacional. A proposta havia sido feita originalmente pelos Estados Unidos, mas quando foi aprovada pelo Irã, os americanos já haviam negociado secretamente com Rússia e China nova rodada de sanções e ficariam furiosos com a mediação do Brasil e da Turquia.

Atualmente, 57% dos republicanos acredita que haverá guerra contra o Irã em 2012, contra 22% dos democratas. É uma polarização partidária. O próximo passo é acompanhar o embargo dos EUA e da União Européia contra o petróleo iraniano, que entra em vigor em 1º de julho. A foto do meio do post foi tirada por mim na Times Square. O manifesto contra Ahmadinejad contrasta com anúncio de nova série de TV cujo slogan é “ame seu vizinho.”

10 comentários:

Diogo disse...

Os Estados Unidos não têm moral nenhuma para falar do Irã enquanto:

1) Apoiarem o regime saudita, ainda mais conservador e intolerante;
2) Não reconhecerem o massacre contra os armênios a mãos turcas na I Guerra, tudo para não perder um capacho militar;
3) Não mandarem Israel baixar a bola;
4) Não explicarem quais os interesses excusos por trás da permanência no Afeganistão, agora que a Al-Qaeda perdeu sua articulação.

Depois um soldado transtornado faz o que fez e ficam com cara de bolacha. Menos mal que o Obama fez um corte bilionário no orçamento militar. Já não era sem tempo.

Sobre o Irã: não que eu não o considere uma ameaça. Mas fica a impressão de que sofre por não se curvar ao Ocidente. É esse o motivo da hostilidade, não a natureza teocrática de seu regime.

José Elesbán disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Elesbán disse...

Caro professor só uma questão a respeito: o texto coloca que a eleição de 2009 foi fraudada. Segundo o analista da revista CartaCapital, Antonio L. M. C. Costa disse na época, se não estou enganado, que a eleição pode muito bem ter sido ganha por maioria para Ahmadinejah.
O Golpe de 1964, ou a tentativa de Golpe na Venezuela em 2002 foram perpetrados por minorias bem organizadas com o poder da mídia apoiando.
As classes médias articuladas com setores militares também depuseram recentemente um governo eleito na Tailândia.
Quais os elementos o senhor tem para afirmar que a eleição foi fraudada?

victor disse...

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Maurício Santoro disse...

Zéalfredo,

Além das fraudes generalizadas nas eleições de 2009, o governo do Irã prendeu diversos assessores do rival de Ahamadinejad, em plena campanha, e confiscou material de propaganda e equipamento de comunicação.

abraços

José Elesbán disse...

Certo.
Vamos tentar outra abordagem: as eleições para o Congresso no Brasil em 1970 foram fraudadas?
Se você disser que sim, aí vou concordar que as do Irã em 2009 também foram.
Segundo o livro do Gaspari, se não estou enganado "A Ditadura Escancarada", naquela ocasião o general-presidente Médici cassou mandatos do MDB, e prendeu candidatos do mesmo MDB.
De quebra, parte da oposição pregou o voto nulo, como parece que foi o caso de Brizola. Contudo, segundo o livro, naquela eleição a ARENA acabou amplamente majoritária...

Maurício Santoro disse...

Caro Zéalfredo,

As eleições no Irã têm de fato muito em comum com aquelas realizadas na ditadura brasileira, no sentido em que ambas são processos bastante restritivos nos quais os respectivos regimes autoritários colocam muitos obstáculos para seus opositores políticos, embora permitam a eles certo nível de organização e competição nas urnas.

A ditadura brasileira, contudo, foi ainda mais longe do que a República Islâmica, pois não permitiu eleição para presidente durante seus 21 anos de duração, e também cerceou durante a maior parte do tempo disputas para prefeituras de cidades importantes e para os governos estaduais.

Penso porém que a melhor comparação para o Irã de 2009 é o México na década de 1980, na qual o PRI utilizou de forma generalizada o recurso à fraude para impedir a vitória eleitoral da oposição reformista (PRD).

Não temos pesquisas eleitorais que mostrassem as intenções de voto no Irã em 2009. Posso apenas especular que o amplo uso da fraude e da violência por parte do governo mostrou que as autoridades acreditavam que corriam sério risco de perder a disputa. Se a situação estivesse tranquila, não teriam adotado um modo de ação tão conflituoso.

Abraços

Lincoln dos Prazeres disse...

Caro Dr Mauricio,

Sou estudante do Curso de Comunicacao e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, e estou realizando uma pesquisa de Inicicao Cientifica cujo tema tem como objetivo o entendimento das redes sociais como ferramentas fundamentais para a organizacao das recentes manifestacoes que se eclodiram no mundo todo. Portanto, estou infinitamente procurando um artigo que possa me valer para tirar conclusoes concisas de quais sao as reais crises no oriente medio. A principio, entendo que ha uma enorme pressao devido a crise economica mundial, a questao do petroleo e a insatisfacao da populacao em relacao aos regimes ditadorias. Contudo, as informacoes das quais tenho coletado, ou tem algum apelo politico e partidario, ou possui informacoes vagas e imprecisas. Caso tenha alguma indicacao de sua autoria, ou de outros autores, ficarei muito grato.

Lincoln dos Prazeres disse...

Ainda sobre a questao anterior, preciso entender o que desencadeou os recentes acontecimentos.

Maurício Santoro disse...

Caro Lincoln,

Escrevi um pequeno artigo que toca em alguns desses pontos, talvez possa lhe ajudar:

http://www.ufjf.br/eticaefilosofia/files/2011/05/13_2_santoro.pdf

Abraços