domingo, 16 de setembro de 2007

Jovens Trabalhadores



Qual a imagem que você tem dos jovens trabalhadores da América Latina? Dados divulgados há poucos dias pela Organização Internacional do Trabalho dão um panorama sombrio: dois terços da juventude estão no setor informal, com mais ou menos 60% da renda dos adultos. A ocupação mais comum para as mulheres é a de empregada doméstica. O desemprego entre os 106 milhões de jovens da região é de 16%, três vezes mais do que a média para toda a população. Cerca de 22 milhões não estudam nem trabalham, estão à toa à espera do que a sorte ou o azar lhes ofereça.

O relatório “Trabalho Decente e Juventude na América Latina” me forneceu análises e informações concretas para interpretar o que vi nas minhas viagens de campo pelo continente, em julho/agosto. Os jovens se viram como podem. Ganham um dinheiro fazendo biscate na loja do tio, descolam uns trocados acompanhando o primo em algum serviço temporário ou jogam malabarismos no sinal da esquina. Mas a situação é sempre precária, é difícil ter uma “carreira”, no sentido que as pessoas de classe média dão ao termo, de desenvolvimento numa profissão ao longo do tempo. É preciso pouco para fazer o copo transbordar: uma gravidez inesperada, doença na família, uma chuva mais forte ou uma seca que acerte a casa ou a plantação.

A OIT chama a atenção para o desemprego muito menor na zona rural, mas também ressalta que isso se deve ao fato de que os jovens trabalham na agricultura familiar, com freqüência sem receber salário e sem ter voz nas decisões que afetam sua vida. Foi o exatamente o que observei no Paraguai, conversando com os camponeses de lá. Pedimos que eles realizassem pequenos esquetes teatrais com cenas do cotidiano e foi impressionante o quanto os problemas de família apareceram com força nessas representações. Em geral isso se manifestava na figura do pai autoritário, que se impunha à mulher e aos filhos, e com freqüência bebia em excesso e batia nas pessoas a sua volta.

No entanto, os jovens de hoje têm muito mais escolaridade do que a geração anterior. Também têm mais acesso à informação. Essas vantagens não se traduziram em melhor inserção no mercado de trabalho, o que gerou uma combinação instável, que produz inquietação e em muitos casos raiva e baixa auto-estima. É curioso que o relatório da OIT não mencione migrações internacionais, pois essa tem sido uma opção muito freqüente da juventude latino-americana. No Uruguai, o problema demográfico tornou-se séria preocupação: “Precisamos de políticas públicas para os jovens, ou eles sairão daqui”, era algo que escutei muitas vezes em Montevidéu.

O estudo da OIT também menciona a necessidade de pensar soluções específica para negros e índios. Os jovens indígenas na América Latina são estimados entre 30 e 50 milhões, quase metade do total. A organização não fornece dados para os negros, mas podemos imaginar que a soma dos dois grupos basta para concluir que a maioria da juventude da região sofre discriminação racial. Dos países que visitei, foi na Bolívia que notei maior determinação em enfrentar o problema.

O Brasil é citado positivamente no relatório da OIT por causa do Pró-Uni, o programa do governo federal que dá bolsas em universidades privadas a jovens pobres, e já beneficiou cerca de 410 mil pessoas. Sou crítico da concepção: para mim elas deveriam estar em instituições públicas, como a que freqüentei, ao lado dos filhos da classe média e da elite. Mas tenho visto de perto o impacto extraordinário do Pró-Uni. Conheci muitos adolescentes para quem a universidade tornou-se, pela primeira vez, um horizonte concreto.

No aspecto propositivo, o relatório da OIT cita algumas iniciativas bem-sucedidas que podem ser aplicadas em outros países, mas o tom geral é de que elas apenas amenizam as situações mais graves. Como resolver o problema de maneira eficaz?

2 comentários:

Anônimo disse...

A forma de permitir a entrada dos estudantes pobres nas universidades públicas é através das cotas. Cotas raciais são muito polêmicas, mas as sociais contam com amplo apoio e várias universidades as estão implementando.

Pelo que sei, o governo atual está ampliando a oferta de vagas nas IFES, mas isso não é suficiente. O Brasil está muito atrasado nesse campo e é necessária uma inclusão rápida e massiva dos jovens pobres nos cursos superiores.

Por isso eu apóio o Pro-Uni. Os cursos não são tão bons quanto os das públicas? É verdade, mas para quem não tem nada, é um salto de qualidade. Com o dinheiro que está sendo gasto, via renúncia fiscal, para criar essas 400.000 vagas, só seria possível criar uma pequena fração delas nas IFES.

As duas coisas (Pro-Uni e ampliação de vagas nas IFES) não são excludentes, podem conviver harmonicamente.

Maurício Santoro disse...

Caro Marcus,

confesso que ando bastante afastado dos debates internos nas IFES. Falou-se muito na contratação de mais professores e na abertura de mais cursos noturnos, mas não sei em que pé estão as coisas. Meus amigos na área elogiam o atual ministro da Educação, Fernando Haddad, embora eu me sinta frustrado com a falta de ações federais nesse importantíssimo setor.

Abraços