terça-feira, 11 de setembro de 2007
Salvador Allende
Voltei ao Brasil ontem à noite. À medida que organizo minhas anotações, escreverei mais sobre a experiência no Canadá, que foi excelente, e postarei fotos de Montréal. Hoje aproveito o aniversário do golpe de Estado no Chile para escrever sobre o documentário “Salvador Allende”, dirigido por Patricio Guzmán, que assisti no Festival de Cinema que fez parte do congresso da Associação de Estudos Latino-Americanos.
Guzmán é um cineasta chileno conhecido sobretudo por seu domentário “A Batalha do Chile”, sobre o governo da Unidade Popular, a coalizão de partidos de esquerda liderada por Allende. Seu filme sobre o ex-presidente não é uma biografia tradicional, trata-se antes de uma dissertação a respeito do impacto que as ações de Allende tiveram numa série de pessoas comuns e de como o país não conseguiu ainda recuperar a memória do que foi seu governo e os anos de confronto anteriores ao golpe de Pinochet.
A cena emblemática é o próprio Guzmán raspando um muro branco, próximo ao aeroporto de Santiago. Por baixo da pintura, descobre vestígios dos murais que foram parte importante do governo da Unidade Popular. Diante da hostilidade dos meios de comunicação, os partidários de Allende usaram os muros para transmitir mensagens políticas, protestar ou simplesmente expor sua arte. Não teve o mesmo impacto internacional do muralismo da Revolução Mexicana, mas vale conhecer a experiência.
A história de Allende é bem conhecida, o barato do filme de Guzmán é destacar seu lado mais humano e menos cerimonial, como suas tendências mulherengas. Uma das melhores entrevistas do documentário é com a secretária do ex-presidente, que também foi sua amante, e fala desse caso de amor com uma ternura na qual os silêncios contam mais do que as palavras cautelosas e hesitantes. Outro silêncio eloqüente é dos vizinhos de Allende, nas aristocráticas mansões do bairro alto de Santiago, que até hoje se recusam a falar do saque e da destruição da casa do presidente, que ocorreu logo após o bombardeio ao Palácio de La Moneda.
O Chile sempre foi um país marcado por grandes desigualdades sociais – que hoje, após quase 20 anos de ditadura, são em alguns aspectos piores do que as brasileiras. Politicamente, essas diferenças se expressaram numa enorme polarização partidária e os ódios nunca foram tão fortes quanto durante o governo Allende. Guzmán dá pouca, pouquíssima voz aos adversários do ex-presidente. O mais interessante é a entrevista com o ex-embaixador dos EUA no Chile, que faz um notável mea culpa, ainda que acuse o mandatário chileno de vários erros graves. Mas eu gostaria de saber mais a respeito daquelas respeitáveis senhoras de classe média que foram às ruas de panela na mão pedir a deposição de Allende.
Por coincidência, antes de viajar ao Canadá eu havia lido “Canção Inacabada – a vida e a obra de Victor Jara”, biografia escrita por sua viúva Joan. Admirava Jara por suas belíssimas canções (minha favorita é Te Recuerdo Amanda) mas desconhecia totalmente sua importância como diretor de teatro. O livro de Joan é uma tocante história da vida cultural chilena nos anos 60 e 70 e chama a atenção o quanto havia de comum com o que ocorria no Brasil e na Argentina.
Jara foi um fiel defensor de Allende e compôs até o hino da Unidade Popular, Venceremos. Os militares odiavam Jara, que ao lado de Neruda era a principal figura da cultura chilena naqueles tempos. Seus algozes o prenderam no dia do golpe e o levaram ao Estádio Nacional, onde lhe quebraram os pulsos e o mataram sob tortura.
Convivo com muitas pessoas (brasileiras e chilenas) que participaram com entusiasmo do governo da Unidade Popular e sempre me impressiono com o carinho e a emoção com que elas descrevem a época. Para esses amigos e mestres, ficam estas breves palavras, num dia de lembranças por uma América que também é nossa.
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2 comentários:
muito bonito o post.
adorei.
Obrigado, Carla.
Você teria gostado de ver o filme. O clima na sala era de comoção total, com risos, lágrimas e aplausos. Emocionante.
Abraços
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