segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Amor em Tempos de Cólera



Há uma bela passagem de "Guerra e Paz", de Tolstói, na qual Napoleão recebe em seu acampamento o retrato de seu filho recém-nascido. O imperador manda cobrir a pintura: o bebê é jovem demais para ver a História em marcha. Há ocasiões em que uma criança resume em seu drama pessoal conflitos importantes da política internacional. Assim foi Elián e as relações entre Cuba e Estados, agora ocorreu o mesmo com o pequeno Emmanuel, o filho que a política colombiana Clara Rojas teve um guerrilheiro das FARCs, enquanto esteve seqüestrada pela organização.

A história de Emmanuel ainda está pouco precisa em diversos aspectos importantes. Contudo, o essencial: as FARCs já não o tinham em seu poder há anos, mas continuaram a negociar sua libertação. O menino nasceu com problemas de saúde, algo que não surpreende, dadas as péssimas condições em que se deu a gestação, e foi separado da mãe a pretexto de que seria submetido a tratamento médico. Somente agora a família está reunida, embora sem o pai. Sua identidade ainda não está clara, embora a imprensa colombiana especule de que era um de três irmãos de Bogotá que se uniram às FARCs. Aparentemente, morreu pouco após o nascimento do filho.

Para além do drama familiar, quem ganhou e perdeu com a novela da libertação das reféns? O maior vencedor foi Chávez, que mostrou ser mediador indispensável nas negociações com as guerrilhas. É certo que agiu de maneira descabida, agredindo o governo colombiano e fazendo um circo de mídia em torno do que deveria ser um processo discreto. Ainda assim, provou que é fundamental.

As FARCs perderam, pois mostraram sua inacreditável má fé: negociar a libertação de uma criança que já não estava em seu poder há anos! Diante desse fiasco, tinham que libertar as outras duas reféns. Fica a pergunta: quando farão o mesmo com as outras pessoas que mantém em cativeiro, algumas por mais de 10 anos? O governo colombiano estima que sejam cerca 750 reféns. Atenção, porque o número cresce: ontem as FARCs seqüestram mais seis pessoas.

Uribe tampouco se saiu bem. Agiu de maneira instransigente e foi acusado pelas reféns e por suas famílias de ter atrapalhado nas negociações. Contudo, é possível que consiga capitalizar em função das atrocidades cometidas pelas FARCs.

Claro que Chávez aproveitou a ocasião para outra jogada política: pedir que os grupos guerrilheiros colombianos sejam considerados como "beligerantes". Afirmou em seu programa de TV que desse modo as FARCs parariam de "cometer atos terroristas contra civis" e passariam a aplicar as Convenções de Genebra. O pedido foi rejeitado pelo governo colombiano e atacado pelos EUA e pela União Européia, que classificam tais grupos como terroristas. A oposição colombiana se mostrou dividida, mas o tom geral foi de cautela com relação à proposta venezuelana.

Naturalmente, Chávez almeja um papel de líder mais destacado no conflito andino, e é muito melhor ser considerado internacionalmente como o mediador reconhecido numa guerra civil, ajudando a firmar um tratado de paz, do que como um presidente amigável diante de terroristas. Estes são tempos de cólera nos Andes.

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