sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Índia: a aventura da descoberta


Terminei de ler meu pacote de livros da Amazon com a estupenda, “India after Gandhi: the history of the world´s largest democracy”, de Ramachandra Guha. Leitura importante para a reformulação do meu programa no Curso Clio, que inclui aulas sobre o Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul.

A Índia está se consolidando como um poder global, com o boom econômico do setor de serviços, a intensificação de seus laços comerciais com a China (apesar de conflitos sérios de fronteira e de disputas sobre o Tibete), aproximação aos Estados Unidos (negociação de acordo nuclear) e a permanência de tensões com o Paquistão, em época de fundamentalismo religioso crescente nos dois lados da fronteira. Notável que a Índia tenha mantido e desenvolvido sua democracia em meio a tantos problemas e imensa fragmentação cultural, talvez maior do que a existente em continentes inteiros como África e Europa.

Guha é ótimo narrador da história recente do seu país com foco na ascensão e queda dos líderes políticos: o primeiro-ministro Nehru e a filha e neto que o sucederam no cargo, Indira e Rajiv Gandhi (apesar do sobrenome, não são exatamente parentes do Mahatma, ele adotou o marido de Indira para que ele pudesse mudar de casta e se casar com ela). Descreve as lutas importantes nos estados, como a ascensão dos comunistas em Kerala e Bengala Ocidental, em plena Guerra Fria, o crescimento do fundamentalismo – sobretudo hindu e sikh – e os conflitos que dividem o Partido do Congresso, como o desgaste causado pela corrupção e por sua longa permanência no poder. Há capítulo curto, mas interessantíssmo, sobre a indústria de cinema indiana, onde aprendi que a minoria muçulmana prospera nela à semelhança dos judeus em Hollyowood.

Guha dá o contexto social e político para que eu entenda muito do tenho ouvido dos amigos e colegas indianos com quem convivi nos últimos anos. Até recentemente, as únicas pessoas que conhecia interessadas na Índia eram as que se encantavam com os aspectos místicos e religiosos. Isso começou a mudar a partir do momento que o país se tornou parceiro importante do Brasil, e se criaram também laços entre as comunidades acadêmicas e os movimentos sociais destas duas democracias que tem tantos problemas comuns.



Experiência marcante foi visita que recebemos no instituto de trabalhadores sociais indianos que encerravam longo projeto de cooperação com os chamados “povos tribais” no estado de Uttar Pradesh, próximo ao Nepal (foto acima). Foi fascinante ouvi-los falar sobre o processo de aprendizado das línguas locais, das adaptações culturais. É outra postura diante do tempo, com planejamento de longo prazo que parece inacreditável para as organizações brasileiras.

Para mim, tem sido um processo de aprendizado e descobertas marcado por fascinação. Penso, por exemplo, na entrevista que fiz com Meena Menon, ativista sindical indiana que foi das principais organizadoras do Fórum Social Mundial naquele país. Meena nos contou sobre sua militância de juventude no partido comunista, das perseguições políticas à época do “Estado de Emergência” (1975-1977) da primeira-ministra Indira Gandhi e das transformações sociais que a indústria têxtil, a mais importante em termos de emprego, passa com a abertura do mercado mundial.

Uma das perguntas que fiz a Meena foi como os movimentos sociais indianos faziam para se comunicar em meio às dezenas de línguas faladas no país. Ela me respondeu que na realidade a questão não foi solucionada, e os encontros políticos duram muito mais tempo do que no ocidente, por causa da necessidade de tradução.



Meus colegas que foram à Índia maravilharam-se sobretudo com os movimentos sociais dos dalits (palavra que significa “oprimidos”, na foto, algumas crianças dalits), que costumavam ser chamados de “intocáveis” e estavam fora do sistema de castas. Gandhi os batizou de harijan, os filhos de Deus. A constituição indiana criou programas de ação afirmativa para ajudá-los e foi em grande medida fruto do trabalho de um dalit, o jurista B. R. Ambekar.

Também me impressiona a seriedade e dedicação dos acadêmicos indianos que conheci – Celso Furtado os considerava os mais qualificados, no campo da economia. Lido mais com sociólogos, mas é igualmente notável seu esforço para compreender a realidade brasileira. Diga-se de passagem, não conheço casos semelhantes no Brasil. Nossa cultura intelectual continua muito fechada, com dificuldade de se abrir ao mundo.

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