quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

O Casaco do Fidel


Vendo as fotos do encontro do presidente Lula com Fidel Castro, constatei que o cubano posou pela milésima vez com seu casaco esportivo da Adidas. A menos que ele tenha virado garoto-propaganda da empresa, a repetição ad nauseam da roupa virou um símbolo da incapacidade de Fidel em mudar. Da negação em iniciar a liberalização da ilha. Vestuário e política andam juntos desde os tempos da fábula sobre a roupa nova do rei, ainda mais num sistema tão personalista quanto o da ilha.

A queda do regime cubano foi profetizada incontáveis vezes desde 1959, e de maneira ainda mais freqüente após 1989, com o fim da União Soviética e do bloco de estados a ela subordinados. Ignoro se o socialismo cubano ainda estará no poder em 2009, do ponto de vista econômico os últimos anos foram de razoável prosperidade para a ilha, na medida em que adaptou-se às novas circunstâncias da economia internacional e construiu parcerias com a União Européia (sobretudo Espanha), China e Venezuela.

No entanto, o êxodo de cubanos para os Estados Unidos aumentou muito em 2007, alcançando os níveis mais altos desde meados dos anos 90. As autoridades americanas afirmam que o crescimento se deve à perda de esperança dos cubanos na abertura do país após o afastamento de Fidel – seu irmão Raúl assumiu o poder oficialmente, apenas tornando claro o que já ocorria de fato. O governo da ilha afirma que a migração é estimulada sobretudo pela facilidade dos cubanos receberem asilo nos EUA, facilidade não desfrutada por cidadãos de outros países caribenhos e latino-americanos.

O comércio entre Brasil e Cuba é pequeno e os vínculos entre os dois países aumentaram de maneira pouco expressiva no governo Lula. A visita do presidente resultou em acordos importantes, principalmente no setor de exploração de petróleo e na abertura de linhas de crédito de cerca de US$1 bilhão para empresários brasileiros que queiram investir no país. A política externa brasileira de direitos humanos consiste, em larga medida, em não mencionar o assunto quando se trata de dialogar com ditaduras e regimes autoritários. No caso cubano, houve até colaboração para despachar de volta à ilha boxeadores que cogitaram outras possibilidades, aproveitando os Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro.

A postura do governo brasileiro é acompanhada pela relutância da comunidade acadêmica em debater a transição política em Cuba. É óbvio que Fidel morrerá em breve e algum tipo de mudança ocorrerá no país. Esse foi um dos principais debates no congresso da Associação de Estudos Latino-Americanos, do qual participei ano passado no Canadá. Basicamente levantam-se as seguintes hipóteses:

1)Saída “Chinesa”: abertura econômica e manutenção do regime comunista, com a prosperidade servindo de contenção às demandas por democracia.
2)Saída “Revolução de Veludo”: transição pacífica, negociada, com o governo aceitando a realização de eleições.
3)Cenários de conflito, no qual o governo não cederá, resultando em possibilidades de golpes, confronto de rua, ou guerra civil.


Encerro, com comentário sobre a foto acima, tirada pouco após a cirurgia de Fidel, quando se discutia se ele estava morto. Para provar que estava vivo, posou com o jornal do dia. O escritor Jean-François Fogel escreveu brilhante crônica a respeito, “O Refém do Poder”. Transcrevo a conclusão:

“En América Latina se conoce muy bien este tipo de documento. Son las fotografías que los secuestradores suelen hacer para demostrar que su rehén no ha muerto. En el caso del líder cubano no se sabe muy bien si el secuestrador es el poder y muestra al pobre Fidel, su víctima, o si es el propio secuestrador que, en un uso revertido del testimonio gráfico, sale en la fotografía y dice que bajo ningún precio, salvo la muerte, soltará al poder, su rehén desde hace casi medio siglo.“

3 comentários:

Sergio Leo disse...

Há um detalhe ainda mais intrigante na foto do Fidel com o jornal, caro Santoro. O jornal é oficial; nada impediria que Fidel se deixasse fotografar comum exemplar único, antes da operação, que serviria de modelo para a edição a ser impressa depois...

Patrick disse...

É improvável que o regime caia. E o motivo é bem capitalista/egoísta: o principal interessado, EUA, aprovou diversas leis revertendo todas as desapropriações dos bens pertencentes ao antigos donos pré-revolução. Não há, portanto, espaço para a transição à russa (a elite do partido se tornando a elite do capital por meio da apropriação das empresas públicas).

Maurício Santoro disse...

Salve, Sergio.

Realmente, não tinha pensado nessa, mas é genial :-)

Olá, Patrick.

Sim, a lei Helms-Burton, mas os europeus não deram bola para ela e investiram muito no país, em joint-ventures com o governo cubano, e com certeza essas transações envolvem muitas propriedades que antes da Revolução pertenceram à firmas americanas.

Por exemplo, o hotel em que fiquei hospedado em Havana havia pertencido à cadeia Hilton, depois fora nacionalizado, e agora é parte da rede espanhola Meliá.

Acredito que numa eventual transição, chegariam a acordos sobre isso. Até porque há próspera comunidade cubano-americana louca para ganhar dinheiro na ilha, e que sabe que está perdendo espaço para os europeus.

Abraços