quinta-feira, 24 de janeiro de 2008
Crise e Capitalismo de Estado
Em momentos de crise, a participação do Estado na economia ganha destaque. Mas ela sempre está presente como componente fundamental da estratégia de desenvolvimento de qualquer país.
Os fundos de riqueza soberana movimentam atualmente algo em torno de US$3 trilhões. Foram criados por governos que enriqueceram com o boom de exportações de petróleo ou minérios. Numa situação desse tipo, o afluxo de dólares acaba por provocar a chamada “doença holandesa”, a apreciação perversa da taxa de câmbio, o que torna a vida muito mais difícil para quem exporta outros produtos, como a indústria. Uma das maneiras de lidar com o problema é o Estado criar fundos desse tipo, que canalizam esses recursos para investimentos no exterior.
Os maiores fundos de riqueza soberana estão listados na tabela acima e como se pode ver, a maioria vêm de nações asiáticas, exportadoras de petróleo. Embora acumulem menos recursos que outros gigantes do mercado financeiro, como fundos de pensão, nesses tempos de vacas magras e petróleo em alta, os fundos de riqueza soberana estão injetando capital precioso, urgente mesmo, em diversos bancos e empresas americanos.
O problema é que são controlados por Estados que podem ter objetivos políticos bastante diferentes daqueles defendidos pelo governo dos EUA. Naturalmente, há temores em Washington sobre as implicações diplomáticas da ascensão desses instrumentos de capitalismo de Estado, inclusive o veto à operações desenvolvidas por empresas/fundos da China e do Oriente Médio, que quiseram entrar em negócios considerados pelo governo americano como de segurança nacional, como petróleo e portos.
O Financial Times traz um interessante debate entre especialistas e os leitores do jornal, discutindo os casos da China e da Rússia, dois países em que a prosperidade econômica tem sido acompanhada pelo fortalecimento de Estados autoritários, com agendas políticas próprias que têm entrado em conflito com as dos EUA e da União Européia – sobretudo com relação à Rússia no Cáucaso e na Ucrânia.
A discussão promovida pelo jornal é muito interessante. Meu ponto favorito é o comentário de um leitor se que define como um chinês educado no Ocidente, e pergunta até quando os ocidentais continuarão a acreditar, de maneira arrogante, que seu modelo político-econômico é universal e deve ser aplicado da mesma maneira a todos os países. O editor de internacional do Financial Times responde: “Até quando pudermos nos safar com isso”.
O Brasil deve criar seu próprio fundo soberano ainda em 2008, mas o capitalismo de Estado se manifesta de maneira muito intensa em nosso país com relação à participação governamental em áreas estratégicas como petróleo, mineração e telefonia. Não preciso comentar muito sobre a primeira, dada a importância da Petrobras, inclusive como dinamizadora de diversas economias regionais, em especial aqui na minha província do Rio de Janeiro.
Na mineração, a Vale foi privatizada – mas cerca de 60% de seu capital é controlado por fundos de pensão ligados ao BNDES e ao Banco do Brasil, além do governo ter golden share, ações com poder de veto em decisões cruciais da empresa. As autoridades brasileiras querem que a Vale invista mais em siderurgia, para gerar empregos no país, e pressionam para que ela desista da idéia de comprar a mineradora anglo-suíça Xstrata. Segundo o Valor, o governo acha o negócio de US$90 bilhões caro e arriscado demais.
Outro exemplo do capitalismo de Estado brasileiro são as manobras das autoridades federais para permitir que a Oi compre a Brasil Telecom, formando assim uma gigante de telecomunicações. A princípio seria para impedir que o mercado fosse dominado por empresas estrangeiras da Espanha e do México, e criar um ator brasileiro com capacidade de operar internacionalmente nesse campo. Os problemas: as leis impedem tamanha concentração de poder no setor, algo parecido foi tentado nas bebidas e fracassou (a mega-fusão da AmBev, ao fim comprada por belgas) e há ligações íntimas e perigosas entre os candidatos a barões das telecomunicações e a cúpula governamental.
As operações brasileiras não são exceção à regra. Foram feitas com sucesso por diversos países na Ásia, em especial Japão e Coréia do Sul, que assim formaram suas multinacionais locais, os zaibatsus e chaebols. Também ocorre de maneira semelhante nos EUA, com o papel desempenhado pelas gigantescas compras governamentais na área de segurança, e na França com as fusões impulsionadas pelas autoridades – inclusive pelo ex-ministro das Finanças Sarkozy.
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2 comentários:
Caro Maurício, pela primeira vez estou comentando em seu blog. Virou uma leitura diária praticamente, gosto muito da maneira como escreve, de fácil compreensão, ainda mais para mim que estou ingressando no curso de Relações Internacionais este ano.
Neste post gostei do último parágrafo, que você citou que a atitude brasileira não é excessão. De fato é cada vez mais expressivo o número de conglomerados certo? Gostaria de saber se isso é realmente vantajoso para o país, uma vez que ao se unir empresas (no caso de uma comprando a outra, como acontece com a Oi e a Brasil Telecom) diminui-se a concorrência e pode gerar um certo monopólio.
Um abraço, e parabéns pelo ótimo blog!
Caro Denis,
obrigado, fico feliz em saber da sua leitura constante.
Tenho me feito a mesma pergunta que você, sem conseguir chegar a uma resposta. Em todos os lugares, a formação desses grandes conglomerados trouxe benefícios econômicos, mas também muita corrupção e abuso de poder.
Me parece que estamos caminhando para isso, no caso das telecomunicações.
Porém, a maior crítica que faço à política industrial do governo brasileiro é sua ênfase em setores de baixo valor agregado (minérios, celulose, agronegócio) e o pouco incentivo para pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica.
Abraços
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