quinta-feira, 24 de abril de 2008

Chile, Laboratório do Desenvolvimento



Um dos melhores professores que tive na Argentina foi Sebastián Etchemendy. Em suas aulas sobre economia política latino-americana, ele destacava que o Chile podia ser tomado como um laboratório de aplicação das principais visões sobre desenvolvimento econômico. No período de Eduardo Frei (1964-1970), era a teoria da modernização, que tanto sucesso fez entre o governo Kennedy – Walther Rostov, o pai da idéia, foi assessor-chave do presidente. Durante a presidência de Salvador Allende (1970-1973), a voga coube à teoria da dependência. E por fim, sob a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), a liderança ficou com o neoliberalismo. Excelente artigo de Oswaldo Sunkel na revista Diplomacia, Estratégia e Política, editada pelo Itamaraty, defende o mesmo argumento e adiciona interpretação: o Chile da redemocratização estaria gestando novo modelo, baseado em mistura da corrente neoliberal mais pragmática com maior preocupação com programas sociais de combate à pobreza e distribuição de renda, em conjunto com política externa mais próxima da América Latina.

Acredito que a condição chilena de “laboratório do desenvolvimento” se deve a algumas características incomuns do país. É pequeno, com um Estado muito centralizado e bem organizado, e com um só produto – cobre - concentrando grande importância na economia nacional. Tudo isso torna mais fácil e eficaz planejar a ação governamental do que em países mais complexos, como Argentina e Brasil. Aprendi com o texto de Sunkel que a experiência chilena com planejamento vem da década de 1930, quando a recém-instalada Frente Popular precisou enfrentar uma tragédia natural: o grande terremoto de 1938. O governo Allende também inovou: usou até primórdio de computador para conduzir o planejamento.

No Brasil, admiradores e opositores de Pinochet tendem a ver sua política econômica como algo contínuo, mas a história é mais complexa. Nos primeiros meses, os militares adotaram decisões bastante próximas ao modelo interventor-nacionalista, como a manutenção da estatização do cobre. Em 1974 é que tomou posse a equipe liderada por Sergio de Castro e seus “Chicago Boys”. O termo, irônico, se refere ao programa de treinamento que a Universidade de Chicago desenvolveu em parceria com a Universidade Católica do Chile, a partir de 1958. O objetivo era levar economistas chilenos para cursar pós-graduação nos EUA, de acordo com os princípios liberais, e assim criar uma contra-influência para as teses industrialistas da CEPAL, então no auge de seu prestígio (a melhor narrativa que conheço da história está no livro “The Internationalization of Palace Wars – lawyers, economists and the contest to transform Latin American States”, de Yves Dezalay e Bryant Garth).

Mas o reinado dos Chicago Boys durou, grosso modo, até a crise da dívida de 1982, que teve impacto bastante severo no Chile. Pinochet se assustou e resolveu implementar diversas reformas, suavizando a política cambial e protegendo alguns setores industriais. Os governos da Concertação, a coalizão entre democratas-cristãos e socialistas que governa o país desde 1990, herdou esse enfoque mais pragmático e o consolidou com mais de 50 acordos de livre comércio.

O artigo de Sunkel traz estatísticas muito boas sobre os principais dados econômicos do Chile ao longo de sua história recente. Ao contrário do senso comum, o período Pinochet foi de desempenho apenas moderado quanto ao crescimento do PIB (3% ao ano) e terminou com um horrendo índice de pobreza (38%). No regime democrático, a proporção de pobres caiu à metade, e a economia cresce a taxas melhores – de 2005 para cá, entre 6% e 11% anuais.

2 comentários:

Glaucia Mara disse...

Uma das coisas mais impressionantes que aprendi depois de tantos anos fora do Brasil, é que nao sabemos quasi nada da America Latina. Hoje, vivendo na Espanha tenho muitos amigos SUDACAS e vou pouco a pouco descobrindo maravilhas das idiossincracias latino americanas. Estive lendo seu velho blog, sobre o periodo na Argentina, e adorei a frase sobre nao ter saudades. Assim descubro que nao sou o unico bicho raro.

Maurício Santoro disse...

Ha ha ha, é verdade, Glaucia. Por coincidência hoje conversei bastante com várias pessoas sobre meu período na Argentina, e de como foi boa a experiência que tive por lá.

Abraços