quinta-feira, 1 de maio de 2008

Na Conferência Nacional de Juventude



Passei os últimos dias em Brasília, como delegado na I Conferência Nacional de Juventude. Esse tipo de evento é característico da redemocratização brasileira e reúne representantes da sociedade civil e do poder público para debater algum tema setorial da ação do Estado. Em áreas como saúde e proteção à criança, a tradição já tem 20 anos, em direitos humanos a duração chega a dez. Outras, como segurança pública e juventude, experimentam seus primeiros passos. O que acontece numa conferência assim? E como é o trabalho de um funcionário de ONG no processo? Conto minha experiência, com a ressalva de que ela é atípica, bastante particular.

A Conferência Nacional foi a etapa final de longo percurso iniciado ano passado, que mobilizou cerca de 400 mil jovens em dezenas de conferências prévias, nos estados e municípios, sendo que as primeiras elegeram delegados para o encontro em Brasília. Houve também as chamadas “conferências livres” que foram organizadas exclusivamente pela sociedade civil e não tiraram delegados oficiais, apenas debateram idéias. Participei de uma no Rio de Janeiro e gostei bastante.

Fui para a nacional na condição de “delegado nato”, em função de ser integrante do Conselho Nacional de Juventude. O cargo significou que tive muitos afazeres na conferência, ajudando a organização do evento e funcionando em diversas ocasiões como um intermediário entre a sociedade civil e a comissão organizadora, principalmente no sentido de esclarecer dúvidas e receber queixas.

O Conselho está vinculado à Secretaria-Geral da Presidência da República e a pedido dos colegas nesse órgão acompanhei de perto os convidados internacionais à Conferência. Tivemos uma grande delegação dos países africanos de língua portuguesa e de Portugal, pois uma das prioridades governamentais é a cooperação no âmbito de políticas de juventude na Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Aprendi muito nas conversas com os amigos d´a lém de mar, em particular com os portugueses e moçambicanos, que tem tradição rica e interessante no campo juvenil.

Outra das minhas tarefas foi conversar com os representantes da Organização Ibero-Americana de Juventude, instituição criada na década de 1990, por iniciativa da Espanha, e na qual o Brasil se filiou recentemente. No âmbito da OIJ foi assinada a Convenção Ibero-americana dos Direitos da Juventude. O governo brasileiro firmou o tratado, e agora quer que o Congresso o ratifique para que ele possa entrar em vigor. Há uma avaliação positiva do acordo entre a sociedade civil, mas temos dúvidas se seria bom aprová-lo neste momento, pois muitos de nós pensam que seria melhor que o Legislativo resolvesse primeiro o marco legal das políticas de juventude – a proposta de emenda constitucional 138/03, o Estatuto e o Plano Nacional.

Destes, a prioridade da conferência foi sem dúvida a proposta de mudar a Constituição para incluir a expressão “jovem”, como marco de direitos específicos, à exemplo do que já existe com crianças e idosos. Aprovamos resolução pedindo urgência ao Congresso na aprovação da medida e participei da comissão que foi entregar a solicitação ao presidente da Câmara dos Deputados, bem como a demanda pela ratificação da covenção da ONU sobre direitos dos deficientes. Fomos recebidos com cordialidade, mas também ficou claro para nós que a pauta do Legislativo está difícil, obstruída há sete meses pela combinação da crise da CPMF com o excesso de medidas provisórias. E todos sabemos que o segundo semestre será complicado, por causa dos deputados e senadores que serão candidatos nas eleições municipais. Ainda assim, vamos pensar em maneiras de trabalhar com o parlamento, talvez pela realização de seminários e audiências públicas sobre o tema da juventude.

Em suma, tratou-se de uma semana de trabalho duro, mas gratificante e de muito aprendizado. Como acadêmico, o que mais me chamou a atenção foi como a fronteira entre política social e política externa está mais fluida, e de difícil definição. A experiência do diálogo sobre a convenção da OIJ me mostrou que negociar um tratado internacional de direitos humanos envolve afinar as posições da sociedade civil, de diversos órgãos do Executivo (no caso, Secretaria Nacional de Juventude e Ministério das Relações Exteriores), discutir a pauta do Legislativo e as conseqüências para o direito constitucional, pois desde a emenda 45 de 2004, se o acordo for ratificado com mais de 3/5 dos votos, ganha status constitucional, em vez de lei ordinária, como era anteriormente.

5 comentários:

Sergio Leo disse...

Só por causa da correria perdôo não ter avisado, mestre Santoro. È complicado mesmo aprovar nesses dias alguma mudança na Constituição, por mais meritória que seja. E, sinceramente, tenho dúvidas se é esse trablaho legislativo o mais urgente nesse campo...

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Parabéns pelo trabalho! Boa sorte com ele.
Näo savia que a Constituiçäo brasileira permitia emendas täo fácilmente. Aqui, a única forma de mudar a Constituiçäo é eligendo a uma Convençäo especial. Todo o corpo pode ser modificado no Brasil pelo Congresso?
Saludos argentinos

Patricio Iglesias

Maurício Santoro disse...

Salve, meu caro.

A rotina de trabalho num evento desse tipo costuma ser começar as reuniões no café da manhã e só terminar após o jantar. Mas estou numa conspiração que pode interessar a você, em breve entrarei em contato!

Olá, Patricio.

A Constituição brasileira é bastante rígida, difícil de mudar. Há uma série de artigos conhecidos como "cláusulas pétreas" que simplesmente não podem ser modificaos e incluem o respeito aos direitos humanos, o caráter federativo do país etc.

Não conheço o direito constitucional argentino, sei apenas que em seu país os tratados de direitos humanos, quando aprovados, ganham automaticamente status constitucional.

Abraços

Sergio Leo disse...

Pela Constituição argentina, qualquer acordo internacional é imediatamente internalizado, passa a valer sobre a legislação anterior; no Brasil, é necessária aprovação prévia do Congresso. Já quantio a mudanlças na Constituição, não sei diferenciar uma da outra. Mas, ultrapassada a difúicil obtenção da maioria qualificada no Congresso, em duas votações no senado e duas na Câmara, muda-se quase tudo.

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Fiqwuei curioso Maurício. D}ê notícias!
abração.

Patricio Iglesias disse...

Estimados Maurício y Sergio Leo:
Obrigado pelas respostas.
Saludos!

Patricio Iglesias