terça-feira, 27 de maio de 2008

A Raiz das Coisas


Ontem à noite fui ao coquetel de lançamento do livro "A Raiz das coisas - Rui Barbosa, o Brasil no mundo", do embaixador Carlos Henrique Cardim, que dirige o Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Ministério das Relações Exteriores. Conheci o embaixador Cardim quando, num momento de desvario, fez parte da banca que me concedeu o Prêmio América do Sul por meu estudo sobre os movimentos sociais na Bolívia. Apesar de tais credenciais, trata-se de exemplo de diplomata-acadêmico afável e dedicado, que realizou importantes trabalhos quando esteve à frente da Editora da Universidade de Brasília.

Para o Itamaraty, Rui Barbosa é um patrono que só perde em importância para o Barão do Rio Branco. O motivo da devoção é a participação que o jurista teve na Segunda Conferência de Paz da Haia, em 1907 - a estréia brasileira nos fóruns multilaterais. O principal tema daquele encontro foi a criação de uma espécie de super tribunal internacional, que acabou não se concretizando. No entanto, a atuação de Rui Barbosa prenunciou diversas posições que o Brasil adotaria depois na Liga das Nações e na ONU, sobretudo no que diz respeito à igualdade entre as nações no âmbito do multilateralismo.

Rui Barbosa foi muito admirado pelos conteporâneos, mas depois da Revolução de 1930 foi posto, em grande medida, em descrédito, como representante de uma tradição jurídica afastada da realidade concreta do país, excessivamente retórica e pouco analítica. É célebre a anedota sobre diplomata brasileiro na ONU que sempre citava a "Águia de Haia", levando um colega estrangeiro a perguntar ao seu secretário se aquela era a ave típica brasileira. Ora, um dos pontos altos do coquetel de lançamento foi ouvir meu velho mestre de filosofia política, Wanderley Guilherme dos Santos, questionar essa interpretação, chamando a atenção para a necessidade de estudar os líderes e instituições da I República com olhar mais livre de preconceitos.



Me parece que algo do gênero já começa a acontecer com Rui Barbosa. O criador do Supremo Tribunal Federal está sendo revalorizado por seus embates em defesa dos direitos individuais, quando mais não seja porque o STF se tornou o guardião da Constituição de 1988 e com a adoção da súmula vinculante e da repercussão geral, sua influência só aumenta. Até a política que ele lançou quando ministro da Fazenda, o "encilhamento", tem sido olhada com mais simpatia, como pioneiro esforço de industrialização do país.

O livro de Cardim recorre a uma impressionante documentação - a obra de Rui Barbosa está sendo republicada, já são mais de 160 volumes e ainda não está completa! - que ilumina os debates entre o jurista e o Barão do Rio Branco sobre as posições brasileiras na conferência da Haia, mostrando a alta sintonia existente entre ambos. O embaixador mostra a importância que as negociações tiveram para o Brasil, que buscava então, como hoje, maior projeção nos assuntos internacionais. Há interessantes análises sobre como a erudição de Rui Barbosa e seu talento retórico eram venerados pela imprensa brasileira, que via neles algo como a compensação pelo sentimento de inferioridade que o país tinha (e tem) diante da opinião pública da Europa e dos EUA.

Cardim também destaca a importância de Rui Barbosa para a entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial, e o acompanhamento detalhado que o jurista fazia do conflito. Comentei com o embaixador que esse ponto fora cobrado na prova de história deste ano para o acesso ao Itamaraty, assim como a conferência da Haia havia sido em 2007.

4 comentários:

Ramon Blanco disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ramon Blanco disse...

Olá Professor, tudo bom?
Por aqui tudo otimo e o meu comentário é para dizer que a fila de livros indicados por você no blog está andando...
Já terminei a biografia do Sergio Veira de Mello e O fundamentalista relutante. Ambos excelentes!!! Vou em breve fazer outra encomenda dessa geração de autores paquistaneses e indianos. Viva Amazon!
Agora estou encantado com a literatura africana... Mia Couto, Agualusa e Pepetela. Estou começando por O último voo do Flamingo (indicado por você nas aulas da Cândido). Queria que o livro tivesse 500 páginas, comprei ontem e já estou na metade! Amanhã ou depois já acaba. É muito bom. E da para pensar bastante inclusive nas teorias de RI. Os ditos populares de Tizangara são muito bons... "A realidade não é aquilo que existe, mas aquilo que acontece.", "Os fatos só são verdadeiros depois de serem inventado". Gostaria de ver uma discussão de Waltz e um pacato cidadão de Tizangara.

O próximo da fila é O vendedor de Passados do Agualusa. Parece ser tb muito bom. Do Pepetela estou para ler, você deve conhecer, o A geração da utopia, dizem que é excelente!

Tem um que me foi indicado aqui de um autor português, mas ainda não peguei para ler, O Boêmio do Espírito, do António Alçada Baptista. Ele já me ganhou em "Se eu fosse objeto, eu seria objetivo. Como sou sujeito, sou subjetivo".

Enfim... o dia tinha que ter 48 horas!

Um grande abraço,
Ramon

Maurício Santoro disse...

Caro Ramón,

"O mundo não é chato", já dizia Caetano, e de fato não faltam por aí ótimos livros sobre RIs, que me consolam da safra fraca, fraquíssima, que tenho visto no cinema.

Você encontra bons livros nas livrarias de Coimbra? Ou precisa recorrer a boa e velha Amazon? Por aqui, muita coisa tem sido traduzida e publicada, o problema são os preços, muito altos, em geral superiores a US$35 por livro.

Adoro o Mia Couto, e acho que o Voo do Flamingo renderia um ótimo artigo sobre teoria de missões de paz, talvez menos Waltz e mais construtivista, à la Wendt.

Abração

Ramon Blanco disse...

Olá Professor!
Por aqui acha-se bastante coisa sim, mas às vezes sai mais barato recorrer à Amazon.
Para livros mais acadêmicos no tocante a resolução de conflitos e peace studies somente Amazon mesmo.
Com certeza da para fazer um artigo sim. Eu queria ver a discussão entre Waltz e o pacato cidadão porque pegaria fogo... Tizangara é muito construtivista e seus cidadãos concordariam muito com o Wendt. Não teria muita graça... rsss...
Com relação ao Peace Sutdies, uma boa, Transformation of Peace (Rethinking Peace and Conflict Studies) by Oliver P. Richmond. Agora está até mais barato porque tem Paperback, antes tava na casa dos U$70.

Grande abraço!
Ramon