sábado, 2 de maio de 2009

Anna Akhmátova


Há algum tempo venho fuçando histórias culturais da Rússia e foi por meio delas que me interessei pel poesia de Anna Akhmátova, certamente uma das mais talentosas artistas do século XX, e das mais importantes testemunhas dos horrores do totalitarismo soviético. Foi então uma bela supresa descobrir, por acaso, uma Antologia Poética de sua obra, publicada em edição de bolso pela L&PM. O organizador, Lauro Machado Coelho, também escreveu uma elogiada biografia da poeta.

Akhmátova começou a escrever na década de 1910, às vésperas da Primeira Guerra Mundial e da Revolução que destruíram a velha Rússia. Ela foi uma destacada representante da geração conhecida como Idade de Prata, a excelente vanguarda artística daqueles anos turbulentos. Sua própria obra poética é marcada pela busca de linguagem cotidiana, da clareza da expressão e de uma riqueza psicológica nos personagens de seus versos que muitos críticos relacionam à tradição literária da prosa russa do século XIX. ´

Como tantos de seus contemporâneos, Akhmátova sofreu com a perseguição do período soviético, em particular sob Stálin: um de seus maridos foi executado e seu filho ficou anos preso. A poeta, embora admiradíssima pela população e pelos seus colegas, foi com frequencia desprezada pela crítica oficial, por não se enquadrar na camisa-de-força do realismo socialista.

Seus dois livros mais importantes são “Réquiem: um ciclo de poemas” e “Poema Sem Herói”. O primeiro trata do terror stalinista, e Akhmátova descreve as mulheres que esperam na porta das prisões de Leningrado por notícias de seus maridos e filhos. Uma, ao reconhecê-la, pergunta se ela é capaz de descrever a cena. Ao ouvir a resposta afirmativa, “uma coisa parecida com um sorriso surgiu naquilo que um dia tinha sido seu rosto”. E, de fato, os versos são de arrepiar, fazendo analogias entre a tragédia da década de 1930 e outros períodos de perseguição política na sombria história russa. Mas os sentimentos que expressa são universais, como os da Pietà, da mãe que sofre pelo filho:

Há dezessete meses choro
chamando-te de volta para casa.
Já me atirei aos pés de teu carrasco.
És meu filho e meu terror.
As coisas se confundem para sempre
E não consigo mais distinguir, agora,
Quem a fera, quem o homem,
e quanto terei que esperar até sua execução
Só o que me resta são flores empoeiradas.


Já “Poema Sem Herói” é um panorama histórico abrangente, que começa nos salões literários da São Petersburgo em 1913 (“e o tempo da loucura se aproxima... enquanto pelos legendários cais/o autêntico – não o do calendário/Século XX avança) e atravessa o terror stalinista e o terrível cerco da cidade – já rebatizada de Leningrado – pelo exército nazista, durante a Segunda Guerra Mundial.

Pergunte a meus contemporâneos -
condenados, cento-e-vinte-cinco, prisioneiros -
e te contaremos como vivíamos
cheias de medo inconsciente,
como criávamos os nossos filhos para o carrasco,
Para a prisão e a câmara de tortura.


Akhmátova sobreviveu a tudo, embora muitos de seus poemas só fossem publicados na Rússia com as reformas de Mikhail Gorbatchev.

2 comentários:

carlos disse...

caro santoro,

meu amigo, todo vez que me informo da performance de stalin tenho náuseas.

o que é interessante é que a geração de poetas, escritores e artistas que se engajaram na revolução de outubro foram originados no regime tzarista e perseguidos no regime do "socialismo num só país".

que tragédia!

abçs

carlos anselmo

Maurício Santoro disse...

Pois é, Carlos. Era uma geração brilhante, e os escritores foram quase todos mortos. Stálin foi um pouco mais generoso com os cineastas e os compositores.

Abraços