segunda-feira, 1 de junho de 2009

Nixon e Kissinger



“Nixon e Kissinger: parceiros no poder”, do historiador Robert Dallek, que a Zahar acaba de lançar no Brasil, traça um retrato completo da ambiciosa política externa empreendida pela dupla e de como o lado sombrio do governo a prejudicou e ameaçou. O livro foi escrito a partir de pesquisa em arquivos recém-liberados da Casa Branca. Ainda que eu ache que muitos dos detalhes são dispensáveis, e que a obra poderia ter metade do tamanho, o resultado impressiona.

Nixon teve infância pobre, mas conseguiu formar-se em direito em Duke. Após breves passagens pelo governo e em postos burocráticos na Marinha, na Segunda Guerra Mundial, teve meteórica carreira política. Entre 1946 e 1952 passou de deputado novato à vice-presidente do general Einsenhower. O segredo da rápida ascensão foi perceber e expressar de modo magistral o medo ao comunismo e à URSS, que se materializava na Guerra Fria recém-iniciada. Após oito anos como vice, Nixon foi derrotado por John Kennedy na corrida pela Casa Branca, e depois perdeu a disputa pelo governo da Califórnia. Mas seguiu como voz importante no Partido Republicano, estabelecendo-se como autoridade em assuntos internacionais. No contexto do colapso dos EUA no Vietnã e na fragmentação dos democratas, foi finalmente eleito presidente em 1968.

Kissinger cresceu numa família de classe média judaica na Alemanha, mas a ascensão do nazismo fez com que perdessem dinheiro e segurança. Fugiram do país em 1938 e nos EUA o rapaz serviu ao Exército, em operações de inteligência e propaganda, e depois fez brilhante carreira acadêmica como especialista em política externa. Nessa qualidade, começou a prestar consultorias tanto para os democratas quanto para os republicanos, até ser convidado por Nixon para ser seu conselheiro de segurança nacional.



Ambos eram muito inteligentes, mas outsiders inseguros, ansiosos por reconhecimento e aceitação por parte do establishment. Essas fragilidades com freqüência degeneravam em comportamentos agressivos, paranóicos. Os dois se compraziam em atacar o outro pelas costas, com ditos sarcásticos que no caso de Nixon incluíam expressões antissemitas.

Nixon era fascinado pelos temas diplomáticos, que considerava os únicos dignos de serem tratados pelo presidente, e desconfiado dos funcionários de carreira do Departamento de Estado. Quis centrar as decisões de política externa na Casa Branca e contou com o apoio entusiasmado de Kissinger para a tarefa. As realizações de ambos impressionam: reestabelecimento de relações com a China, relaxamento das tensões com a União Soviética (culminando nos acordos SALT, de controle de armas nucleares), o fim da guerra no Vietnã e esforços para mediar os conflitos no Oriente Médio, abrindo caminho para a paz entre Israel e Egito.



Contudo, há um lado sombrio nessa agenda. A excessiva concentração de poder em Nixon e Kissinger os levou a cometer erros graves, em particular nos conflitos entre Índia e Paquistão, que tendiam a ver em termos dos interesses da China e da URSS, ignorando os aspectos locais. Na América Latina, houve o envolvimento do governo americano na derrubada do presidente chileno Salvador Allende e no banho de sangue que se seguiu. E a retirada do Vietnã se deu de maneira tortuosa, motivada muitas vezes por ganhos no curto prazo (vencer eleições) e resultou em tragédias como a ampliação da guerra para o Camboja e o Laos, pontapé inicial da ascensão do regime genocida do Khmer Vermelho.

O livro não é sobre Watergate, mas o escândalo é o pano de fundo de seus capítulos finais. À medida em que Nixon se embrenhava nas acusações de abuso de poder, se afundava em álcool, em devaneios suicidas e procurava usar seus ganhos em política externa para se sustentar domesticamente. Nessa época, já havia promovido Kissinger a secretário de Estado, e ele assumira tanto poder e autonomia que o autor o chama de “co-presidente”.

Nixon morreu apenas em 1994 e nos 20 anos que se seguiram à sua renúncia à presidência, escreveu diversos livros que tentavam consolidar sua imagem como estadista global, especialista em temas diplomáticos. Morreu amargurado pelo que considerava falta de respeito dos sucessores com seu legado. Kissinger ainda serviu ao governo de Gerald Ford e depois prosseguiu sua extraordinariamente bem-sucedida carreira como acadêmico e consultor.

5 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Meu caro:
Didáctico artigo. Ao falar do golpe no Chile me fez lembrar um artigo que li no Clarín faz umos meses. Lanusse foi tentado pra se involucrar na caida do Allende, mas se negou:

http://www.clarin.com/diario/2009/02/08/elpais/p-01854666.htm

Saludos!

Maurício Santoro disse...

É verdade, Patricio.

Apesar de Lanusse comandar um regime autoritário, ele teve uma interessante política de aproximação com o Chile, que antecipou o que foi feito nos anos 80, com a volta da democracia.

Abraços

carlos disse...

caro santoro,

esse rapaz, kissinger, em que pese sua importancia na política externa americana, sempre, acredito eu,serviu aos lobbies do complexo industrial-militar da américa. prestou, também, serviços relevantes a republicanos e democratas sem nenhum pudor.

a figura me lembra o jornalista da revista cruzeiro de priscas eras david nasser. conta-se que o assis chateaubriand, dono dos poderosos diários associados, chamou-o à sua sala e lhe pediu um editorial sobre o ministro da justiça armando falcão do governo jk. antes de bater a porta e sair da sala, david nasser voltou-se e perguntou: sr presidente, o editorial será contra ou a favor do ministro?

pois bem, são esses tipos competentes responsáveis maiores por golpes de estado, guerra civis, torturas e coisa que o valham que cada geração deve se debruçar na história para interpretá-los conforme os valores da época.

no mais, parabéns pela clareza e equilíbrio do post.

abçs

Rodrigo Cerqueira disse...

Bom comentário, Maurício. Vou comprar o livro, valeu pela dica.

Off topic: amigo, você conhece alguém na Universidade do Porto? A UVV está fechando um convênio com eles e eu quero tentar me beneficiar dele para realizar o sonho de fazer o doutorado em Portugal. Mas facilitaria ter um contato por lá para começar essa sondagem.

Seus e-mais de Iuperj e Ibase ainda funcionam?

Grande abraço.

Maurício Santoro disse...

Salve, Carlos.

Penso que do ponto de vista da ética pessoal Kissinger é um caso bastante complicado, e uma pessoa muito difícil de lidar. Mas como analista acadêmico, e como executor de política externa, é uma figura notável. Acho que ainda serão necessários muitos anos para entender e avaliar o que ele fez.

Caro Rodrigo,

Não conheço ninguém no Porto, mas posso colocar você em contato com pesquisadores em Coimbra, que talvez conheçam alguém por lá. Me escreva no mauriciosantoro1978@gmail.com.

Abraços