sexta-feira, 31 de julho de 2009
Juventude: promessa, ameaça, sonhos
Quando eu representava organizações da sociedade civil em conselhos de políticas públicas, tinha certeza de que o governo nos escondia informações. Agora que trabalho para o Estado me pergunto onde diabos estão esses dados, porque não descobri nenhuma arca secreta com revelações estupendas sobre a realidade. Daí a importância de pesquisas como “Juventudes Sul-Americanas: diálogos para a construção de uma democracia regional”. O projeto foi coordenado pelo IBASE pelo Instituto Pólis e como vocês sabem trabalhei nele em 2007 e 2008. Tinha ido ao belíssimo evento de lançamento no mês passado, mas só nesta semana terminei de ler o relatório final, que analisa os dados de 14 mil entrevistas realizadas pelo IBOPE na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai.
O sociólogo francês Alan Touraine escreveu que a juventude costuma ser vista simultaneamente como “promessa e ameaça”. É uma síntese feliz que reflete bem a ambigüidade da mídia ao lidar com jovens, por um lado associando-os à violência, comportamentos transgressores e agressivos, por outro os destacando como símbolos de beleza, energia, sensualidade e alegria. O dado que mais me impressionou na pesquisa foi a força das imagens negativas da juventude, compartilhadas por pessoas de todas as faixas etárias, inclusive pelos próprios jovens. Me pergunto como essas percepções afetam, por exemplo, o trabalho de um professor.
Outra surpresa foi a constatação de que a faixa etária pouco influi nas opiniões sobre política e sociedade, salvo poucas exceções como posturas mais tolerantes por parte dos jovens a respeito de sexualidade e uso de drogas, além de maior facilidade para lidar com as novas tecnologias da informação. O Uruguai foi o país com as respostas mais progressistas, Bolívia e Paraguai, os mais conservadores.
Na América do Sul, a diferença mais expressiva entre jovens e pessoas mais velhas diz respeito à escolaridade. A juventude é tem muito mais anos de ensino formal do que seus pais e avós, e isso se destaca sobretudo no nível médio. No caso do Brasil e do Paraguai, mais de 40% dos jovens chegaram a esse patamar, enquanto o percentual dos adultos é de pouco mais de 10%. Salto bastante considerável para o curto espaço de uma geração.
Um bloco inteiro da pesquisa diz respeito às políticas públicas, meu ofício. Imaginava que haveria certo descrédito com as ações governamentais na região, mas o resultado é pior do que eu esperava. A maioria dos entrevistados acredita que a melhor maneira de mudar seus países e por meio das famílias, ou do esforço pessoal. Muitos sequer conseguem citar uma política oficial para a juventude, embora os dados sejam bem melhores para o Brasil do que para os demais países do continente.
Ilustração que abre o post: “A Dança da Juventude”, Pablo Picasso
quarta-feira, 29 de julho de 2009
A ONU e a Responsabilidade de Proteger
Um amigo funcionário da ONU certa vez me contou como acompanhou o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, numa reunião com o então secretário-geral Kofi Annan. Chávez passou uma hora se queixando do processo de reforma das Nações Unidas, alegando que era pouco transparente e não representava as demandas dos países em desenvolvimento. Após infrutífero debate, Annan se irritou e disse ao presidente que, se ele discordava dos rumos da reforma, deveria pedir um voto contrário na Assembléia Geral: “Sabe quem acompanhará o senhor? Cuba, Irã e Coréia do Norte”. Diante da perspectiva, Chávez desistiu da idéia, mas meu amigo julgava que ele teria apoio amplo, sobretudo se moderasse seu discurso, porque havia muita insatisfação por como os países ricos conduziam a organização. Lembrei da anedota nestes dias, em função da polêmica envolvendo a “Responsabilidade de Proteger” (R2P no jargão).
Pequeno contexto: desde que a Guerra Fria terminou, houve significativo avanço dos direitos humanos nos fóruns multilaterais, por meio das conferências sociais da ONU e da criação do Tribunal Penal Internacional. Esses instrumentos não impediram as tragédias humanitárias das décadas de 1990/2000 – os genocídios nos Bálcãs e na África, a guerra no Congo – mas pelo menos estabeleceram quadro normativo que ajudou a lidar com as crises, e em alguns casos (Libéria, Serra Leoa, Kosovo, Bósnia) auxiliou na punição de culpados e na estabilização pós-conflito.
Em 2005 a ONU adotou a R2P a partir de grupos de pressão que queriam intervenções internacionais para deter governos que cometessem atrocidades contra suas próprias populações. A idéia não é nova: surgiu das experiências traumáticas do Holocausto nazista na Segunda Guerra Mundial, e se consolidou desde 1945 com uma série de transformações que levaram os indivíduos a se tornarem sujeitos do direito internacional, com uma série de garantias frente a seus próprios Estados.
Nesse sentido, a R2P refletia a conjuntura mais intervencionista do pós-Guerra Fria, quando os principais violadores não eram mais grandes potências como a Alemanha, mas Estados frágeis como Sudão ou Ruanda. Contudo, o conceito sempre foi polêmico. Países em desenvolvimento o encaravam com desconfiança, temendo que fosse manipulado em detrimento de seus interesses, como ferramenta de domínio neocolonial. Preocupações agravadas pelo uso da R2P por líderes como Tony Blair, em justificativa à invasão do Iraque.
Agora a R2P está sob ataque por coalizão basicamente formada pela União Africana e pelos países da ALBA. O presidente da Assembléia Geral da ONU é o padre nicaragüense Miguel d´Escotto, ex-chanceler da Revolução Sandinista. Ele organizou um seminário com duras críticas ao R2P que causou mal-estar nas Nações Unidas, em particular porque ocorreu poucos dias antes do tema ser debatido na Assembléia, e quase simultaneamente à cúpula de líderes africanos que atacou o trabalho do Tribunal Penal Internacional, sugerindo que as nações do continente poderiam se retirar dele.
A ofensiva contra o Tribunal em parte se deve a uma série de erros de seu presidente, o advogado argentino Luis Ocampo, mas reflete o pavor de diversos ditadores de terem o mesmo destino que o atual presidente do Sudão, Omar Bashir, que foi indiciado por crimes contra a humanidade, ou do ex-tirano da Libéria, Charles Taylor, que está em julgamento. Além do medo da cadeia, há preocupações legítimas de que o Tribunal adota posições rígidas, que dificultam a negociação de acordos de paz – que, com freqüência, implicam a concessão de anistias totais ou parciais para culpados de violações de direitos humanos.
terça-feira, 28 de julho de 2009
Bomba! Sergio Leo toma o poder no Paraguai!
Bem que desconfiávamos. Tudo começou com o post sobre os hábitos sexuais do pônei do presidente Lugo. Texto suspeito, que revelava informações de cocheira sobre a mansão governamental. E eis que Sergio Leo confirma nossos palpites e conta em seu blog como tomou o poder no Paraguai, fato comprovado pela foto acima.
Imediatamente procurei Oliveira, o canalha da redação, novo ministro da Casa Civil, mas o celular do rapaz estava na caixa postal, e tive que esperar por uns cinco minutos, enquanto tocava uma música do Wando. De modo que minha oferta para colaborar com o presidente Leo na qualidade de Comissário do Povo para Fuzilamentos (ou Atos Secretos, se a pasta já estivesse ocupada) teve que esperar.
Talvez por isso o gabinete tenha durado tão pouco tempo. Se tivessem ouvido os Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, a esta altura da semana a Nação Guarani teria o Índice de Desenvolvimento Humano da Suíça. E o presidente Leo poderia conversar sobre seu recém-lançado livro de contos com outros estadistas-poetas, como José Sarney.
Com a renúncia do Sergio, Lugo volta à presidência, e quem sabe desejasse trocar de lugar com o blogueiro e assumir sua coluna no Valor Econômico. Meus amigos nos movimentos sociais paraguaios estão muito críticos diante do mandatário, que segundo eles até propõe coisas interessantes, mas recua quando encontra oposição dos setores mais conservadores do país. Que continuam fortíssimos. Sessenta anos de dominação dos Colorados não se evaporam da noite para o dia, em especial porque a coalizão de Lugo é bastante frágil e o presidente vem tendo problemas com o principal aliado, o Partido Liberal. Fora a crise de confiança em função dos filhos que teve com diversas mulheres, enquanto era padre e bispo.
E em meio às negociações da recente Cúpula do MERCOSUL, surge a boa notícia do acordo entre Paraguai e Brasil com respeito a Itaipu. Embora ainda falte definir os detalhes finais, o compromisso é que o governo brasileiro aumentará em cerca de US$200 milhões anuais as compensações pagas ao país vizinho pelo uso de sua energia. E permitirá aos paraguaios vender a eletricidade no chamado “mercado livre” brasileiro, em vez de comerciá-la exclusivamente com a Eletrobrás.
Uso a expressão entre aspas, porque na realidade significa que os paraguaios poderão vender apenas aos grandes consumidores brasileiros, como conglomerados industriais e shopping centers. Como a oferta atual dá conta do recado, não há tanto espaço para aumento de preços. O Megawatt hora está a US$43,80 e os analistas estimam que os vizinhos talvez consigam elevá-lo a US$50. A principal transformação da entrada dos paraguaios no mercado é que ela pode dificultar o ingresso de outros concorrentes, como a hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. Na competição por clientes, quem sabe esse preço acabe caindo. Meu palpite é que as mulheres de Lugo terão que buscar outra fonte para arcar com as pensões. O Romário, sei lá.
Foi bom o acordo entre Brasil e Paraguai, elimina um obstáculo que atrapalhava várias negociações do processo de integração regional. De quebra, o entendimento dá espaço para Lugo respirar – oxalá ele o utilize com sabedoria.
Por fim, sugestão aos estudantes e pesquisadores que lêem este blog: o processo de internacionalização da Eletrobras vale uma monografia/dissertação/tese. Itaipu é apenas a face mais conhecida, mas há muito em andamento num setor econômico em que é necessário se transformar em ator global para se manter competitivo.
segunda-feira, 27 de julho de 2009
A Ascensão do Resto
Neste livro, Amsden analisa as estratégias de desenvolvimento dos países periféricos que se industrializaram ao longo da segunda metade do século XX. Ela divide-os em dois grupos: os “independentes”, da Ásia, que priorizaram modelos próprios de crescimento (China, Taiwan, Índia e Coréia do Sul) e os “integracionistas”, que apostaram em vínculos mais fortes com o capital estrangeiro (Argentina, Brasil, Chile, México e Turquia). Em faixa intermediária, Indonésia, Malásia e Tailândia. Amsden frisa o papel crucial desempenhado pelo Estado, por meio de instrumentos como bancos de desenvolvimento e mecanismos de reciprocidade, pelos quais “um subsídio tinha que ser vinculado a um padrão de desempenho” (p.4) – isto é, em troca de receber recursos públicos, as empresas precisavam cumprir determinadas metas, como investir em pesquisa tecnológica e aumentar as exportações.
O desenvolvimentismo foi antecedido por experiências embrionárias com a indústria, na forma de empreendimentos pré-modernos (firmas familiares), de imigrantes de regiões mais avançadas tecnologicamente ou da instalação de empresas no âmbito colonial, particularmente importantes no caso do Japão com diversos países asiáticos nas décadas de 1930 e 1940. O exemplo japonês foi o grande referencial para os países do “resto” que imitaram suas instituições e políticas públicas.
As iniciativas resultaram na criação de fábricas de larga escala e na formação de uma elite administrativa capaz de tocar projetos econômicos de vulto, tanto no Estado quanto no setor privado. Para Amsden, os países de industrialização tardia só avançaram porque contaram com o apoio do Estado desenvolvimentista, que ela define como aquele assentado sobre uma tecnocracia qualificada, com quatro instrumentos principais: bancos de desenvolvimento, exclusão seletiva, estímulo à formação de empresas nacionais e ao uso de conteúdo local, seja de matérias-primas ou cadeias de fornecedores nacionais (p.227). A exclusão seletiva diz respeito a escolher quais setores serão beneficiados, em função das necessidades estratégicas do país.
Assim começa a resenha que escrevi para o site Meridiano 47 - Boletim de Análise de Conjuntura em Relações Internacionais - editado por professores da Universidade de Brasília. Para ler o texto todo, clique aqui.
sexta-feira, 24 de julho de 2009
O Debate sobre Cooperação na África
Um dos projetos profissionais nos quais estou envolvido diz respeito à cooperação internacional na África, de modo que tenho me atualizado no debate sobre o tema, lendo pesquisas acadêmicas, relatórios do Banco Mundial, de programas da ONU, e me familiarizando com novos instrumentos como o Quadro de Trabalho Integrado elaborado por essas instituições para planejar o auxílio técnico ao comércio exterior.
Grosso modo, há três vertentes principais para a análise dos projetos de ajuda oficial ao desenvolvimento na África.
A otimista é capitaneada por Jeffrey Sachs. Centrada nas Metas do Milênio das Nações Unidas, afirma a possibilidade de erradicar a pobreza extrema no continente ao longo de uma geração, e destaca a necessidade de compromissos da comunidade internacional em fornecer os recursos financeiros exigidos para enfrentar os problemas de infraestrutura e de saúde pública.
A pessimista tem seu principal representante em William Easterly, hiper cético diante dos modelos teóricos e pacotes de auxílio que prometem crescimento e melhorias sociais, chamando a atenção para repetidos fracassos nesses projetos.
No meio termo - a meu ver, mais próximo a Sachs - está Paul Collier, que propõe instrumentos pelos quais os países desenvolvidos podem impor as reformas aos governos africanos, como a adoção de regras globais de governança e intervenções militares para manter acordos de paz e impedir recaídas em guerras civis/golpes. A diferença: Sachs está pautado pelo referencial da ONU, ao passo que Collier foca em mecanismos decisórios mais restritos - G-8 ou OCDE.
Collier frisa que a maioria dos países em desenvolvimento está, de fato, fazendo justiça à classificação. As exceções são o que ele chama de “bottom billion”, um conjunto de países da África (com membros eventuais de outros continentes, como Haiti e Afeganistão) que ficaram para trás e tem hoje dificuldades maiores de se integrar na economia global.
Os três expoentes do debate nasceram nos Estados Unidos ou na Inglaterra. São economistas, homens, brancos e com histórico profissional em universidades de ponta ou instituições multilaterais. Seu trabalho é de alta qualidade acadêmica, com reflexões interessantes, mas limitações evidentes, tais como o paternalismo ao qual se referem à África e ausência de análises profundas sobre tradições políticas, intelectuais e culturais do continente (fora anedotas sobre os aspectos mais grotescos da corrupção e da violência política).
Os autores que citei têm deixado em segundo plano o papel crescente das nações emergentes no desenvolvimento africano – sobretudo China e Índia, mas também o Brasil. O caso chinês ainda é mencionado de passagem, em geral para se queixar do apoio que Pequim dá a ditaduras como Zimbábue e Sudão, mas ignorando as iniciativas dos empresários privados chineses ao longo da região.
Ora, o dinamismo econômico internacional de hoje está justamente em nações como China e Índia. A regra do jogo mudou para a África e é natural que o continente olhe para as novas potências em ascensão em busca de mercados, capitais e tecnologia. E à procura de esquemas de cooperação mais adequados às suas necessidades, como o formato triangular que descrevi neste blog, há algumas semanas.
quinta-feira, 23 de julho de 2009
Impasse em Honduras
As negociações entre o presidente deposto Manuel Zelaya e o governo golpista de Honduras caíram num impasse perigoso, que pode degenerar facilmente em violência e na disseminação da crise para outros países da América Central, sobretudo Nicarágua.
O isolamento hondurenho se tornou mais intenso nos últimos dias, com a decisão das autoridades do país em se retirar da Organização dos Estados Americanos e a suspensão da ajuda econômica por parte da União Européia. A tática do governo golpista é - para citar reportagem da BBC:
"Tendremos elecciones generales para un nuevo presidente dentro de pocos meses. Y si estamos aislados durante cinco meses, bueno, pues pasaremos por ello. Mejor eso que estar bajo la agenda de Chávez durante los próximos 20 o 15 años", aseguró a la BBC Martha Lorene de Casco, sub-secretaria para asuntos exteriores del gobierno interino.
"Después de que se celebren las elecciones democráticamente, la comunidad internacional tendrá que dar un paso atrás, y reconocer al nuevo gobierno de Honduras", comentó Juan Ramón Martínez [diretor do jornal hondurenho La Tribuna].
O golpe em Honduras teve amplo respaldo das Forças Armadas, do Congresso e dos empresários. A popularidade de Zelaya é baixa – menos de 1/3 da população o apóia – o que torna sua situação bem mais difícil do que, digamos, a de Hugo Chávez em 2002, quando a mobilização social em Carcas conseguiu reverter a deposição do presidente.
A armadilha em que Zelaya caiu é que precisa dos aliados internacionais – em particular Hugo Chávez e Daniel Ortega, o presidente da Nicaragua – para ter esperanças de retornar ao poder. Mas são justamente tais vínculos externos as razões principais de sua rejeição em Honduras.
Zelaya optou por discursos inflamados, que ameaçam com o lançamento de uma insurreição armada no país. É claro que isso contribui para o medo e a incerteza da população, que ainda sofre com a censura e o toque de recolher. Seu comportamento também gera receios e apreensões nos Estados Unidos, que os governos da ALBA continuam a acusar de ter lançado o golpe, não obstante os esforços da administração de Obama em mediar a crise.
O impacto regional mais sério é na Nicaragua, onde o presidente Daniel Ortega lançou proposta para uma reforma constitucional que permita sua reeleição. O anúncio foi feito no aniversário de trinta anos da Revolução Sandinista, e serviu apenas para ilustrar a crise do antigo movimento rebelde. Muitos ex-combatentes romperam com o Ortega, sob acusações que vão da corrupção ao abuso sexual, e incluem temores sobre o futuro da democracia na América Central. Depois de Honduras, não se pode mais tomar como certo esse desfecho feliz.
quarta-feira, 22 de julho de 2009
Lieberman na América Latina
A visita à América Latina do ministro das relações exteriores de Israel, Avigdor Lieberman, é reativa, e procura conter a expansão da influência do Irã na região, sobretudo os projetos de cooperação na área de energia com os países da ALBA. Os objetivos são modestos, mas a viagem despertou enorme controvérsia, em função das posições políticas do chanceler.
Lieberman é a estrela em ascensão em Israel, por sua representação da imensa comunidade de imigrantes da ex-URSS e por suas opiniões nacionalistas intransigentes, contrárias ao processo de paz iniciado na década de 1990 e suspeitosas diante dos cidadãos israelenses de origem árabe.
Plataforma extremista que ganhou força com a insegurança dos eleitores diante do mau desempenho militar na guerra contra o Hezbolá, dos intermináveis conflitos da Segunda Intifada e do desenvolvimento do programa nuclear do Irã. No quadro de descrédito da liderança política tradicional, da fragmentação dos maiores partidos (Likud e Trabalhista), da dificuldade de consolidação da alternativa de centro (Kadima), O “Israel Nosso Lar” de Lieberman se tornou o aliado essencial de qualquer coligação que aspire ao poder.
É um tremendo posto para quem nasceu na Moldávia, uma das mais pobres das ex-repúblicas soviéticas, largou a escola na adolescência, trabalhou como segurança de boate e emigrou para Israel aos vinte anos. Como tantas vezes acontece com imigrantes, adotou uma versão extrema do nacionalismo – algo especialmente sensível para a comunidade oriunda da URSS, que muitos israelenses vêem com desconfiança, receosos de que seus membros tenham ido para o Oriente Médio mais por razões econômicas do que por motivos religiosos ou culturais.
As opiniões mais controversas de Lieberman dizem respeito ao seu tratamento dos árabes que são cidadãos de Israel – uma significativa minoria de 20% da população. Ele propôs a adoção de “juramentos de lealdade” para essas pessoas (e também para religiosos judeus que rejeitam o sionismo) e acusou colegas de parlamento de serem terroristas, em função de sua ascendência árabe.
Israel é bem mais diverso e pluralista do que a imagem que em geral se faz do país e Lieberman representa um segmento importante, mas não único, de sua população. Difícil acreditar que seu rechaço ao processo de paz tenha futuro, uma vez que terá que adotar compromissos com aliados fundamentais como os Estados Unidos e o Egito. Também há uma forte divergência do ministro com Obama, com relação ao futuro das colônias na Cisjordânia.
segunda-feira, 20 de julho de 2009
Democracia nos Andes
“Radical Democracy in the Andes”, da recém-falecida cientista política americana Donna Lee Van Cott, é pequena jóia de análise sobre as administrações municipais da zona rural da Bolívia e do Equador. Van Cott examina as relações entre movimentos sociais indígenas, partidos, ONGs e doadores internacionais, num panorama dinâmico em que se destaca o aumento da participação popular, mas com restrições quanto à permanência de práticas autoritárias, desigualdades de gênero, intensa polarização e instabilidade.
O período estudado são as décadas de 1990 e 2000. Nesta época plena de mudanças, houve inicialmente um amplo processo de descentralização administrativa, com mais responsabilidades sendo atribuídas aos governos municipais. O novo espaço foi aproveitado pelos movimentos sociais e as pequenas cidades elegeram em números crescentes vereadores e prefeitos de tais grupos – os bolivianos Movimento ao Socialismo de Evo Morales e o MIP de Felipe Quispe e os equatorianos Pachakutik e Amauta Yuyay.
Van Cott analisa diversos municípios e observa que numa região de instituições frágeis, a liderança pessoal importa. Os prefeitos que se destacaram foram os que construíram coalizões de apoio que atravessaram as linhas de divisão étnica (sobretudo entre indígenas e mestiços, são comunidades rurais com poucos brancos) e conseguiram aliados com recursos financeiros e técnicos em carência nas administrações locais, como ONGs internacionais, agências de cooperação e universidades. O contato pessoal dos políticos com suas bases e a ida aos distritos mais remotos também são fundamentais, porque diante da escassez de verbas os prefeitos andinos dependem da colaboração dos cidadãos para a realização de mingas (mutirões) para executar obras públicas.
Os dois principais partidos examinados por Van Cott – o MAS boliviano e o Pachakutik equatoriano – nasceram de um amálgama de movimentos sociais (sindicatos, cocaleiros, indígenas, grupos católicos vinculados à teologia da libertação) e um dos pontos altos de seu livro é mostrar as tensões entre as bases populares e os dirigentes. A eleição de Evo Morales e a breve e tumultuada participação do Pachakutik no governo do coronel Lucio Gutiérrez (2003-2005) criaram pressões por empregos, verbas e muitas desilusões e ressentimentos com relação ao comportamento dos líderes no inevitável jogo de barganhas da vida política.
Esses foram os trechos que mais me tocaram, porque refletem minha experiência nos últimos anos, em viagens de trabalho à Bolívia e ao Equador (as fotos acima foram tiradas por mim na cidade boliviana de El Ato, bastião das revoltas recentes). Pesquisei movimentos sociais nos dois países e entrevistei lideranças e militantes de base. Meu estudo sobre como são a chave para entender a dinâmica política da Bolívia foi premiado pelo Itamaraty e está publicado em livro.
Meu trabalho em terras equatorianas foi mais restrito, o que ficou de mais forte foi a entrevista que fiz em Quito com a ex-chanceler Nina Pacari (foto abaixo), uma das líderes do Pachakutik. Ela rompera havia pouco com o governo Gutiérrez e em nossa conversa foi possível perceber o fosso que se abriu rapidamente entre o coronel e seus antigos aliados. O que eu não previa – e que Van Cott explica muito bem – foi como a ruptura lançou o Packakutik numa crise da qual o partido jamais se recuperou. Quem se aproveitou dela foi uma sigla indígena evangélica, o Amauta Yuyay, e um tecnocrata que se valeu da confusão reinante para ascender como um foguete – o atual presidente, Rafael Correa.
Van Cott chama a atenção para os riscos que ameaçam a consolidação democrática nos Andes, como a extrema volatilidade eleitoral, que dificulta a implementação de reformas. Mais do que isso, os movimentos sociais da região foram formados em clima de enfrentamentos violentos e com frequencia se mostram pouco propensos a reconhecer a legitimidade de outras opiniões. A pressão pela coesão do grupo também pode levar ao conformismo e à intimidação, bem como a sub-representação de setores discriminados, como as mulheres.
Além da tensão entre movimentos e partidos, há um problema não resolvido na conjuntura estuda por Van Cott: a reeleição. Ela destaca a importância das lideranças individuais, mas ressalta as tradições indígenas de rotatividade dos cargos de chefia política. Da Bolívia a Honduras, esta é uma questão que está no epicentro das crises da América Latina.
quinta-feira, 16 de julho de 2009
Escudé, a Argentina e o Brasil
Recebi pela lista de discussão dos gestores o artigo “La Argentina y Brasil: cara a cara”, do historiador argentino Carlos Escudé. Publicado no La Nación há uma semana, o texto é uma comparação entre as trajetórias de desenvolvimento dos dois países, com foco em como ambos orquestraram a relação com os Estados Unidos. O argumento de Escudé é que o Brasil prosperou porque estabeleceu uma parceria construtiva com os americanos, ao passo que os argentinos teriam nos conflitos com a superpotência uma das causas de seu declínio econômico ao longo do século XX. O artigo me trouxe ótimas lembranças da entrevista que fiz com o historiador quando morei em Buenos Aires e pesquisava para minha tese de doutorado sobre o realismo periférico, a doutrina de política externa de Menem, da qual Escudé foi um dos principais formuladores.
Há grande admiração entre os acadêmicos argentinos pelo modo como o Brasil conseguiu implementar políticas públicas de longa duração em campos-chave como a promoção do desenvolvimento e a diplomacia. Com freqüência essa apreciação se torna algo exagerada, idealizando as realizações brasileiras e ignorando os aspectos mais problemáticos e falhos da história do país. Natural, o jardim do vizinho sempre é mais verde.
Escudé é o expoente de uma série de autores que nas décadas de 1980 e 1990 escreveram livros muito críticos da história argentina contemporânea. Contrários igualmente aos peronistas e às ditaduras militares, esses acadêmicos culpavam tais governos por ter implementado políticas econômicas ineficientes e desenvolvido relações diplomáticas catastróficas, culminando na guerra das Malvinas, no conflito com o Chile pelas ilhas do Canal de Beagle, e nas desconfianças e hostilidades com os Estados Unidos e o Brasil.
Para Escudé, a sucessão de erros argentinos teria começado na Segunda Guerra Mundial, quando os governos optaram pela neutralidade (e uma simpatia mais do que ocasional pela Alemanha nazista). Em constraste, o Brasil reconheceu a ascensão dos Estados Unidos como superpotência e a ela se alinhou, enviando tropas para lutar na Europa e recebendo benefícios como o auxílio para instalar indústria siderúrgica nacional. A aliança com os EUA nos campos de batalha fora cimentada quarenta anos antes, durante a longa gestão do Barão do Rio Branco à frente da chancelaria brasileira.
A crítica à política externa argentina durante a guerra é bastante difundida por acadêmicos de diversas matizes, mas o que Escudé e seus colegas do realismo periférico deixaram de notar é que a relação entre Estados Unidos e Brasil rapidamente se deteriorou após o conflito, quando a importância estratégica brasileira se reduziu muito. Em grande medida, a história diplomática do Brasil das décadas de 1950 a 1990 é a do progressivo afastamento dos EUA, com a busca de papéis mais independentes na América Latina e na África, e divergências sérias por temas como energia nuclear, mar territorial de 200 milhas, direitos humanos e comércio exterior.
Após as reformas econômicas dos anos 90, a relação melhorou, mas ainda assim uma certa cautela do Itamaraty frente aos Estados Unidos continuava a predominar, fato que às vezes exasperava meus interlocutores argentinos. Um ex-ministro de Menem que entrevistei para a tese desabafou comigo (com socos na mesa) sua frustração diante das negativas brasileiras às “relações carnais” que a Casa Rosada queria estabelecer com Clinton: “O problema é que o Brasil de Cardoso não era mais o Brasil de Osvaldo Aranha”. Bem, muita coisa mudou desde a década de 1940...
As atuais relações calorosas entre Brasil e Estados Unidos têm espantado muitos dos meus amigos na América espanhola, e não pouco dos meus conterrâneos. Washington trata o país como um interlocutor em grandes temas globais, da mudança climática ao comércio internacional, passando até pelas negociações com o Irã. E para Obama, Lula é “o cara”, o político mais popular do planeta. Diversos analistas argentinos se desesperam, ao fazer a comparação com as crises diplomáticas em que os Kirchner envolveram seu país.
Contudo, há que se manter certas reservas com respeito aos triunfalismos nacionalistas. O Brasil pode ser uma história de sucesso em vários aspectos, mas a Argentina tem melhores indicadores sociais em todas áreas, e uma vida cultural muito mais rica e diversificada. Penso também que resolveram melhor certos aspectos de sua política externa, em particular a promoção dos direitos humanos e da democracia. Enfim, todo país tem muito a aprender, e pelo menos alguma coisa a ensinar.
quarta-feira, 15 de julho de 2009
Primárias e Plebiscitos
Nas últimas semanas o tema da democracia na América Latina anda em debate, em função do golpe em Honduras. Com a ênfase nas preocupações trazidas pela quartelada em Tegucigalpa, pouco se falou em algo mais discreto, embora importante, no Uruguai. Me refiro à realização das primárias nos principais partidos, e aos plebiscitos sobre a anulação da Lei de Anistia e o fim da criminalização do aborto. A disputa presidencial e as consultas populares ocorrerão no dia 25 de outubro.
O sistema político uruguaio é, ao lado do chileno e do costa-riquenho, o mais estável da América Latina. Os partidos Nacional e Colorado existem desde o século XIX. Na década de 1970 foi criada a Frente Ampla, que reúne várias agremiações de esquerda, e que conquistou em 2004 a presidência do país. Desde 1999 as três siglas realizam eleições primárias para definir seus candidatos às disputas presidenciais, à semelhança do que acontece nos Estados Unidos. Faz a gente pensar nas práticas autoritárias que prevalecem em muitos países da região, onde tais decisões são tomadas pelos cardeais partidários a portas fechadas.
Os candidatos selecionados pelos uruguaios refletem a pluralidade ideológica do país. O presidenciável da Frente Ampla é o senador José Mujica (foto abertura), ex-guerrilheiro dos Tupamaros, preso e torturado durante a ditadura. Pelo Partido Colorado, o candidato é Pedro Bordaberry – filho do presidente civil que liderou a marcha uruguaia para o autoritarismo, ao aceitar a tutela das Forças Armadas para combater os Tupamaros. Pelo Nacional, é o ex-presidente Luis Alberto Lacalle (abaixo), um conservador associado às reformas liberais da década de 1990.
As pesquisas indicam uma disputa acirrada entre Mujica e Lacalle, com novidades interessantes como a importância do voto dos uruguaios que vivem no exterior – cerca de 750 mil, num país com pouco mais de três milhões de habitantes. Muitos deixaram o Uruguai durante a grave crise do início da década, e agora há um movimento de retorno, em função da catástrofe econômica na Europa.
As eleições presidenciais serão em outubro, e junto com elas ocorrerão dois plebiscitos. Um é para fazer com o que o aborto deixe de ser crime (embora não o legalize). A medida tinha sido aprovada pelo Senado, mas vetada pelo presidente Tabaré Vázquez. O tema vem sendo debatido há cinco anos no Uruguai e divide a Frente Ampla. Polêmicas à parte, o país tem avançado bastante na legislação que diz respeito a questões como o tratamento de transexuais no serviço público e no combate à discriminação por orientação sexual.
O outro é para decidir sobre a anulação da Lei de Anistia, negociada com os militares na transição da ditadura para a democracia. Os uruguaios agora têm a possibilidade de revogá-la, e aumentar os processos (já há alguns em curso) contra autoridades que torturaram e mataram durante o regime autoritário. Até o ex-ditador do país foi preso recentemente, aliás durante uma visita minha a Montevidéu. Não me esqueço das pessoas comemorando nas ruas. Naturalmente, há influência das mudanças na política de direitos humanos na Argentina e no Chile, mas também o resultado da consolidação democrática no próprio Uruguai.
Contudo, meus amigos uruguaios estão indecisos com relação ao plebiscito, questionando se é boa idéia rever uma decisão tomada há tanto tempo. A opinião pública está mais favorável. A ver.
terça-feira, 14 de julho de 2009
segunda-feira, 13 de julho de 2009
A Invenção da Argentina
Entre Rosas y Sarmiento, Don Segundo y Martín Fierro
la barbarie y los modales europeos
el país de los inventos, Maradona,
los misterios del lenguaje metafísico del gran resentimiento
Bienvenidos inmigrantes a ese paraiso errante
Fito Páez, La Casa Desaparecida
O historiador americano Nicholas Shumway chegou à Argentina em meados da década de 1970, para pesquisar para sua tese de doutorado sobre Borges. Encontrou um país polarizado entre peronistas e conservadores, às vésperas de sua mais sangrenta ditadura militar – até sua faxineira entrou na polêmica, dizendo que ele jamais entenderia a Argentina se ficasse conversando com Borges, e o levando para ver sua mãe colecionadora de fotos de Evita. Fascinado e assustado com o que encontrou, Shumway terminou por buscar no século XIX as raízes do radicalismo político do país, e expôs suas reflexões no livro “A Invenção da Argentina”, que agora as editoras da USP e da UnB lançam no Brasil.
Shumway examina o pensamento dos principais intelectuais e líderes políticos da Argentina entre 1810 e 1880, identificando duas grandes correntes de “ficções-diretrizes”, um conjunto de pressupostos que tinha como objetivo construir um modelo de nação. A primeira é o liberalismo, centrado na elite de Buenos Aires, que mirava a Europa como o paradigma do que deveria ser feito na Argentina e defendia um Estado centralizado sob controle portenho. A segunda é o nacionalismo, em suas várias vertentes, que preconizava a valorização da cultura popular, dos gauchos e às vezes dos indígenas, rejeitava o ideal europeu e se voltava para a América do Sul, enquanto se batia por um regime federativo mais atento às necessidades das províncias do interior.
Os liberais foram a corrente hegemônica dos homens que fizeram a independência e boa parte do processo de construção do Estado: Mariano Moreno, Bernadino Rivadavia, Bartolomeu Mitre, Domingos Sarmiento e Juan Batista Alberdi. Os nacionalistas tiveram seus expoentes em Juan Rosas, o homem forte da Argentina nas décadas de 1830 a 1850, em caudilhos regionais como Artigas, Güemes, Urquiza e nos poetas da tradição gauchesca, como Bartolomeu Hidalgo e José Hernandez, o criador do épico de Martin Fierro.
Uma e outra vertente resultaram em governos autoritários e repressivos, que negavam legitimidade à oposição e perseguiam opositores. Shumway traça analogias assustadoras entre os conflitos ideológicos do século XIX e aqueles que dividiram a Argentina cem anos mais tarde. Algumas soam um tanto forçadas – violência política, afinal, é algo comum em toda parte, e é difícil atribuir sua ocorrência a uma determinada tradição intelectual.
Com ou sem exageros, o leitor se surpreende com a relevância e atualidade dos temas tratados por Shumway. Em alguns momentos, tinha a impressão que ele comentava o noticiário cotidiano, como o golpe em Honduras ou as controvérsias sobre o MERCOSUL.
Shumway faz breve menção, no prefácio, à possibilidade de pesquisas comparadas sobre as invenções da Argentina e do Brasil. E, de fato, uma agenda desse tipo vem sendo desenvolvida em excelentes livros e artigos pelo cientista político brasileiro Bernardo Ricupero, da USP.
sexta-feira, 10 de julho de 2009
O Feitiço de Áquila
O G-8 se reuniu em Áquila, na Itália, e tentou conjurar um feitiço: manter o prestígio de épocas passadas, e oferecer aos grandes países emergentes a honraria de se juntar às reuniões, como convidados especiais. O problema é que a magia já se dispersou. Sem a participação constante da China e da Índia, não é possível alcançar acordos sobre as mais relevantes questões globais, como ficou claro pelo fracasso de um compromisso para conter a mudança climática. Qual a lógica de excluir esses dois gigantes e manter, por exemplo, a Itália - que de tão desfuncional tem sua expulsão do G-8 cogitada pelos outros membros do grupo?
A agenda do encontro foi ambiciosa: crise econômica global, mudança climática, pacote de desenvolvimento para a África e esforços de concertação diplomática para lidar com os conflitos asiáticos (Irã, Coréia da Norte, Afeganistão e Paquistão). Ninguém questiona a relevância dos temas. O problema é que são melhor abordados em outros fóruns, mais amplos, como o G-20, a OTAN, a COP-15 em Copenhague etc. O máximo que o G-8 conseguiu foi reafirmar compromissos adotados em outras instâncias, ou anunciar referenciais como a meta de evitar que a temperatura mundial se eleve acima de 2º C.
O símbolo mais expressivo da progressiva perda de influência do G-8 foi a saída repentina da China (que participava como convidada especial, junto ao Brasil, Índia, México e África do Sul) cujo presidente precisou retornar às pressas para o país, alarmado pela escalada da violência étnica na região de Xinjiang. Talvez a França tenha sido a nação do G-8 que melhor se adaptou ao novo cenário, propondo junto com o Brasil uma aliança pela mudança, para reformar as instituições de governança internacional. O presidente Lula, sempre adepto do soft power, distribuiu camisas da seleção brasileira de futebol. Obama parece não ter gostado muito, quiçá pelo resultado da Copa das Confederações...
O primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi deu pausa em seus escândalos sexuais com prostitutas e modelos menores de idade e optou por realizar a cúpula do G-8 em Áquila, a cidade devastada por um terremoto há poucos meses. Deve ter sido uma tentativa de metáfora sobre retomada da recuperação econômica, mas acabou como um cenário adequado para um mundo em crise. Aliás, manifestantes locais aproveitaram para um criativo protesto sobre a falta de moradias e de apoio do governo para reconstruir suas casas: “Yes, we camp” (Sim, acampamos) faz um trocadilho com o slogan de campanha de Obama, “Yes, we can” (Sim, podemos).
Agora é esperar a próxima cúpula do G-20, em setembro, na cidade de Pittsburg, nos Estados Unidos. Provavelmente não haverá tanto bom humor, mas quem sabe as decisões sejam mais efetivas.
quinta-feira, 9 de julho de 2009
Sob a Névoa de McNamara
Fiquei surpreso com o pouco destaque que a imprensa dos Estados Unidos deu à morte do ex-secretário de Defesa Robert McNamara. Não esperava, claro, que fosse uma cobertura comparável àquela dedicada a Michael Jackson, mas os obituários discretos de McNamara me levam a pensar que se trata de um mal estar da sociedade americana com o fantasma das guerras passadas, questões não resolvidas do Vietnã que voltaram para assombrar os conflitos no Iraque e no Afeganistão. Afinal, simultaneamente à morte do ex-secretário, a retirada das tropas americanas das cidades iraquianas foi realizada em meio a uma onda de violência, e as forças da OTAN lançaram ofensiva contra os Talibãs no vale de Helmand.
McNamara encarna os vícios e virtudes da primeira geração de tecnocratas a exercer postos de chefia no Estado americano. Introduziram métodos modernos de administração, oriundos das escolas de negócios mais prestigiadas (Stanford e Harvard no caso do ex-secretário), da iniciativa privada (Ford) e almejaram a racionalização da máquina pública. O movimento começou com o “brain trust” de Franklin Roosevelt, mas alcançou as maiores dimensões no governo Kenendy, com aquilo que o jornalista David Halberstam batizou, ironicamente, de “os melhores e mais brilhantes”. O sarcasmo vem do fato de que os técnicos mais competentes e bem preparados conduziram o país à tragédia do Vietnã.
McNamara comandou boa parte do envolvimento americano no conflito, como secretário de Defesa nos governos Kennedy e Johnson. Deixou a administração em 1968 e foi presidir o Banco Mundial, numa longa gestão que durou até a década de 1980. Mas para o bem e para o mal, seu período à frente do Pentágono foi a época definidora de sua vida.
O que diferencia McNamara de outros líderes políticos controversos da Guerra Fria foi seu esforço sincero em entender as causas de seus erros. Seu processo de arrependimento público foi longo, e se estendeu pelas décadas de 1990 e 2000. Começou com a publicação de suas memórias, “In Retrospect: the tragedy and lessons of Vietnam”. Esforço ainda tíbio, no estilo tecnocrata que consagrou o autor. O leitor sente que falta algo no livro: calor, emoção, carne, sangue. Vida, enfim.
O mais próximo que McNamara chegou da redenção foi sua participação no excepcional documentário: “Sob a Névoa da Guerra: 11 lições da vida de Robert McNamara”, dirigido por Errol Morris. É uma reflexão dolorosa e riquíssima sobre sua experiência como oficial militar e dirigente político em episódios decisivos do século XX: a Segunda Guerra Mundial, a crise dos mísseis cubanos e, claro, o Vietnã. Ao final, fica a lição mais valiosa e surpreendente para o tecnocrata-mor: a racionalidade não vai nos salvar. A realidade é complexa demais, e as decisões são tomadas “sob a névoa da guerra”, em condições muito, muito, imperfeitas de informação, pressa, e interpretadas de maneira errônea com todo tipo de preconceito e distorção.
Não é pouco para os dias que vivemos, e é difícil imaginar Bush, Cheney ou Rumsfeld numa autocrítica semelhante. Talvez por isso o obituário mais simpático a McNamara tenha sido escrito pelo cineasta Errol Morris, que lembra o trabalho que realizou com o ex-secretário.
Será que McNamara será perdoado? Será que ele merece?
quarta-feira, 8 de julho de 2009
A Democracia Equilibrista
No fim de semana eu conversava com um amigo sobre como o golpe em Honduras e os conflitos envolvendo Chávez trazem de volta cenas do radicalismo ideológico da Guerra Fria. Enquanto caminhávamos, fomos abordados por um rapaz que tentou nos vender o que alardeou como “um jornal comunista”. Caímos na risada diante do inesperado “como queríamos demonstrar”. Anedotas à parte, vivemos outra época, uma que abre possibilidades mais interessantes. A crise hondurenha ilustra os avanços e limitações deste novo cenário.
Começando pelos pontos positivos:
- Rejeição internacional unânime ao golpe, com atuação rápida da Organização dos Estados Americanos e cooperação das organizações financeiras internacionais (Banco Mundial e BID), que suspenderam os créditos ao país.
- Mudança de atitude do governo dos Estados Unidos, que condenou os golpistas - ao contrário do que fizera, por exemplo, na Venezuela em 2002 - e empreendeu esforços para negociar uma solução. Ainda assim, Washington não foi tão longe quanto latino-americanos e alguns europeus, que retiraram embaixadores e preconizaram sanções.
Aspectos negativos:
- O isolamento internacional dos golpistas não interrompeu a violência. Ao toque de recolher se seguiram outras medidas repressivas, como prisões ilegais, censura e mortes em manifestações de rua.
- Presença de consideráveis bolsões autoritários na opinião pública da região, com jornais de prestígio nos EUA e na América Latina defendendo o golpe como alternativa ao chavismo. O argumento mostra como a lógica da Guerra Fria continua forte. Como é difícil a consolidação de valores democráticos!
- Contradições entre as posições dos membros da OEA: em defesa da democracia em Honduras, com a suspensão do governo golpista, mas ao mesmo tempo votando pelo retorno de Cuba à organização, cometendo práticas autoritárias em seus próprios países, ou relevando-as em nações fortes. O problema afeta a vários atores envolvidos na crise – o que vale para Tegucigalpa não se aplica a Havana, Teerã ou Xinjiang.
Os golpistas hondurenhos apostam no prolongamento das negociações com a comunidade internacional, visando a evitar sanções econômicas (o país depende das remessas de emigrantes e da exportação de banana, café e têxteis) e se manter no poder pelo tempo necessário para organizar novas eleições e impedir o retorno de Zelaya.
No início da crise, analistas apontaram que os acontecimentos seriam uma vitória de Chávez e da ALBA. Essa posição foi defendida por inimigos do chavismo, que a usavam para criticar as ações do governo Obama, que julgaram negligente e fraco. A meu ver, o resultado foi outro e o golpe hondurenho tem mostrado os limites do projeto da ALBA: até os partidários de Zelaya temem a associação com Chávez e a polarização que seu nome desperta. As bravatas sobre intervenção militar em Honduras se esvaziaram depois da exibição aérea no aeroporto da capital. Para desatar o nó do conflito, a intermediação dos Estados Unidos se mostra decisiva, o que indica o acerto da moderação adotada por Obama.
terça-feira, 7 de julho de 2009
Jean Charles
O filme “Jean Charles” mistura ficção com elementos de documentário para mostrar a vida dos brasileiros que vivem no exterior, tendo como catalizador a história do rapaz morto pela polícia britânica, ao ser confundido com um terrorista. O ponto alto da produção é mostrar um universo ainda pouco retratado no cinema nacional, mas há deficiências no roteiro e na atuação do elenco, que mistura atores profissionais e amadores.
Selton Mello interpreta o papel título como um sujeito que sabe se virar, e que usa vários truques para sobreviver e prosperar. Ele critica os conterrâneos que só pensam em trabalhar e afirma querer viver a vida. Mas traz sempre consigo um ar melancólico, uma tristeza que insiste em não desgrudar. Talvez seja menos uma intenção proposital do ator e mais o reflexo da depressão que sofreu durante as filmagens. Seja como for, suas melhores cenas são as que retratam os momentos difíceis do personagem.
Para introduzir os espectadores no universo dos emigrantes brasileiros, o diretor Henrique Goldman – ele próprio, radicado na Inglaterra – optou pelo truque de fazer Jean Charles recepcionar uma prima, Viviane (Vanessa Giácomo) a quem explica as artimanhas para ir levando as coisas quando a saudade bate. Os dois dividem um apartamento com um amigo e uma prima.
A Londres mostrada no filme é uma metrópole cinzenta e multicultural, curiosamente desprovida de ingleses – quase todos os personagens que cruzam o caminho de Jean Charles são brasileiros do circuito dos emigrantes, ou então outros estrangeiros que também tentam a sorte na Inglaterra. O enredo é centrado nas alegrias e tristezas da (des)adaptação, com a tensão latente crescendo aos poucos, por meio do noticiário sobre atentados, bombas e ameaças terroristas.
Os episódios que levaram à morte de Jean Charles são bem conhecidos e abordados apenas de passagem no filme, que se concentra no impacto dos acontecimentos sobre seus parentes e amigos. A história é triste, em especial porque termina em impunidade – nenhum policial foi condenado pelo crime – mas mantém uma nota de esperança, que se manifesta na personagem de Vanessa Giácomo.
segunda-feira, 6 de julho de 2009
A Batalha pela Alma da África do Sul
Eu procurava um livro com bom panorama da África do Sul contemporânea, pós-apartheid. Encontrei. “Bring Me My Machine Gun – the battle for the soul of South África”, do jornalista britânico Alec Russell, condensa sua experiência como correspondente do Financial Times e seu convívio com os principais líderes do país. Muito bem escrito e com excelentes percepções sobre as coisas boas e ruins que tem acontecido na nação do arco-íris – algo que o destaca da literatura recente, bem mais pessimista.
A eleição de Mandela despertou enormes expectativas de uma “renascença africana” capitaneada pela África do Sul, o Estado mais rico da região. É claro que a maioria delas não se concretizou, e que a longa noite do apartheid tem se mostrado mais difícil de ser dissolvida do que se imaginava. Contudo, houve progressos significativos. A democracia foi implementada com sucesso, com sistema multipartidário, imprensa e sindicatos livres, e sociedade civil organizada e contestadora. A economia cresceu às taxas mais elevadas desde a Segunda Guerra Mundial. Políticas de ação afirmativa criaram uma classe média negra.
Os avanços foram contrabalanceados por problemas sérios. O partido de Mandela, o Congresso Nacional Africano, envolveu-se em numerosos escândalos de corrupção e tem se mostrado bastante autoritário, pouco propenso a aceitar críticas, com freqüência acusando a oposição de racista. Ironicamente, o CNA absorveu seu velho rival do apartheid, o Partido Nacional, mas enfrentou seu primeiro racha, com a formação do COPE, fundado por militantes que não aceitaram a polêmica liderança do novo presidente, Jacob Zuma.
A política econômica acalmou os empresários ao adotar os cânones liberais, mas não atraiu muitos investidores externos (há mercados emergentes mais estáveis e prósperos). O progresso de empreendedores negros beneficiou uma minoria, e as desigualdades sociais e étnicas do país cresceram no pós-apartheid. A ação afirmativa foi mal implementada em diversos casos, em particular no serviço público, resultando em deficiências de funcionários qualificados em áreas-chave para o país, agravada por ampla emigração de brancos de formação universitária. Há campos explosivos que podem degenerar em sérios conflitos sociais, como a questão agrária.
As duas maiores catástrofes provavelmente são o aumento do crime e a epidemia de AIDS. Russell aponta com precisão o legado de anarquia do apartheid, quando os cidadãos negros não confiavam na polícia e passaram a recorrer a grupos de vigilantes, milícias e linchamentos. No entanto, acho que ele não a importância devida aos crimes sexuais, que merecem análise mais aprofundada pelo que mostram da fragilidade das mulheres na sociedade local. Quanto à AIDS, Russell conta em detalhes como os diversos líderes políticos sul-africanos falharam em lidar com a doença, em grande medida pelos preconceitos que ela desperta junto aos mais pobres, em especial na zona rural.
Outro bom momento do livro é o capítulo a “sombra do Zimbábue”. Russell a examina não só como o fracasso retumbante da política externa sul-africana em lidar com a promoção da democracia na região, mas também como uma espécie de espelho distorcido que mostra como a relativa estabilidade obtida na era pós-apartheid pode degenerar na tirania, caos econômico e ódio racial do país vizinho.
O livro consegue o equilíbrio entre as entrevistas do autor com os presidentes Mandela, Mbeki e Zuma (foto que abre o post) e as histórias cotidianas que mostram as transformações em curso no país. Russell é um analista político primoroso e seu livro ilumina a personalidade complexa e atormentada de Mbeki, e os riscos que o carismático Zuma leva para a presidência da República.
sexta-feira, 3 de julho de 2009
O Desafio das Políticas Públicas
Enquanto aguardo a resolução da crise em Honduras, atendo a pedido que me foi feito por leitor do blog e trato do concurso para Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Trata-se da carreira do funcionalismo federal na qual ingressei em 2008 e que agora abre 100 vagas, com excelente salário. O trabalho dos gestores de políticas públicas – como somos chamados – ainda é pouco conhecido fora de Brasília e quem sabe possa interessar a algum de vocês.
A carreira foi criada em 1989, como parte dos esforços da Nova República para modernizar a administração pública no contexto da redemocratização. Devido às sucessivas crises econômicas, concursos freqüentes só começaram a ocorrer dez anos mais tarde, e os aumentos salariais são ainda mais recentes. A carreira foi inspirada na tecnocracia francesa, com o objetivo de fornecer técnicos governamentais para ocupar cargos de direção e de assessoramento de alto nível, em quaisquer ministérios, autarquias ou demais órgãos públicos. Essa flexibilidade é um dos principais atrativos de ser gestor, pois permite realizar atividades significativas em diversas áreas da política pública.
O concurso envolve provas de múltipla escolha de português, inglês, economia, direito constitucional e administrativo, raciocínio lógico, ciência política e administração. Há uma segunda fase com exames discursivos sobre políticas públicas e gestão governamental, e uma terceira com o curso de formação na Escola Nacional de Administração Pública (no meu caso, seis meses de aulas). Não é uma seleção fácil, mas também nada tem de impossível, como às vezes se diz por aí. O que é necessário é se preparar adequadamente, procurando livros e apostilas especializados.
Se você tem certa experiência com concursos públicos, achará o conteúdo das provas de múltipla escolha bastante semelhante ao que é exigido em outras seleções para o funcionalismo federal. Por exemplo, você pode estudar para os exames de direito lendo os tratados clássicos da área, como o de Alexandre de Moraes (constitucional) e o de Maria Sylvia di Pietro (administrativo). Manuais do tipo “raciocínio lógico/economia” para concursos são úteis, em particular aqueles dedicados às provas da Escola de Administração Fazendária – que organiza a seleção para gestor e costuma ser constante no que exige dos candidatos, com provas parecidas de ano a ano.
As maiores dificuldades do concurso estão na prova de ciência política e nas discursivas, que são abrangentes com relação ao conteúdo especializado que cobram. Minha dica é procurar ler panoramas de filosofia política e teoria geral do Estado, com ênfase contratualistas (Hobbes, Locke, Rousseau) e nos neo-marxistas (Poulantzas, Offe, O´Connor). A última sugestão pode soar inusitada. Explico: são acadêmicos que refletiram sobre a autonomia (relativa, por certo) que o Estado desfruta diante das classes sociais e grupos de pressão.
No que toca à gestão governamental, é preciso conhecer bem os três principais processos de reforma do Estado na história brasileira: o de Vargas, o da ditadura militar e o de Bresser-Fernando Henrique Cardoso. E também estudar as iniciativas de menor escala desenvolvidas por JK e por Sarney.
Quanto às políticas públicas, a melhor fonte é a famosa coletânea azul publicada pela Escola Nacional de Administração Pública, que reúne textos clássicos da área. Diga-se de passagem que é uma especialização acadêmica muito interessante e ainda pouco desenvolvida no Brasil, apesar de urgente e necessária.
No mais, estou à disposição no que puder ajudar. Minha avaliação é que a carreira de gestor é uma das mais atraentes no serviço público e com certeza precisamos de sangue novo, gente com disposição, idéias e experiência em outros setores profissionais. Quem sabe você não é uma delas? Espero que em breve possamos trabalhar juntos, pois não faltam desafios (palavra-código para problemas!) na gestão das políticas públicas brasileiras.
quarta-feira, 1 de julho de 2009
O Golpe em Honduras e a ALBA
O golpe de Estado desfechado em Honduras no domingo é uma crise internacional cujo cerne é a radicalização ideológica em diversos países andinos e centro-americanos entre o projeto político da Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA), e as reações violentas que essa iniciativa desperta. A boa notícia foi o raro repúdio unânime ao golpe: OEA (incluindo os Estados Unidos), União Européia, ONU. Todos defenderam a democracia e isolaram diplomaticamente os golpistas.
O presidente hondurenho, Manuel Zelaya, se inspirou em Hugo Chávez e propôs um plebiscito para instalar uma assembléia constituinte. A Suprema Corte declarou o plebiscito ilegal – a Constituição hondurenha proíbe o uso desse mecanismo para reformas constitucionais - mas o presidente determinou que as preparações continuassem mesmo assim. A crise havia se agravado nas últimas semanas, quando Zelaya exonerou o chefe do Estado-Maior do Exército e o ministro da Defesa. Os militares depuseram o presidente, que foi enxotado para a Costa Rica, e logo o Congresso apontou um substituto para ocupar o cargo até 2010.
Zelaya não é o típico chavista. É empresário, grande proprietário de terras, e foi eleito presidente pelo conservador Partido Liberal, com uma plataforma centrada em contenção dos gastos públicos e combate ao crime. Foi apenas na segunda metade de seu mandato que resolveu apostar nos ventos andinos, sem conseguir, contudo, se tornar um mandatário de grande aceitação popular.
A ALBA foi criada por Chávez há cinco anos, como uma série de acordos de cooperação baseados na venda de petróleo venezuelano a preços baixos. O “A” significava Alternativa, mas em junho de 2009 passou para “Aliança”, justamente para representar a ampliação do projeto inicial. Atualmente, a ALBA é formada por nove países (Antigua, Bolívia, Cuba, Equador, Honduras, Nicarágua, República Dominicana, São Vicente e Granadinas, Venezuela,) totalizando cerca de 80 milhões de habitantes. Tem demonstrado capacidade agir em bloco em fóruns regionais, como na resolução da OEA que cancelou a suspensão de Cuba, nas críticas ao presidente peruano Alan García pela repressão aos movimentos indígenas, e agora no apoio ao presidente hondurenho deposto.
O golpe em Honduras parece a reedição de velhos pesadelos latino-americanos, mas está ausente o clima maniqueísta da Guerra Fria que permitia a esse tipo de manobra prosperar. Houve, de fato, golpes bem-sucedidos na região nas décadas de 1990 e 2000 – como no Peru de Fujimori ou na deposição de Jean-Bertrand Aristide no Haiti. Mas foram as exceções. As três tentativas na Venezuela (1992 e 2002) fracassaram e crises muito graves na Bolívia e no Equador não degeneraram em quarteladas, como teria acontecido no passado.
Pesquisas recentes mostram que em média houve apenas três golpes de Estado por ano no mundo após a queda do Muro de Berlim. O número chegou a ser quatro vezes maior do que isso, no auge da Guerra Fria (gráfico acima).
Além da diminuição das ocasiões da ruptura institucional, a pesquisa também mostra que governos que resultam de golpes tendem a durar menos do que no passado – 2/3 não chegam a completar cinco anos, o que é muito diferente do padrão estabelecido por, digamos, um Pinochet ou Somoza. Ou Fidel, diriam outros...
Enquanto escrevo, não está claro o desfecho da crise. Zelaya prometeu voltar a Honduras, e os golpistas ameaçam prendê-lo caso faça isso. Houve protestos a favor do presidente deposto, reprimidos com violência. Aguardemos os resultados.
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