terça-feira, 22 de setembro de 2009

Che - a Guerrilha



A primeira parte do épico de Steven Soderbergh sobre Che Guevara me deixou com sentimentos ambíguos: admiração por ele ter levado ao cinema uma parte importante da história da América Latina, irritação com o modo “realismo socialista” que o diretor usou para narrar a saga de Ernesto. A segunda metade, “Che – a Guerrilha”, conta o fracasso maior do revolucionário, a tentativa de lançar uma guerrilha na Bolívia. A sucessão de erros mostra um Guevara mais humano do que no outro filme, os pontos negativos são a visão simplista da política boliviana e a falta de atenção para personagens fascinantes que participaram da luta armada iniciada pelo Che.

Soderbergh retrata a Bolívia como um país miserável e títere dos Estados Unidos, com camponeses abandonados vivendo à margem da História. Na realidade, o país possui uma tradição revolucionária própria, que nada deve à cubana, embora seja bem diferente. Na ilha caribenha, predominavam os levantamentos armados, ao passo que na nação andina os movimentos contestatórios mais fortes eram o sindicalismo mineiro e rural, sendo que esse último tinha uma relação complicada com a questão indígena, tratando-a mais pelo prisma das classes sociais do que pelos aspectos étnicos e culturais. Que diabos, leia meu ensaio sobre o tema, publicado pelo Itamaraty.

Quando Guevara chegou à Bolívia, o país vivia sob a ditadura do general René Barrientos. Ele era um oficial carismático, profundo conhecedor do meio rural, que falava quéchua com fluência e havia mediado com sucesso um conflito armado entre camponeses e sindicalistas, nos anos turbulentos após a Revolução de 1952. Houve reforma agrária ampla, sobretudo no Altiplano, e a extinção das formas mais abusivas de exploração da mão-de-obra indígena. Era um péssimo cenário para fomentar uma guerrilha, ainda mais sob a liderança de um estrangeiro, num país que vivia em ebulição nacionalista desde a década de 1930.



O filme retrata bem as dificuldades de Guevara para lidar com os camponeses e a falta de apoio que recebeu do partido comunista local, mas passa por alto por alguns de seus colegas de armas mais fascinantes, como Haydée Tamara Bunke Bider (Tânia, vivida pela atriz Franka Potente) uma argentina que executou diversas missões de espionagem para a Alemanha Oriental e Cuba. Bonita, inteligente e misteriosa, continua até hoje a ser uma figura polêmica. Aparentemente, ela teve um caso com o general Barrientos, e talvez com o próprio Guevara.

Outro personagem que merecia mais destaque é o do escritor francês Régis Debray, que visitou Che na Bolívia e acabou capturado pelo Exército. Sua trajetória era uma boa oportunidade para refletir sobre os descaminhos das relações entre os intelectuais e as utopias revolucionárias da década de 1960. O pintor argentino Ciro Bustos faz uma breve aparição no filme, que poderia ser maior, em especial porque é interpretado pelo excelente ator Gastón Pauls.

Em vez de isso, a maior parte do filme é focada no jogo de gato e rato do Exército perseguindo os guerrilheiros pela selva boliviana. O efeito assusta, mas também é um tanto tedioso, as emboscadas são todas parecidas. Gostaria de menos tiroteios e mais concentração nos personagens.

6 comentários:

luizgusmao disse...

os descaminhos das relações entre os intelectuais e as utopias revolucionárias da década de 1960

mas esse fascínio ainda continua, não? vide o "entreatos" do moreira sales e o último filme do oliver stone sobre chávez.

Maurício Santoro disse...

Salve, Luiz.

É certo que continua o fascínio dos intelectuais por políticos radicais, anti-sistema, "contra tudo que aí está", mas estamos num nível bem inferior em termos de apelo emocional.

Afinal, Stone volta para sua mansão depois de filmar Chávez, mas Debray passou por poucas e boas nas selvas e prisões da Bolívia em função de seu apoio a Guevara.

Abraços

Cristiano Contreiras disse...

Preciso, imediatamente, conferir este filme - as duas partes, claro.

Seu blog é ótimo, voltarei sempre!

Maurício Santoro disse...

Salve, Cristiano.

A primeira parte é muito boa, melhor do que a segunda.

Não deixe de ver também o documentário "Personal Che", do Douglas Duarte.

Abraços

Helvécio Jr. disse...

Infelizmente eles não leram Santoro...hehe


O debate sobre a participação ou não do Brasil no retorno do Zelaya está quente jogador!!!


abraços.

Maurício Santoro disse...

Pois é, meu caro, o que faço com esses amadores? :-)

A confusão na embaixada é meu tema de amanhã. Como diz meu irmão, a especialização na América Latina não deixa tempo para sentir tédio!

Abraços