segunda-feira, 21 de setembro de 2009
Contando os Mortos
A Colômbia vive em conflito armado há mais de 60 anos, numa espiral sangrenta que envolveu os principais partidos políticos, guerrilhas, paramilitares, Forças Armadas, polícia e traficantes de drogas. Num contexto assim, quem topa ser um ativista de direitos humanos, com todos os riscos que a atividade implica? Que valores e hábitos influenciam as pessoas que escolhem esse campo? “Counting the dead: the politics and culture of human rights activism in Colombia”, da antropóloga americana Winifred Tate, é um belo mergulho nesse mundo.
A autora viveu vários anos em Bogotá, trabalhando em ONGs de direitos humanos, e exerceu as mesmas funções em Washington, em instituições que acompanham a situação colombiana. Não a conheço pessoalmente, mas é provável que tenhamos nos cruzado em algum congresso acadêmico ou evento social, porque ela trata de um ambiente que me é familiar.
Tate começa o livro com um excelente capítulo-resumo sobre a história do conflito colombiano (clique aqui para um texto semelhante, de Catherine LeGrand). Até a década de 1970 o conflito armado era relativamente restrito a áreas isoladas no interior, mas dali em diante a brutalidade se generalizou numa escala que só encontra paralelos com o Peru do Sendero Luminoso e com as guerras na América Central. A estratégia de sobrevivência encontrada pelos ativistas de direitos humanos foi intensificar seus vínculos internacionais e apostar na qualificação profissional como um escudo contra represálias. De fato, sempre admirei o trabalho dos colegas do país (por exemplo, a Fundação Viva La Ciudadanía), por sua alta capacidade técnica e um nível quase inacreditável de coragem.
É claro que só se entra numa vida tão arriscada por valores que estão além do cálculo utilitário imediato, de custos e benefícios. Tate identifica com precisão a influência da Igreja Católica e dos movimentos da esquerda universitária, mas talvez subestime o espírito de comunidade, o sentir-se parte de um grupo, que motiva tantos militantes. Afinal, as lembranças mais agradáveis que tenho do convívio com os amigos colombianos não são conversas sobre mortos e massacres, mas os papos sobre literatura latino-americana, regados a caipirinha e boas risadas.
Tate descreve com bons detalhes as frustrações dos trabalhos em redes internacionais de direitos humanos e como as atividades da ONU muitas vezes parecem fúteis e vazias diante do sofrimento com o qual procuram lidar. Chequem, por exemplo, os casos que Igor Pessoa conta de Genebra em seu excelente e recém-criado blog.
Ao mesmo tempo, ela mostra como as Nações Unidas se tornaram um ator importante no conflito colombiano, com a abertura pioneira do escritório do Alto Comissário de Direitos Humanos em Bogotá. A análise política é muito boa e me fez lembrar as histórias de um amigo que trabalhou nele, e terminou almoçando numa prisão de segurança máxima com o líder do grupo guerrilheiro Exército de Libertação Nacional (“Foi a melhor lasanha que comi na vida”).
O governo de Álvaro Uribe tem sido duro com os ativistas de direitos humanos, frequentemente acusando-os de ajudar as guerrilhas e grampeando seus telefones e emails. O livro de Tate tem um final um tanto sombrio, talvez excessivamente. Afinal, há processos importantes em curso na Colômbia, como a desmobilização dos paramilitares, as sucessivas derrotas das FARCs e a renovação partidária do Pólo Democrático.
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