sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Roosevelt e Obama



Tenho lido muito sobre o governo Franklin Roosevelt e a Grande Depressão da década de 1930. Claro que as leituras tem me feito pensar na crise atual e nas dificuldades de Barack Obama – implementar a reforma no sistema de saúde, estimular o crescimento econômico e buscar soluções (já não digo vitórias) para as guerras no Afeganistão e no Iraque. Contudo, Obama não tem conseguido avançar sua agenda, ao contrário da expectativa de que seus primeiros 100 dias de governo replicassem o ativismo do início do mandato de Roosevelt. A popularidade do novo presidente cai significativamente, em algumas pesquisas está na faixa dos 40%.

Quando Roosevelt foi eleito, o Partido Democrata havia passado a maior parte dos 50 anos anteriores afastado da Casa Branca, era quase uma sigla regional, concentrada nos estados do sul - rurais, pobres e segregacionistas. Ainda assim, Roosevelt conseguiu forjar uma coalizão que apoiou suas reformas, e muitas delas (sobretudo as do chamado “segundo New Deal”, de 1935) contrariaram os interesses da elite. O presidente logrou sucesso apesar do mau desempenho da economia. Sua política social rendeu estabilidade em um mundo turbulento, mas o desemprego continuou acima dos dois dígitos até a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Muitos setores foram prejudicados por regulação excessiva ou mal formulada.

Obama enfrenta recessão menos pronunciada. Os pobres dispõem de redes de proteção social criadas pelo New Deal ou pela onda reformista da década de 1960. Ainda que limitadas em comparação à Europa, impedem a miséria e desespero observados na Grande Depressão. O Partido Democrata se fortaleceu com a urbanização do século XX e não mais carrega o fardo de um sul conservador, que em grande medida se afastou da sigla após as leis dos direitos civis (a própria região mudou e se tornou o próspero “cinturão do sol”, com cidades modernas).



A meu ver, a explicação está no tipo de polarização política que ocorreu nos Estados Unidos nos últimos anos e na ausência de graves desafios à ordem social.

Roosevelt enfrentou opositores de direita, mas a verdadeira ameaça a seu poder estava à esquerda, em políticos como Huey Long ou nos riscos representados pelo acirramento do conflito sindical ou da revolta social no miserável dust bowl. Boa parte de sua habilidade como reformista consistiu em extrair concessões dos conservadores com base no argumento “ruim comigo, pior se forem os radicais no poder”.

Existem muitos movimentos sociais à esquerda de Obama, mas não com poder para se apresentar como alternativa viável ao presidente. Seus principais opositores estão na direita, são eles quem Obama teme. Seu discurso moderado foi cuidadosamente construído para evitar as polarizações das décadas de 1990/2000, mas isso também significa a paralisia diante de questões controversas como a reforma do sistema de saúde. Ao contrário de Clinton, Obama basicamente lançou a responsabilidade sobre o Congresso.

Roosevelt lidava com um eleitorado disposto a inovações e com notável capacidade para aceitar o aumento da ação governamental, mesmo em seus aspectos mais desagradáveis, como o grande crescimento dos impostos em seu governo. Obama atua em meio a outros valores políticos, com uma população muito mais cética e crítica diante do Estado. Seu espaço de manobra é menor e por isso diversas de suas iniciativas parecem parar pela metade, como o inquérito sobre tortura nos serviços de inteligência. Cedo para dizer o que acontecerá, mas o início não é promissor.

5 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Meu caro:
Já na Rainha do Prata, leio seu artigo e lembro um artigo do Samuelson onde dizia que o Obama tinha que fazer o mesmo que o Roosevelt: utilizar sua imagem carismática pra cair no déficit fiscal keynesiano. Mas acredito o mesmo que você quando diz: "Roosevelt lidava com um eleitorado disposto a inovações e com notável capacidade para aceitar o aumento da ação governamental, mesmo em seus aspectos mais desagradáveis, como o grande crescimento dos impostos em seu governo. Obama atua em meio a outros valores políticos, com uma população muito mais cética e crítica diante do Estado". Nos anos 1930 a população era muito mais pura; era mais fácil de "enganhar" com a "Flag" ou os "Fathers". Agora temos gente muito mais cética e desinteressada no bem comum ao longo do mundo. É difícil pra qualquer político.
Ignorava que os democratas eram do sul, imaginava que vinham da Nova Inglaterra! Teria que aprender mais da história dos EUA.
Saludos!

marcos disse...

Argumentaria também que FDR (na comparação com Obama) tinha uma certa vantagem por sua experiência administrativa como governador de NY, onde ele já havia dado os primeiros passos do New Deal (e.g. pensão por idade, seguro desemprego) e para o 'déficit keynesiano' (pegou o governo com 30mi em caixa, saiu com -90 ;)

De certa maneira esse diferencial já tinha ficado bem caracterizado nos vários problemas de indicação que o Obama teve. Lembro que de início eram só elogios em comparação com Clinton (todos válidos), mas alguns erros bem pontuais (e a radicalização política) pegaram muito mal.

Maurício Santoro disse...

Caro Patricio,

O problema é que na época da Grande Depressão o governo americano estava com o orçamento equilibrado, e FDR podia se dar ao luxo de gastar em obras públicas.

Mas Obama assumiu com um déficit fiscal que já é gigantesco, e também nessa área tem mais dificuldades que seu ilustre antecessor.

Os democratas se tornaram bastante fortes na Nova Inglaterra, mas só a partir da década de 1930, antes disso a região era principalmente republicana.

Caro Marcos,

É verdade, você tem um bom ponto. E acrescento que antes de ser governador, FDR já havia ocupado altos cargos executivos em Washington, na época da I Guerra Mundial. Obama é bem menos experiente.

Abraços

Mário Machado disse...

Além de tudo prático dito, tem o sentimento, venderam um mito, um herói, um salvador, e não há homem que resista em comparação ao mito, ainda mais o mito criado a priori.

Não esperava grande mudanças por parte de Obama, os indicados por ele e seus problemas de memória na hora de pagar os impostos. Arranharam a blindagem do knight in shine armor .... Mas, a base de comparação é injusta.

Alex disse...

Meu caro, existem alguns erros no seu texto. A afirmação de que os democratas estavam 50 anos fora da casa branca está errada ! você está desconsiderando o grande Woodrow Wilson, presidente que venceu a primeira guerra mundial e abriu os EUA para o mundo - antes era um país fechado e de pouca expressão diplomática. Não foi o Roosevelt que tirou os democratas do sul, mas Wilson.