segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A Cúpula de Pittsburgh



O encontro do G20 consolidou esse fórum como a principal articulação intergovenamenal para assuntos de economia internacional, e enterrou em boa hora o G8, que terá uma agenda mais restrita a temas de segurança. Os líderes mundiais reconheceram a importância crescente dos países em desenvolvimento e anunciaram a transferência de até 5% dos direitos de votos no FMI e no Banco Mundial para essas nações. Passo pequeno, mas relevante. A transformação está em curso.

A declaração da cúpula tem o tom de otimismo cauteloso, de que o pior já passou, mas que o retorno à normalidade não pode significar complacência diante dos problemas no sistema financeiro internacional. O documento estabelece uma série de diretrizes para a cooperação econômica global, a maioria delas sobre a necessidade de regulação mais eficiente. No campo das organizações multilaterais, há o compromisso de reforçar o FMI, que ganhará US$500 bilhões em recursos. Nada mal para uma instituição considerada moribunda após a crise asiática, dez anos atrás.

Contudo, o G20 não chega a marcar o retorno do keynesianismo. As decisões de Pittsburgh apontam para melhor articulação regulatória, mas estão bastante aquém das ambiciosas estratégicas que o economista britânico havia proposto em Bretton Woods, em 1944. A declaração do G20 é prudente ao afirmar que o setor público deve ceder espaço à iniciativa privada, à medida que a crise diminui. Ainda que simultaneamente mantenha a necessidade dos pacotes de estímulo nacionais, que tiveram bons desempenhos na China, na Alemanha e no Brasil. Certamente haverá mudanças significativas em várias economias, e daí a boa escolha de sediar a cúpula em Pittsburgh, antiga cidade siderúrgica que se reinventou após séria crise e hoje é um pólo de serviços e tecnologia, sobretudo na área médica.

A sombra da recessão continua presente em diversos países: EUA, Reino Unido, as nações do Leste da Europa. As guerras e tensões políticas continuam na Ásia (Afeganistão, Iraque, Paquistão, Irã, Coréia do Norte) e os esforços multilaterais demoram para chegar a bom termo em iniciativas que vão da Rodada Doha da OMC às negociações sobre mudança climática.

É um novo mundo que se desenha, e como o Brasil se adaptará a ele? As circunstâncias estão postas para que o país tenha influência no planejamento e ampliação das instituições internacionais, mas falta reflexão por parte do Estado e das universidades. Nos últimos meses, fui um dos negociadores de um acordo de cooperação entre o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e a CAPES. Nesta sexta foi publicado o fruto de nossa parceria: o edital do Pró-Comex, um programa de financiamento a pesquisas de pós-graduação na área de comércio exterior. Cada projeto receberá até R$75 mil, com direito a recursos para bolsas de doutorado e mestrado, viagens, compra de material acadêmico e até a possibilidade de estagiar no ministério e acompanhar as negociações governamentais. É sempre gratificante quando um trabalho desses é concretizado, ainda mais quando ocorre em meio a uma conjuntura internacional tão rica em oportunidades para o país.

Amanhã volto a comentar a crise em Honduras.

5 comentários:

carlos disse...

salve, santoro,

taí, uma análise serena e equilibrada, sem malabarismos verbais que já estou entediado de ler na mídia tradicional. parabéns.

só temos que nos felicitar pela entrada dos "brics" no seleto grupo do g-20. o que deveria ser manchete na imprensa, mas nem é. a veja nos chamou de "imperialismo megalonanico". fiquei cá com meus botões, como deveríamos chamar esse tipo de jornalismo? dei boas risadas.

um assento no conselho de segurança da onu está próximo, como estão próximas a copa do mundo e as olimpíadas no rio de janeiro, basta ver a edição do hoje do the independent de londres.

os golpistas de honduras estão com a corda toda. lascaram um típico ai-5 no lombo da moçada. esse filme já passou por essas bandas, e me parece que a gente não quer remaker, mas deixa que amanhã a amigo comenta as novidades daquelas bandas.

abçs

Maurício Santoro disse...

Carlos,

Meu ponto é que a diplomacia atual não corresponde aos novos interesses do Brasil. Nossa agenda de política externa está excessivamente voltada para o ideário terceiro-mundista dos anos 70, ao passo que o Brasil de hoje cada vez mais caminha para ser uma força de estabilidade e prosperidade na economia mundial. Não somos mais o garoto jogando pedras na vidraça. Ou não deveríamos ser.

Não vejo que benefícios aproximações políticas a países como Irã ou Líbia possam trazer ao Brasil. Penso que deveríamos aprofundar ainda mais os laços com outras economias emergentes.

Já o fazemos com os BRICs e a África do Sul, e poderíamos pensar em iniciativas que nos aproximassem de países como Coréia do Sul, Malásia, Indonésia etc.

Abraços

Mário Machado disse...

Sabia que ia virar cool defender o Brasil em Honduras pq a veja criticou....

Chamar de AI-5 o Estado de Sítio em Honduras só pode ser uma hipérbole...

Marcus Pessoa disse...

Ótimo post, muito esclarecedor.

Estou acompanhando atentamente o seu blog, só não tenho tido inspiração para comentar.

Maurício Santoro disse...

Não se preocupe, Marcos, com a temperatura das discussões por aqui nesta semana, o que não falta é comentário!

Abraços