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Ontem a Comissão de Relações Exteriores do Senado brasileiro aprovou a entrada da Venezuela no Mercosul, como membro pleno. Falta ainda que o plenário se manifeste, e depois o processo precisa ser repetido no Congresso do Paraguai. Mas pelo correr dos acontecimentos é provável que em breve os trâmites estejam completos. O que isso significa para o bloco?
Economicamente, a Venezuela é um país muito interessante para os demais integrantes do Mercosul. Sua riqueza em hidrocarbonetos resultou em parcerias importantes para Paraguai e Uruguai e os recursos financeiros de Chávez deram uma bela ajuda à renegociação da dívida externa da Argentina, extremamente vantajosa para esse país. A Venezuela é um dos principais mercados para as exportações do Brasil e atualmente corresponde ao maior superávit da balança comercial brasileira. O fluxo é especialmente forte para empresas do Norte (Zona Franca de Manaus) e Nordeste (Pólo Petroquímico de Camaçari) que têm pressionado os parlamentares de suas regiões.
Os bons negócios em parte refletem a alta do petróleo, mais importante produto de exportação venezuelano, mas em grande medida se devem às decisões de Chávez. O presidente não conseguiu alterar a dependência econômica da Venezuela do mercado dos Estados Unidos – para onde segue a maior parte de suas vendas externas. No entanto, foi bem-sucedido em diversificar as importações, passando a comprar mais de países como Brasil, China, Argentina e Cuba.
Contudo, o comércio exterior da Venezuela sofre os altos e baixos da instabilidade política do chavismo. Os conflitos com Colômbia e México fizeram o presidente se retirar de dois importantes acordos de livre comércio – Comunidade Andina e G-3. Os empresários também sofrem com muitas restrições às operações com câmbio, burocracia excessiva, corrupção e males semelhantes. A Confederação Nacional da Indústria do Brasil tem criticado vários pontos da negociação para a entrada da Venezuela no Mercosul, pleiteando garantias mais sólidas de que o governo Chávez cumpra as obrigações estipuladas pelos acordos do bloco.
Há consenso sobre a importância econômica da Venezuela para o Mercosul, as controvérsias dizem respeito, claro, às questões políticas. O bloco tem uma cláusula democrática, isto é, os países membros precisam viver sob esse regime. Isso foi importante para evitar as aventuras do general Lino Oviedo no Paraguai. As perseguições de Chávez à imprensa, ao funcionalismo público, sua organização de milícias de apoio ao governo e suas controversas reformas no Legislativo e no Judiciário colocam em questão liberdades fundamentais na Venezuela. Mas líderes da oposição ao chavismo defendem a entrada no Mercosul, apostando que o bloco pode oferecer um fórum regional relevante para sua atuação.
O ponto é interessante. Afinal, a exclusão de Cuba da Organização dos Estados Americanos, desde a década de 1960, em nada contribuiu para a liberalização do regime da ilha. Em que medida uma Venezuela isolada do Mercosul e da Comunidade Andina não cairia na mesma situação?
Mas talvez a questão mais polêmica seja o formato de integração buscado por Chávez. Ele rejeitou no passado acordos de liberalização comercial, à semelhança do que é o Mercosul. Sua preferência tem sido pela Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA), um grupo de governos latino-americanos de esquerda com posições próximas nos fóruns multilaterais. Esse não é exatamente o perfil mercosulino, em particular se houver uma guinada conservadora na Argentina e no Brasil, possibilidade bastante concreta para as próximas eleições.
Em suma, a Venezuela se encaminha para ingressar no Mercosul. Mas será que Chávez considerará interessante permanecer no bloco?