sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A Venezuela (Quase) no Mercosul



Ontem a Comissão de Relações Exteriores do Senado brasileiro aprovou a entrada da Venezuela no Mercosul, como membro pleno. Falta ainda que o plenário se manifeste, e depois o processo precisa ser repetido no Congresso do Paraguai. Mas pelo correr dos acontecimentos é provável que em breve os trâmites estejam completos. O que isso significa para o bloco?

Economicamente, a Venezuela é um país muito interessante para os demais integrantes do Mercosul. Sua riqueza em hidrocarbonetos resultou em parcerias importantes para Paraguai e Uruguai e os recursos financeiros de Chávez deram uma bela ajuda à renegociação da dívida externa da Argentina, extremamente vantajosa para esse país. A Venezuela é um dos principais mercados para as exportações do Brasil e atualmente corresponde ao maior superávit da balança comercial brasileira. O fluxo é especialmente forte para empresas do Norte (Zona Franca de Manaus) e Nordeste (Pólo Petroquímico de Camaçari) que têm pressionado os parlamentares de suas regiões.

Os bons negócios em parte refletem a alta do petróleo, mais importante produto de exportação venezuelano, mas em grande medida se devem às decisões de Chávez. O presidente não conseguiu alterar a dependência econômica da Venezuela do mercado dos Estados Unidos – para onde segue a maior parte de suas vendas externas. No entanto, foi bem-sucedido em diversificar as importações, passando a comprar mais de países como Brasil, China, Argentina e Cuba.

Contudo, o comércio exterior da Venezuela sofre os altos e baixos da instabilidade política do chavismo. Os conflitos com Colômbia e México fizeram o presidente se retirar de dois importantes acordos de livre comércio – Comunidade Andina e G-3. Os empresários também sofrem com muitas restrições às operações com câmbio, burocracia excessiva, corrupção e males semelhantes. A Confederação Nacional da Indústria do Brasil tem criticado vários pontos da negociação para a entrada da Venezuela no Mercosul, pleiteando garantias mais sólidas de que o governo Chávez cumpra as obrigações estipuladas pelos acordos do bloco.

Há consenso sobre a importância econômica da Venezuela para o Mercosul, as controvérsias dizem respeito, claro, às questões políticas. O bloco tem uma cláusula democrática, isto é, os países membros precisam viver sob esse regime. Isso foi importante para evitar as aventuras do general Lino Oviedo no Paraguai. As perseguições de Chávez à imprensa, ao funcionalismo público, sua organização de milícias de apoio ao governo e suas controversas reformas no Legislativo e no Judiciário colocam em questão liberdades fundamentais na Venezuela. Mas líderes da oposição ao chavismo defendem a entrada no Mercosul, apostando que o bloco pode oferecer um fórum regional relevante para sua atuação.

O ponto é interessante. Afinal, a exclusão de Cuba da Organização dos Estados Americanos, desde a década de 1960, em nada contribuiu para a liberalização do regime da ilha. Em que medida uma Venezuela isolada do Mercosul e da Comunidade Andina não cairia na mesma situação?

Mas talvez a questão mais polêmica seja o formato de integração buscado por Chávez. Ele rejeitou no passado acordos de liberalização comercial, à semelhança do que é o Mercosul. Sua preferência tem sido pela Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA), um grupo de governos latino-americanos de esquerda com posições próximas nos fóruns multilaterais. Esse não é exatamente o perfil mercosulino, em particular se houver uma guinada conservadora na Argentina e no Brasil, possibilidade bastante concreta para as próximas eleições.

Em suma, a Venezuela se encaminha para ingressar no Mercosul. Mas será que Chávez considerará interessante permanecer no bloco?

10 comentários:

Marcelo L. disse...

Acho que é esperar para ver, ainda vai rolar muita coisa, afinal o principal opositor político de Chaves no Brasil é o Senador do Maranhão. Só fiquei intrigado eu vejo que o Serra seguirá a linha chilena (até pelos laços afetivos) com o Chavez que nem é uma involução do que temos hoje em dia, acho que será a mesma tônica da Dilma ou o Ciro...

E como a diplomacia apareceu muito agora, não vai dar para colocar um espantalho lá, vai ser alguém influente e os setores que mais odeiam no Brasil entre as relações exteriores e o Ministério da Educação vão ficar com o segundo até por causa dos interesses preeminentes de caixa.

Chaves talvez recinta um pouco...mas, ele parece-me ser mais pragmático que se diz, ele não tenta de uma só vez colocar seu discurso em prática ou tomar as instituições, ele contornou, retornou etc, mas ele sabe que nós precisamos da Venezuela e ele de nós, afinal o Mercosul vai lhe servir no âmbito econômico e a Alba no político.

Vamos ter dor de cabeça, lógico, mas como disse o Rubens Barbosa, é se espenhar na Alemanha que toma porrada todo o tempo dos vizinhos e avança na integração aos trancos.

carlos disse...

caro santoro,

pelas suas reticências quanto a venezuela de chaves ser admitida no mercosul, afirmo na lata: se a cni, tasso jereissati e arthur virgílio do psdb, heráclito fortes e agripino maia do dem e um outro senador são contra em ampliar o número de parceiros ... não dá pra vacilar,meu caro ... o caminho certo é o da diplomacia do governo lula e, também, da oposição venezuelana que deseja a entrada no clube. que coisa mais maluca, hein?

o pior nessa estória é que os senadores demos-tucanos, histéricos quando entrevistados pela mídia, não sabem diferenciar governo de estado.

sdçs

Mário Machado disse...

Com as re-eleições ilimitadas fica mesmo dificil separar governo de Estado.

Há muito que todos os meus clientes que tem negócios com a Venezuela estão gradualmente saindo devido a dificuldades enormes de receber.

E uma atmofera de aduana chinesa (pra quem lidar com comex isso diz muito).

Vamos ver o tamanho da lista de exceções da Venezuela.

A CNI tem problemas com a Venezuela por que é dificil receber, ou vc acha que dinheiro tem ideologia?

Fosse assim ninguém importava os deliciosos charutos cubanos...

Mário Machado disse...

P.S: bem que essa entrada da Venezuela podia dá uma aliviada na conta do posto de gasolina, pq o preço da "auto-suficiência" da petrobras eh salgado pacas..

Marcelo L. disse...

A Venezuela é dor de cabeça, assim como a maioria dos países, voltar as costas para eles é esperar sentado a menor das marolas e quebrarmos como ocorria frequentemente no passado.

Se é difícil em um país, o Brasil deve incentivar que a forma de pagamento seja carta de crédito, já que pela UCP 600, o compromisso é irrevogável desde cumpra-se as regras do contrato, sei que em tese sempre é mais fácil e caro, mas esse é custo venezuela.

Helvécio Jr. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Helvécio Jr. disse...

Salve jogador,

No geral, a Comissão de RE do Senado não tem especialistas em política internacional, tudo é debatido mais em termos da disputa de 2010. Os parlamentares petistas são fracos mesmo. No debate de ontem na Globonews o Rands claramente se mostrou desprepardo frente ao Jereissati.

Creio que os parlemantares tucanos e democratas estão cumprindo o seu papel de levantar os pontos controversos sobre a estrutura política do estado venezuelano. Contudo, sofrem da mesma fraqueza dos petistas: não tem especialistas na área com uma voz influente.

O que eu quero ver é como 'Ushuaia' será usado? O peso político e econômico da Venezuela é bem maior do que o do Paraguai. Será o fim do protocolo ou será o início de sua reformulação?

Maurício Santoro disse...

Salvem,

Marcelo, o que corre nos meios acadêmicos é que o mais forte candidato a embaixador num governo do PSDB (Serra ou Aécio) é o embaixador Rubem Barboza. A julgar pelo que ele tem escrito, manteria os laços econômicos com a Venezuela e procuraria um certo distanciamento político, ou usar o Brasil para moderar as ações políticas de Chávez. O embaixador Lampreia também tem escrito nesse sentido.

Caro Carlos,

A CNI não é contrária à entrada da Venezuela, mas pleiteia mudanças no processo negociador, que tem corrido de maneira desfavorável à indústria brasileira, pela pressa que o governo Lula impõe aos trâmites para aceitar o regime chavista no bloco.

Caro Mário,

Também tivemos problemas no MDIC com empresários que não receberam, o próprio ministro teve que se envolver na cobrança. Minha opinião é que as negociações com a Venezuela precisam ser mais duras, do modo como correm não há garantias de que esses problemas não voltem a se repetir...

Salve, Helvécio.

Pois é, também senti o mesmo problema. Os debates entre governo e oposição correm muito mais pelo plano doméstico do que pelo impacto para o comércio exterior.

Estou curioso para ver como o PSDB e o DEM votarão em plenário. Manterão a oposição à entrada da Venezuela, ou cederão às pressões da indústria?

Abraços

Patricio Iglesias disse...

Meu caro Maurício:
Você cita o exemplo da hipócrita exclussão da Cuba, e creio que é muito apropriado. De todos modos, como bom argentino que está sempre mirando à Europa, não posso deixar de pensar que só foram aceitas a Espanha, Portugal e a Grécia na CEE depois do fim das ditaduras, e reeleição ilimitada de nenhum modo é próprio de uma democracia. Me inclino a pensar que o melhor é evitar ter à Venezuela como membro pleno (com as implicancias culturáis e políticas que isso implica), mas sim como sócio comercial. Não é prudente pelo prestígio internacional do Mercosul, aunque talvez esteja errado e a integração ajude à democratização do pais.
Você bem dez que pode vir uma guinada conservadora em nossos paises. Estou muito preocupado pelo tema na Argentina. É evidente que os Kirchner vão deixar o governo em 2011. A população está cansada de um governo tão confrontador, e a "moda" (felizmente) é falar de consenso e até de longo prazo. Qué va siguer? Acaso um governo que va voltar ao neoliberalismo de corte "menemiano"? Ou, se sempre há que continuar com o positivo, va saver manter uma política econômica um pouco mais heterodoxa? Vão siguer os juícios da Memoria, ou novamente "tenemos que seguir para adelante y olvidarnos de todo eso"?
Saludos!

Patricio Iglesias

Maurício Santoro disse...

Caro Patricio,

Por coincidência, dois amigos voltaram esta semana de viagens à Argentina. Eles não se conhecem, mas ambos fizeram os mesmos comentários sobre seu país, preocupados com a instabilidade política e os rumos da economia.

Minha tendência é achar que 2010 será um ano muito difícil para vocês, por conta das reflexões amargas que o bicentenário certamente trará.

Mas tenho a convicção que a Argentina, uma vez mais, será capaz de se reinventar e dar a volta por cima.

E se serve de consolo, certos segmentos do PT estão cada vez mais parecidos com os peronistas :-)

Abraços