quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Adeus a Kirchner



A morte inesperada de Néstor Kirchner não é simplesmente o falecimento de um ex-presidente, mas também a criação de um súbito vazio de poder na Argentina, com repercussões para as relações da presidente Cristina com o peronismo, com líderes sindicais importantes, como Hugo Moyano, e com seu vice-presidente oposicionista, Julio Cobos. A um ano das eleições presidenciais, o vácuo provavelmente resultará no benefício de Francisco de Narváez e de seus peronistas dissidentes. Aberta a temporada de caça pelo controle das diversas facções do partido.

Kirchner fez a maior parte de sua carreira política em cargos na pequena província de Santa Cruz, no extremo-sul argentino. Como um governador peronista contrário a Menem, ganhou popularidade no pós-crise e foi eleito presidente em 2003 com menos de ¼ dos votos – o menor índice da história do país. Seu governo foi marcado pela recuperação econômica, pela renegociação vantajosa da dívida externa e pela reabertura dos processos judiciais contra militares e policiais acusados de violações dos direitos humanos durante a ditadura militar. Mas também se destacou negativamente, pelas acusações de corrupção, manipulação da inflação, crises de política externa (o longo e desgastante conflito com o Uruguai) e pela extrema concentração de poderes, que na América do Sul só é comparável àquela empreendida por Hugo Chávez.

As piores tendências de seu governo se agravaram desde que sua mulher assumiu a presidência. Mas Kirchner continuou a ser a figura de maior influência na Casa Rosada, além de tocar outros postos, como o comando do Partido Justicialista e da União das Nações Sul-Americanas. As crises políticas se sucederam: conflitos com o agronegócio, com os meios de comunicação (em especial a ruptura violenta com o Grupo Clarín), as disputas internas com o vice-presidente e com o Banco Central... Contraste curioso: o ótimo crescimento econômico e a baixa popularidade de Cristina Kirchner.

Uma das conseqüências da crise na Argentina foi o aumento da fragmentação dos partidos, com maior indefinição na vida política. O país completa 200 anos de vida independente com uma sensação de ansiedade e perplexidade, em oposição ao otimismo do Brasil e da Colômbia ou mesmo com relação à polarização entre projetos políticos na Venezuela. Quais são os modelos em disputa na corrida pela Casa Rosada?

7 comentários:

Anônimo disse...

salve, santoro,

creio que o modelo futuro deverá conter, em linhas gerais, a recuperação econômica, a renegociação vantajosa da dívida externa, a punição dos agentes públicos da ditadura e o enfrentamento aos meios de comunicações hegemônicos. esses fatores não deverão ser esquecidos tão cedo da cena política argentina.

abçs

carlos anselmo-fort-ce

Maurício Santoro disse...

Caro Carlos,

A dívida já foi renegociada. A questão mais problemática tem sido a confiança nos títulos públicos argentinos, em particular por conta das manipulações nos índices de inflação e outras informações oficiais.

Abraços

Cristian Abreu de Quevedo disse...

Maior ainda é o problema de quem estará no comando da Argentina, pois é sabido que Cristina não governava sozinha.

marcelo l. disse...

Prezado Mauricio

A morte do presidente da Unasul Néstor Kirchner tem uma repercursão para Argentina muita grande, mas para América do Sul penso que ele era visto como quem equilibrava os interesses dos vários países e tinha o respaldo de ser o "co-presidente da argentina".

Fica agora a saber como ficará as relações nem sempre amistosas de vários países e dificuldades muito grandes.

No Mercosul, as pressões dos setores prejudicados só tendem a aumentar.

Ou seja, diplomacia brasileira vai ter muito trabalho.

Maurício Santoro disse...

Salve, Cristian.

Pois é, essa é a grande dúvida, saber se Cristina terá disposição e capacidade de ser uma liderança por si só, e concorrer à reeleição em 2011.

Caro Marcelo,

Não penso que Kirchner será uma perda para a Unasul, inclusive porque suas ambições sempre estiveram concentradas na política doméstica argentina. Outros ex-presidentes sul-americanos, como Ricardo Lagos (Chile) ou Tabaré Vázquez (Uruguai) poderiam desempenhar perfeitamente esse papel à frente da instituição.

abraços

Patricio Iglesias disse...

Meu caro:
Sempre tão claro... ainda não sei que aconteceu. Todo foi tão rapido...
Abraços

Patricio Iglesias

Maurício Santoro disse...

Salve, Patricio.

Quase nunca pensamos na possibilidade da morte de homens públicos enquanto ocupam o cargo, o que é curioso, uma vez que em geral são pessoas já um tanto idosas, e sob forte pressão e tensão.

Hoje li as notícias sobre as declarações de Hugo Moyano, colocando a CGT em defesa da reeleição de Cristina. Parece que aos poucos o novo quadro fica claro.

Abraços