segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Equipe de Rivais



A historiadora Doris Goodwin é hoje a mais respeitada autoridade americana nos presidentes do país. Escreveu ótimos estudos sobre Franklin Roosevelt e Abraham Lincoln e seu marido foi assessor de John Kennedy. Barack Obama declarou que o livro de Goodwin sobre Lincoln, “Team of Rivals”, é uma inspiração importante para seu governo. Em parte pela recomendação fui em busca da obra, que adorei: mistura história da guerra civil com biografia comparada do presidente e de seus principais ministros, que haviam sido seus rivais na disputa pela Casa Branca.

A ascensão de Lincoln ao poder é fascinante e surpreendente. Antes de ser presidente, ele só havia exercido cargos locais no estado de Illinois, e um mandato pouco expressivo como deputado. Tinha perdido eleições importantes, como duas corridas ao Senado. Como foi então que esse homem carismático, mas pouco conhecido fora do Meio Oeste, chegou à presidência?

A resposta está na profunda crise que os EUA atravessaram nas décadas de 1840/1850, pelas tensões em expandir ou não a escravidão para os novos territórios do Oeste. O Sul reagiu com ferocidade ao crescimento do movimento abolicionista, e conquistou no Congresso e na Suprema Corte leis rigorosas para perseguir escravos fugitivos. As tentativas de cercear livros e discursos abolicionistas apavoraram muitas pessoas no Norte, que temiam pela liberdade de expressão e acreditavam que os sulistas queriam impor seu modo de vida a todo o país. As disputas se tornaram violentas: no Kansas, colonos anti e pró-escravidão se enfrentaram em armas pelo controle do estado, na Virgínia, o abolicionista radical John Brown atacou um quartel militar e tentou libertar escravos.



O sistema partidário dos EUA entrou em colapso, pois as principais siglas do país não conseguiam lidar com o tema. Os democratas, sólidos no sul, se aferravam à defesa dos “direitos dos estados” – eufemismo para manter a escravidão. Os Whig se dividiram com relação ao assunto. Surgiram pequenos partidos e movimentos – Solo Livre, Liberdade, Sabe-Nada – de forte teor abolicionista. O Partido Republicano foi criado como um amálgama de coalizões instáveis, baseado sobretudo nos Whigs contrários à escravidão.

Lincoln era oriundo desse grupo e percebeu melhor do que colegas mais poderosos e influentes (como Stephen Douglas, seu rival vitorioso na disputa ao Senado) para onde caminhava a opinião pública. Sua mistura de forte convicção moral e pragmatismo político conquistou grandes apoios entre aqueles que reagiam à ofensiva do sul mas queriam evitar a guerra civil.

Não foi assim, evidentemente. Mas Lincoln teve um gabinete ministerial excepcional: Salmon Chase, do Tesouro, manteve as finanças públicas em ordem por meio do venda habilidosa dos títulos da dívida pública; William Seward, que como Secretário de Estado conseguiu que as principais potências da época, Grã-Bretanha e França, não reconhecessem a Confederação, apesar dos fortes vínculos econômicos de grande importadores de algodão; Edwin Stanton, talentoso titular da pasta da Guerra, responsável pela reorganização do Exército.



Os desafios foram gigantescos. O Exército americano era muito pequeno à época, e estava concentrado no Oeste para lutar contra os índios. Para piorar, os melhores oficiais eram sulistas, como Robert Lee, que recusou o convite para comandar a União e liderou de forma brilhante as tropas da Confederação, quase tomando Washington duas vezes. Lincoln exonerou meia dúzia de comandantes incompetentes, até encontrar seus líderes ideais em dois veteranos do Oeste, Ulysses Grant e William Sherman. Ao ser avisado que Grant bebia demais, o presidente retrucou: “Gostaria de saber a marca do uísque, para distribuir aos outros generais”.

Doris Goodwin reconta a história de modo magistral, de um modo que nos faz simpatizar com Lincoln – um autodidata que superou uma história de pobreza extrema e parece ter sido um sujeito agradabilíssimo, grande contador de casos curiosos. Mas que enfrentou – e venceu – a crise mais séria que seu país enfrentou. Talvez Obama devesse lê-lo com mais atenção.

6 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Meu caro:
Muito interessante! Sim, o Lincoln sempre contava brincadeiras e savia, assim, ganhar o apoio da população. Não por nada o Dale Carnegie, talvez o mais lido autor de livros de oratória, dava muitas vezes exemplos de seus conselhos com seus discursos (quase todos de memória, nada de papéis)e cartas e enfatizava na sua horizontalidade; até fez uma biografia dele.
Abraços!

Patricio Iglesias

Maurício Santoro disse...

Salve, caro.

Sim, Lincoln era um mestre da oratória e sabia misturar muito bem a linguagem cotidiana com o estilo mais elevado, citações bíblicas etc. Vários de seus discursos são clássicos, como a Oração de Gettysburg e os dois discursos de posse.

Abraços

Anônimo disse...

Meu velho, o Paul Johnson fez um perfil dele excelente, no livro "Heróis". Recomendo. :-)

Abração.

Gabriel Trigueiro

Maurício Santoro disse...

Salve, Gabriel.

Não sou muito fã do Johnson, mas vou anotar a referência.

Aliás, obrigado pelo documentário que você me emprestou. Arguing the World é fantástico!

Abraços

Anônimo disse...

salve, santoro,

que coisa, hein? espirituoso, brincalhão, improvisador nos discursos, contador de estória, autodidata ... o personagem americano, lincoln, me lembra um tal de presidente lula, né não?

abçs

carlos anselmo-fort-ce

Maurício Santoro disse...

Salve, Carlos.

Há semelhanças, mas também uma diferença fundamental: Lincoln foi à guerra para defender os princípios básicos que o levaram à Casa Branca, ao passo que Lula segue a tradição brasileira de conciliação com adversários. E Lincoln teve bom desempenho no combate à corrupção, o que evidentemente, não é o ponto forte dos governantes brasileiros.

Abraços