sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Cuba Depois de Fidel



Um dos principais temas no congresso da Associação de Estudos Latino-Americanos foi a situação política em Cuba, e as perspectivas para o país após a morte de Fidel Castro. Houve bons debates e estavam à venda muitos livros sobre o tema. O que mais gostei foi “After Fidel: Raul Castro and the future of Cuba´s Revolution”, de Brian Latell. Estava baratinho, US$5 no último dia do evento. Fiquei curioso pela descrição profissional do autor: analista sênior da CIA e do Conselho de Segurança Nacional, acompanha os irmãos Castro desde 1965.

Quis saber como ele avalia o regime cubano e fiquei surpreso com a altíssima qualidade do livro. É uma espécie de perfil comparado de Fidel e Raul, com ênfase nos anos iniciais da Revolução e no chamado “período especial”, a recessão econômica da ilha após a queda da URSS. Latell escreve muito bem e tem análises brilhantes – por exemplo, sobre como Fidel foi influenciado pela rebelião colombiana do Bogotazo, que testemunhou como jovem líder estudantil. Raul é um personagem menos conhecido, sempre à sombra do irmão mais velho, e Latell chama a atenção para seus talentos de organizador e administrador. Em todo o mundo, é o ministro da Defesa que há mais tempo está no cargo (“e um dos mais competentes”, frisa o analista da CIA).

O livro é pontuado por histórias do trabalho de Latell na CIA, como a descoberta de uma espiã cubana no topo da organização, ou as dificuldades em fazer com o que o trabalho de inteligência se tornasse base para políticas sólidas. Com muita freqüência seus relatórios eram simplesmente ignorados quando divergiam das visões e opiniões de quem estava no poder.

À medida que Latell ascendeu na CIA, tornou-se um alvo para os serviços cubanos de inteligência (que ele afirma estarem entre os melhores do mundo) e as pequenas provocações entre um e outro são impagáveis, uma espécie de relação de amor/ódio/rivalidade entre profissionais que se respeitam, ainda que infernizem a vida um do outro.

Latell analisa em detalhes os problemas políticos em Cuba e aborda de maneira esplêndida os conflitos entre Fidel e as Forças Armadas, que o levou a executar o mais condecorado general cubano, Arnaldo Ochoa, herói das guerras africanas. Ochoa se tornara um perigoso dissidente e Fidel temia que a oposição o transformasse no líder por reformas. Os irmãos Castro inventaram uma história nebulosa para incriminá-lo como traficante de drogas. Detalhe: ele era um dos melhores, senão o melhor, amigo de Raul.

Outro bom livro é “Changes in Cuban Society Since the Nineties”, organizado pelo Woodrow Wilson Center for International Scholars, instituição vinculada ao Congresso dos EUA. Trata-se de uma coletânea de ensaios sobre diversos aspectos de Cuba em especial as transformações na sociedade civil, como o movimento por abertura democrática conhecido como Projeto Varela e as posições da Igreja Católica diante do regime. Os melhores textos abordam as mudanças na comunidade cubano-americana na Florida, que passa por uma renovação geracional – os novos líderes já nasceram nos Estados Unidos, não viveram a Revolução e tem posturas mais moderadas. Clique neste link para baixar o livro em .PDF.

O marxismo sempre colocou sua ênfase analítica nos grandes processos estruturais que conduziriam o rumo da história. É uma tremenda ironia do destino que o futuro de Cuba dependa da saúde de dois homens. Latell afirma que o cenário mais turbulento seria Raul morrer antes de Fidel, porque nesse caso a transição de poder se faria sem um líder claro e em meio a uma tremenda luta política dentro das Forças Armadas.

Quem viver, verá.

7 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Näo savia nada sob a inteligencia cubana. Nunca imaginei que um pais relativamente pequeno e povre pudiesse ter uma rede de espionaje importante. Ou, talvez, (pura hipotese) seja que o autor, membro da CIA, veja à Cuba com olhos macartistas e como um "terrivel pais pelo mundo occidental, mais poderoso e peligroso do que parece".
Saludos

Maurício Santoro disse...

Salve, dom Patricio.

Eu não havia pensado nessa perspectiva, mas bem pode ser verdade que Latell tenha exagerado em alguns momentos, para se valorizar. É muito mais glamouroso lutar contra um dos melhores serviços de inteligência do mundo do que enfrentar uma pequena e pobre ilha caribenha.

No entanto, a espionagem cubana realmente goza de muita fama, sobretudo pelas operações na América Latina e na África. Aí mesmo na Argentina, ela esteve muito envolvida na tentativa de Jorge Masetti em criar um grupo guerrilheiro na província de Salta, nos anos 60.

Depois disso, sei que houve relações fortes de Cuba com os Montoneros, mas o grau real dessa colaboração ainda hoje é motivo de muitas discussões.

Abraços

Anônimo disse...

Vale lembrar um caso recente de espionagem cubana: há nove anos Gerardo Hernández, Antonio Guerrero, Ramón Labañino, Fernando Gonzáles e René Gonzáles foram presos nos Estados Unidos sob acusações de espionagem, conspiração, identidade falsa, entre outras. Os cinco cubanos, segundo a versão oficial da ilha, estavam nos Estados Unidos para obter informação sobre os planos das organizações terroristas contra Cuba. A versão estadunidense garante que eles planejavam ações terroristas contra o país.

Em relação a livros sobre Cuba, eu gosto muito do recente do Richard Gott: Cuba, uma nova história. Principalmente por destacar a questão negra na ilha.
Gosto também da entrevista de Fidel Castro ao jornalista Ignacio Ramonet.

Sobre a "transição" de poder, tenho minhas dúvidas (eu e muitos cubanos que me dizem todo o tempo: confie em nosso povo) se vai haver uma grande mudança com a morte de Fidel (e de Raúl). Três gerações foram formadas e a população reafirma o socialismo de muitas formas. Além de este ser um caráter irrevogável na Constituição cubana. Precisará de uma revolução para mudá-lo. Minha torcida é para que a ilha não se torne (ou volte a ser) mais um paraíso de exploração capitalista.

Maurício Santoro disse...

Oi, Larissa.

Sim, o caso é bastante conhecido. Basicamente, eram cinco espiões cubanos operando junto aos anti-castristas da comunidade cubano-americana da Flórida. O governo de Cuba tem uma campanha muito forte para sua libertação.

Também gosto muito do livro de Gott, é uma das melhores análises que conheço sobre Cuba contemporânea e com um olhar muito interessante sobre, por exemplo, as questões raciais.

Um dos temas que mais se discutiram no congresso no Canadá foi a reincoporação de Cuba ao sistema interamericano. Não duvido que após a morte de Fidel o país volte à OEA e talvez até se junte aos acordos comerciais do continente.

Abraços

Anônimo disse...

Oi, Mauricio

Mas para Cuba voltar à OEA, precisa ser considerada uma democracia. Somente a morte de Fidel seria suficiente para o país conseguir assento na OEA?

As condições impostas pelos Estados Unidos para o fim do bloqueio, por exemplo, incluem a morte de Fidel e de Raúl e uma "transição democrática" mediada por organismos internacionais. O que seria essa transição e como Cuba seria considerada uma democracia? Certamente com uma nova Constituição, pois conforme emenda aprovada pela Assembléia Nacional em 2002 (creio eu, logo após ao Projeto Varela) o caráter socialista é irrevogável. Além disso, o Partido Comunista, ainda segundo a Constituição de 1976, é a força dirigente superior da sociedade e do Estado. A morte de seus principais dirigentes (Raúl e Fidel)garantiria mudanças profundas no Partido? E a população aprovaria uma nova Constituição?

Essas questões me deixam cada vez mais confusa e intrigada sobre o futuro de Cuba.

Abraços!

Maurício Santoro disse...

Oi, Larissa.

De fato, a OEA tem uma carta democrática, mas que foi solenemente ignorada com relação ao Peru de Fujimori. No caso da Cuba pós-Fidel, provavelmente vão costurar uma forma de considerar o país como membro-associado até que se negociem eleições, liberdade de imprensa, o pacote todo.

Mas o debate está rolando. Em Montréal, as autoridades canadenses falavam abertamente do papel de destaque que seu país deverá ter para reconduzir Cuba à OEA. Creio que o mesmo irá acontecer com o Brasil.

Por outro lado, há países como o México que vêm de uma série de conflitos recentes com o regime cubano. A política dos EUA de Bush para a ilha também é de endurecimento, com restrição de vistos e manutenção do embargo.

Abraços

Anônimo disse...

Hmmm...entendo.
Muchas gracias.

Abraço