domingo, 23 de setembro de 2007

Negociando com as FARCs



Está em curso uma iniciativa colombiana para negociar um acordo humanitário com as FARCs e fazer a guerrilha libertar cerca de 45 reféns, em troca da liberdade de seus membros que estão na prisão. Quem comanda o processo é a senadora colombiana Piedad Córdoba (foto), do Partido Liberal, de oposição ao presidente Álvaro Uribe. Ainda assim ele a autorizou a dialogar com as FARCs. É muito respeitada por seu trabalho junto às mulheres e por sua luta contra o racismo. Também tem uma história trágica com o conflito armado do país: foi seqüestrada por paramilitares, sofreu dois atentados e teve que se exilar no Canadá –seus filhos ainda vivem por lá.

O mandato de Córdoba é simplesmente por um acordo de libertação de reféns, e não por um processo de paz com as FARCs. Mas é claro que se sua iniciativa for bem-sucedida pode ser o ponto de partida para um diálogo mais amplo. A senadora tem recebido apoio na América Latina e na Europa, mas a atitude dos EUA é ambígua. Enquanto o Partido Democrata a trata como estadista, muitas autoridades do governo Bush acreditam que negociar com as FARCs é mostrar fraqueza diante do terrorismo. A senadora está em visita aos Estados Unidos e provavelmente não receberá permissão para conversar com os guerrilheiros presos no país.

Hugo Chávez quer aproveitar a oportunidade. A Venezuela tem auxiliado bastante nas visitas de Córdoba, mas a proposta do presidente em se encontrar com os líderes das FARCs causou polêmica e reações desencontradas das autoridades colombianas, inclusive colisões entre o chanceler e o presidente Uribe. Desde os anos 80, os governos da Venezuela fazem acordos com a guerrilha no país vizinho: concessões e apoio discreto em troca de isenção de ataques, no que ficou conhecido como “política da mão esquerda”. Com Chávez, essa relação tornou-se mais forte e aberta e implicou na prática o reconhecimento da guerrilha como ator político legítimo. Há inclusive acusações de que ele auxilia as FARCs com dinheiro e armas. Evidentemente, isso não o torna o medidador dos sonhos em Bogotá.

Chávez quer se reunir com os líderes da guerrilha no próprio território colombiano. O pedido foi rejeitado pelas autoridades do país. Brasil e Equador ofereceram-se como possíveis sedes para esse diálogo. A meu ver, todo o processo está excessivamente personalizado. Concordo com o cientista político argentino Juan Gabriel Tokatlian, que viveu muitos anos na Colômbia: é preciso uma negociação regional para o conflito, nos moldes do que o Grupo de Contadora fez para a América Central. A questão é demasiado importante e sensível para depender dos caprichos, humores ou arroubos retóricos de Caracas, Brasília ou Quito.

Apesar do discurso intransigente, o governo Uribe tem conseguido avanços importantes nos diálogos de paz na Colômbia. Está em curso uma negociação longa e difícil com os paramilitares – marcada pelas relações estreitas existentes entre esses grupos e militares, policiais e políticos – e até conversas em Cuba com representantes da guerrilha do ELN.

Faltam as FARCs para fechar a equação. A tarefa é árdua. As duas tentativas principais feitas anteriormente terminaram em catástrofe. Nos anos 80 a União Patriótica, braço partidário da guerrilha, foi chacinada pelos paramilitares, inviabilizando sua transição de grupo armado a partido político (como ocorreu com outra guerrilha, a do M-19). Nos anos 90, as tentativas do governo Andrés Pastrana de chegar a um entendimento com as FARCs resultaram numa onda de violência, porque o grupo utilizou a zona desmilitarizada sob seu comando como um santuário para praticar crimes e atos terroristas.

3 comentários:

Sergio Leo disse...

A imprensa brasileira fez enorme estardalhaço com essa oferta do Brasil, de território para as negociações. Pelo que vi, Maurício, esse oferecimento ocorreu mais como reação às perguntas dos repórteres que como engajamento do governo brasileiro. perguntam ao Amorim, ou ao porta-voz da Presidência, se o Brasil também apóia a mediação do Chávez, e ambos respondem que o Brasilo se oferece para ajudar no que for necessário, se precisarem de território para o encontro das partes, por exemplo. Não vejo nisso real interesse brasileiro em abrigar as negociações, ainda que isso seja bem visto pela diplomacia, por ressaltar a vocação mediadora e pacífica do país. Mas aí é o Chávez quem não vai querer levar água para o ,onho do Lula, nessa joagada em que ele pode marcar um golaço diplomático, caso a negocuiação seja bem-sucedida...

Sergio Leo disse...

Excelente essa tese, da necessidade de uma solução regional. É por aí mesmo, mestre Samtoro.

Maurício Santoro disse...

Salve, Sergio.

Seus comentários sempre iluminam as discussões. Fiquei espantado com as declarações do Lula, porque a tradição no MRE com relação à Colômbia sempre foi mais na linha "vamos fechar a fronteira e deixar aquela casa de marimbondos por lá".

A tese regional é do Tokatlian, que conheci na Argentina porque ele estava sempre na Di Tella dando palestras e participando de debates. É um dos grandes cientistas políticos do continente e um homem profundamente comprometido com a paz na Colômbia.

Abraços