quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Caminhos da China


Os melhores livros sobre relações internacionais quase sempre são escritos por jornalistas. A inquietação e curiosidade que caracterizam bons repórteres ajudam mais no entendimento de sociedades estrangeiras do que a rigidez de modelos teóricos abstratos, que com freqüência buscam em outros países apenas a confirmação de uma tese definida de antemão. “Caminhos da China – a vida de cinco estudantes, da Revolução Cultural aos dias de hoje” é uma excelente análise escrita pelo americano John Pomfret, que foi chefe da sucursal chinesa do Washington Post e também cobriu o país para a Associated Press.

Pomfret cursava estudos asiáticos em Stanford quando surgiu a oportunidade de fazer um intercâmbio na China, em 1981. O país havia iniciado as reformas econômicas e a sociedade apenas despertava da violência e do pesadelo da Revolução Cultural, a feroz disputa pelo poder entre Mao e a velha guarda do Partido Comunista. Os colegas de Pomfret na universidade haviam passado fome, sido torturados, enviados para trabalhos forçados no campo e ficado anos sem estudar, por conta do fechamento das escolas e universidades. Com a reabertura do ensino superior, dedicaram-se com paixão ao estudo e tinham pelos estrangeiros – sobretudo americanos e europeus – mistura de fascínio, medo, curiosidade e desprezo. Havia algo em seus amigos chineses que os permitiu seguir adiante: personalidade forte diante das injustiças, capacidade de adaptação e negociação, misturas de passividade e resistência ou simplesmente o instinto de sobrevivência política de como escapar das turbulências totalitárias.



Zhou Lianchun queria se tornar um intelectual, mas problemas políticos e um casamento desastroso o empurraram para o mundo empresarial, onde ele se tornou razoalvemente bem-sucedido com uma fábrica de processamento de urina para retirada de enzimas (!). Guan Yongxing abandonou a perspectiva de uma boa carreira em Pequim para dedicar-se a um marido muito amado e também ascendeu socialmente. Wu Xiaoqing virou um respeitado professor na mesma universidade em que seus pais lecionaram, e onde foram assassinados na Revolução Cultural, desenvolvendo uma estranha e por vezes deprimente relação com o Partido Comunista. Song Liming envolveu-se com o movimento pela democracia e se exilou na Itália, onde se destacou como jornalista especializado numa das novas paixões chinesas – futebol. Ye Hao seguiu carreira no Partido, destacando-se como líder regional, reformador econômico e político corrupto.

No panorama traçado por Pomfret, todos os seus amigos deixaram para trás a pobreza extrema em que cresceram como meninos camponeses e se tornaram parte da nova elite chinesa. Do ponto de vista dos valores morais, a história de sucesso é mais limitada. Somente Guan Yongxing e Song Liming viveram de acordo com um código de ética claro, o comportamento dos outros é bastante ambíguo e não raro, repulsivo.

O tom geral do livro de Pomfret é sombrio, ressaltando os aspectos negativos da China – a enorme corrupção, o autoritarismo, a desconfiança e as trapaças nas relações pessoais e a febre de consumo temperada pela busca de compensações espirituais para o vazio moral de uma geração que não sabe mais em que acreditar, e que descobriu que o conforto material não lhe trouxe a felicidade. Há ótimas informações sobre vários temas e momentos decisivos da nova China: a liberalização nos costumes, inclusive sexuais, as tensões políticas, os problemas ambientais, a epidemia de SARS e o conflito de gerações – com os filhos ultra-mimados de seus colegas tentando descobrir seu lugar no mundo.

É ótimo ser leitor de Pomfret, mas não gostaria de ser seu amigo. É um tanto chocante como expõe a intimidade de seus colegas, revelando detalhes muito particulares de suas vidas. Ele não menciona se pediu sua autorização ou mesmo se lhes contou que escrevia um livro. A bem da verdade, Pomfret também mostra bastante seu lado desagradável e às vezes se retrata como um gringo à cata de prostitutas chinesas, ou um sujeito que bajula os chefes e os mandarins comunistas. Se você quer educação e bons modos, compre um manual de etiqueta.

2 comentários:

Geraldo Zahran disse...

Mauricio,

Uma dica pra voce:

http://www.bbc.co.uk/musictv/brasilbrasil/

Um documentario da BBC em 3 partes sobre musica brasileira. Da pra assistir online.

Vi o primeiro episodio e da gosto de ver o cuidado que eles tomaram pra contar a historia da musica brasileira em relacao a situacao politica e social no pais.

Grande abraco,

Maurício Santoro disse...

Maravilha, meu caro!

Obrigado pela dica, gosto muito das produções e do noticiário da BBC.

Abraços