sábado, 24 de novembro de 2007

O Parlamento do Mercosul



Passei os últimos dias em Brasília, no seminário “O Parlamento do Mercosul e os Direitos Humanos”. Ajudei a organizar o evento – entre outras 15 milhões de ocupações profissionais, coordeno o Grupo de Trabalho sobre Mercosul do Comitê de Direitos Humanos e Política Externa, que realizou o debate em parceria com o Parlasul e com o Congresso Nacional do Brasil.

Fizemos dois dias de discussões de alto nível, com parlamentares, representantes de órgãos públicos, acadêmicos e ativistas de direitos humanos. Vocês podem acompanhar os debates pela TV Câmara, que gravou todo o evento e o exibirá em sua programação. Garanto que o nível das apresentações foi muito mais elevado do que aquilo que se vê habitualmente nos canais a cabo – é covardia fazer comparações com a televisão aberta.

Revisamos todo o processo de formação do Parlamento do Mercosul, com os deputados e consultores contando como foram as negociações com os presidentes do bloco e entre os parlamentares, para se chegar a um modelo comum de regimento interno. Discutimos os mecanismos de participação da sociedade, cogitamos fórmulas para organizar as eleições para a instituição e avaliamos as políticas regionais de direitos humanos para diversas áreas, como saúde, direitos das mulheres e migrações internacionais. Me surpreendi em ver como há iniciativas interessantes em curso, que precisam ser melhor conhecidas.

Minha palestra tratou da questão da juventude no Mercosul. Apresentei um pouco da experiência da pesquisa na qual estou envolvido e usei os exemplos para debater o potencial do Parlamento do Mercosul. Ressaltei que é necessário maior harmonização entre as políticas públicas dos países do bloco (inclusive no que diz respeito aos métodos de coleta de estatísticas) e afirmei que não é mais possível pensar nos grandes temas sociais do Mercosul de maneira isolada para cada país. Problemas e soluções só fazem sentido no plano regional. Expressei a esperança de que o Parlasul possa contribuir para essa aproximação, mas frisei que é necessário que ele estabeleça uma assessoria técnica competente, capaz de realizar pesquisas e análises sobre a integração regional. Só assim o Parlasul terá relevância política e visibilidade para a opinião pública.

O ponto provocou polêmica – algumas pessoas julgam que o Parlamento não deveria se dedicar à produção de informações, que ficaria melhor sob condução da sociedade. Contudo, tenho a ótima experiência de trabalhar com o excelente instituto de pesquisa vinculado ao Parlamento do Canadá e vejo como faz falta aos Congressos latino-americanos uma organização semelhante, capaz de apoiar a ação parlamentar. Muitas vezes boas intençõe se perdem na falta de boas informações e ficam reduzidas a clichês. Acredito que isso será ainda mais importante no caso do Parlasul pelos pouquíssimos poderes dos quais ele dispõe, ao menos em sua fase inicial. O Parlamento terá que inventar um papel para si mesmo.

Também destaquei que é preciso ter cuidado para não repetir estruturas que já existem em outros órgãos internacionais. Citei o exemplo do Relatório sobre Direitos Humanos no Mercosul que o Parlamento quer realizar, que se parece muito com os que já existem no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Afirmei que o ideal seria que os processos se reforçassem mutuamente, e não que competissem entre si por recursos (tempo, verbas, interesse) escassos.

Outro bom ponto de discussão foi a questão da representação. Os membros do Parlasul devem falar em nome da população do bloco e não de cada Estado. A idéia é excelente, mas como contrariar toda a tradição política existente nos diversos países? E como conciliar com as carreiras parlamentares? Por exemplo, se um político é eleito pelo estado de São Paulo ou pela província de Buenos Aires, como seus eleitores reagirão se ele tomar decisões que favoreçam outra região, em nome da redução das assimetrias do bloco?

As controvérsias não têm respostas simples, mas para um jovem acadêmico foi um privilégio estar presente à criação de uma instituição que pode vir a ter um papel tão importante na política da América do Sul.

Um comentário:

José Elesbán disse...

Muito bom texto. E gostei deste acrônimo "Parlasul". :)