quarta-feira, 21 de novembro de 2007

O Jardim do Vizinho



Mestre Idelber postou o link para artigo do jornal La Nación sobre a ascensão do Brasil ao status de grande potência. O texto está muito comentado na blogosfera brasileira (chequem Pedro Doria e o Hermenauta) que oferecem ótimas sínteses do artigo. Portanto, vou apenas dar a contribuição do meu testemunho.

Quando morei na Argentina, realizei entrevistas com pessoas que haviam ocupado cargos de ministros, embaixadores e outras altas posições numa série de governos do país vizinho, em particular o período de Carlos Menem (1989-1999). Todos me diziam a mesma coisa: a de que o Brasil estava no caminho de se transformar numa grande potência, porque havia feito as escolhas corretas e perseguido políticas públicas coerentes, em particular nas áreas do desenvolvimento econômico e da política externa. Em contraste, criticavam a Argentina por sua extrema instabilidade e pelas constantes mudanças de rumo.

A comparação não é novidade para os especialistas na comparação entre os dois países. A quem se interessa pelo assunto, recomendo o soberbo livro "Ideas and Institutions: developmentalism in Brazil and Argentina", da minha querida mestra Katryn Sikkink, que aliás conheci em Buenos Aires. O início é uma obra-prima: a autora comenta a visita que fez ao Memorial JK em Brasília (que ela compara ao túmulo de Napoleão) com sua experiência de pesquisa no modesto centro de estudos dedicado a Arturo Frondizi. O ex-presidente argentino entre 1958-1962 teve programa muito semelhante ao nosso Juscelino, mas foi derrubado por um golpe militar ao qual se seguiram anos de turbulência e crise.

O que deu certo no Brasil? Basicamente, aqui houve desde a Revolução de 1930 um esforço consciente em criar uma elite no funcionalismo público dedicada aos temas econômicos mais importantes. Começou de maneira hesitante com o DASP e depois resultou na criação da Petrobras, do BNDES, e no fortalecimento do processo de treinamento nas Forças Armadas, no Ministério da Fazenda e no Itamaraty. Esse corpo permanente de tecnocratas manteve um alto grau de continuidade, mesmo nas transições (sempre muito negociadas) entre democracias e ditadura.

No fim dos anos 1950 o PIB do Brasil era apenas levemente superior ao da Argentina. Hoje, é cerca de quatro vezes maior. O crescimento da economia brasileira foi acelerado e constante, enquanto a Argentina seguiu um ciclo instável de stop-and-go, muito motivado por suas repetidas crises políticas. Afinal, foram 6 golpes militares entre 1930 e 1976, fora diversas insurreições mal-sucedidadas, guerrilhas, a guerra das Malvinas e a quase-guerra com o Chile. Não há prosperidade que resista. Alguns falam do "milagre do sudesenvolvimento argentino" e a maioria trata com nostalgia da era de ouro do início do século XX, quando a renda per capita do país era mais alta do que a da Espanha ou a da Itália. O célebre economista sueco Gunnar Myrdal chegou a dizer que só existiam quatro tipos de países: desenvolvidos, em desenvolvimento, Japão e Argentina.

Contudo, os argentinos ignoram algumas das continuidades negativas da política brasileira, como a incapacidade de enfrentar o tema da desigualdade social e a ausência de investimentos na educação básica, embora os brasileiros tenhamos um bom sistema de pós-graduação universitária. Ao passo que a Argentina montou uma rede invejável de escolas públicas desde o século XIX, e um sistema de universidades que já foi o orgulho do continente, apesar de estar em crise desde a década de 1960.

O interessante é que com todas as dificuldades, a qualidade de vida da Argentina (medida pelo Índice de Desenvolvimento Humano) continua a melhor da América Latina. Depois temos Uruguai e Chile. O Brasil-potência, como a Rússia do Czar, não transforma sua influência internacional num bom padrão de moradia, saúde ou educação. Será que o Brasil-Arábia Saudita conseguirá melhorar nesses aspectos?

Em geral eu comentava com meus entrevistados argentinos que era preciso levar em conta o lado sombrio do Brasil, e que a sociedade daqui não era exatamente modelo de desenvolvimento social para ninguém. Ainda que o jardim do vizinho sempre seja mais verde. O ideal, claro, seria uma síntese das virtudes dos dois países. Quem sabe um dia?

2 comentários:

IgorTB disse...

Muito bacana sua abordagem, Mau. gostei muito do artigo e das sínteses dos outros dois blogs indicados.

Sempre acho curioso que o Brasil tenha algum grau de excelência universitária, com uma educação de base tão frágil e cheia de remendos. Fica a impressão de que aqueles que sobreviverem aos turbulentos anos iniciais, ganham o prêmio: ótimos programas de pós-graduação.

Realmente, a síntese seria o ideal. De repente, um maior intercâmbio acadêmico pudesse ser o primeiro passo.

Maurício Santoro disse...

Salve, Igor.

Como diriam os americanos, o Brasil é uma sociedade "winner takes all", onde quem ganha, ganha muito. O problema é para a massa que fica na escala intermediária, ou nem isso.

Abraços