quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

A Fragmentação das FARCs


O Correio Braziliense publicou há alguns dias reportagem muito boa a respeito da luta pelo poder dentro das FARCs. O líder histórico da guerrilha, Manuel Marulanda, estaria moribundo, com câncer. De fato, há cinco anos não se divulgam fotos suas, correm até rumores de que já teria morrido. Segundo o jornal, o grupo se dividiu entre diversas correntes, umas mais radicais, favoráveis à intensificação do conflito armado com o governo colombiano, e outras que defendem negociações – o rosto mais visível destas é Raúl Reyes (foto), um dos porta-vozes das FARCs para a comunidade internacional.

As disputas internas na guerrilha estariam dificultando ainda mais as negociações, uma vez que as facções em conflito com freqüência sabotariam as ações de suas rivais. Isso explicaria fiascos como o do menino Emmanuel e tragédias como o assassinato de 11 ex-deputados colombianos.

Em meio às lutas políticas, a retórica de Chávez contra Uribe atingiu níveis ainda mais elevados de estridência. Sergio Leo chama a atenção para um artigo precioso de Alfredo Rangel, ex-Conselheiro de Segurança Nacional da Colômbia, que minimiza os arroubos oratórios do presidente da Venezuela:

Pero, a pesar de su incontinencia verbal, Chávez es un político perspicaz, sabe para dónde va, cuáles son sus intereses y sus posibilidades, y no tiene vocación de perdedor. Chávez no va a amarrar su destino a las Farc. No va a arriesgar la estabilidad de Venezuela, ni el futuro de su proyecto bolivariano, ni las relaciones con otros gobiernos reconociendo a las Farc como beligerantes, recibiendo sus embajadores, dándoles apoyo militar masivo y enfrentándose a Colombia por cuenta de la guerrilla.

Os motivos apontados por Rangel dizem respeito, basicamente, aos custos internos que Chávez enfrentaria na Venezuela, caso se aproximasse ainda mais das guerrilhas e as considerasse como “beligerantes”. Ele calcula, a meu ver acertadamente, que um gesto desse nível causaria imensos problemas com o Exército, de cujo apoio o presidente depende para se manter no poder.

Quem se interessa pelo processo de paz colombiano precisa acompanhar também as negociações com o Exército de Libertação Nacional (ELN). Esse grupo guerrilheiro é menor do que as FARCs e mais concentrado na questão da nacionalização do petróleo. Em 2004-2005 houve uma tentativa de acordo com o governo colombiano. O embaixador mexicano Andrés Valencia, que liderou os esforços de mediação internacional, faz relato exaustivo, mas muito rico, sobre as dificuldades que enfrentou.

O diplomata afirma que o ELN enfrentava "un creciente debilitamiento militar que obligaba al grupo insurgente a privilegiar la lucha política en aras de mantener un identidad propia frente a las FARCs" e que os guerrilheiros acreditavam que Uribe "requería de un proceso de diálogo con el ELN a fin de compensar ante la opinión pública nacional e internacional los Acuerdos de Santa Fé de Ralito" (isto é, com os paramilitares). Trata-se de um quadro complexo, em que Uribe, FARCs, ELN e os paramilitares avançam e recuam conforme a escalada de violência, derrotas ou vitórias bélicas, golpes de opinião pública e mudanças na conjuntura diplomática - a guerrilha rompeu o diálogo, entre outras razões, porque o México criticou a situação dos direitos humanos em Cuba.

Há esperança para a Colômbia? Penso que sim. Qualquer um que conviva com as pessoas daquele país fica impressionado com sua inteligência, dedicação, bom humor e capacidade de superar adversidades. Um colega colombiana do IUPERJ me convida a participar da mobilização mundial contra as FARCs, no próximo dia 4 de fevereiro. Serão protestos em várias cidades, que esperam reunir 1 milhão de pessoas. O movimento começou com um boca a boca pela Internet (Facebook) e tem conquistado adeptos muito rapidamente.

6 comentários:

Adriana Cantarino disse...

Olá, Maurício!Conhecí seu blog através das discussões travadas na comunidade "coisas da diplomacia", no orkut!Comecei a estudar para o CACD e tenho muitas dúvidas...portanto, não repare se minha pergunta for um tanto "tosca", como diz a molecada. vamos lá: qual a relação entre as diferentes forças "políticas" presentes na Colômbia(mas principalmente as FARC) e o narcotráfico? Obviamente sei que as FARC usam-no como fonte de recursos, existem outros usos menos óbvios? Me pergunto se é só isso pq acho que os efeitos do tráfico, que se espalham como tentáculos pela América e Europa, são tão complexos que se misturam com o "político" e corroboram para uma série de questões que nos são caras, embora cotidianas...sei que dificilmente terei expressado claramente minha pergunta! Mas espero que vc compreenda-a(ainda melhor do que eu!!) e me ajude a clarear este assunto! Obrigada!
Adriana Cantarino

Maurício Santoro disse...

Oi, Adriana.

Claro, lembro dos seus comentários no debate sobre a guerrilha e sobre a crise econômica.

Basicamente: FARCs, ELN e os paramilitares usam seu controle (ilegal) do território para extrair recursos econômicos que financiem suas atividades - e enriqueçam seus líderes.

O controle com relação ao tráfico foi simultâneo à eliminação dos grandes cartéis colombianos nos anos 90. Hoje o mercado da droga é muito mais fragmentado por lá.

Os grupos armados extorquem traficantes de drogas, mas também comerciantes e empresas que operam nas regiões dominadas.

No caso dos paramilitares, ganhou muita força a expulsão de camponeses e a formação de grandes fazendas para a criação de gado por parte dos principais líderes dos paras. Também se envolveram com mineração ilegal.

Abraços

Anônimo disse...

Oi, Maurício!
Obrigada por me responder!Veja se meu raciocínio está coerente:então, de certo modo, a forma de ação destes grupos todos está praticamente "institucionalizada" nas áreas dominadas, de tal modo que dificilmente estes grupos deixarão de ter interesse em manter o estado de coisas que lhes fornece meios de vida...caso não parta de um movimento sustentado pela "sociedade civil"(se é que dá prá usar este termo, já que está tudo misturado!)não há outro modo de se chagar à paz na Colômbia, é isso? A sociedade tem que legitimar as ações do governo e, juntos, construirem uma nova ordem social...é por aí?
Obrigada, novamente!
Adraço,
Adriana.

Maurício Santoro disse...

Oi, Adriana.

Sim, você matou a charada: os principais grupos armados ilegais envolvidos no conflito colombiano são os que mais se beneficiam economicamente dele, portanto tem poucos incentivos para negociar a paz com o governo.

Difícil imaginar maneira de superar o impasse, mas se há esperança, ela vem da sociedade.

Abraços

José Elesbán disse...

Caro professor,
A CartaCapital desta semana, n. 481, nas páginas 30, 31 tem artigo do Antonio Luiz Costa, informando que a Venezuela reconheceu as FARC como grupo beligerante em 17 de janeiro. Que tal isto?

Maurício Santoro disse...

Zé,

ele se confundiu. O que ouve nessa data foi um discurso do Chávez à Assembléia Nacional da Venezuela, afirmando que era interessante fazer esse reconhecimento.

Abraços