segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Justiça Transicional



Recebi há poucos dias o exemplar mais recente da “Sur – Revista Internacional de Direitos Humanos”. A publicação circula em três línguas em mais de 60 países e é excelente leitura para acadêmicos, ativistas e funcionários de governos e organizações políticas. A edição atual é dedicada ao tema da justiça transicional – os processos pelos quais democracias recém-implementadas procuram lidar com os crimes cometidos em seu passado autoritário, buscando mecanismos de conciliação e reincorporação social. Esse tipo de prática tem se tornado razoavelmente comum, implementado em países onde houve ditaduras (América Latina, África do Sul), guerras civis (Uganda, Serra Leoa, Afeganistão) ou mesmo genocídio (Ruanda, Camboja, a ex-Iugoslávia).

A revista traz uma série de artigos muito interessantes discutindo os métodos locais em cada país, uma vez que as circunstâncias variam enormemente e é preciso adaptar os princípios à conjuntura política, história e tradições. Há também uma ótima entrevista com o advogado argentino Juan Méndez, que preside o Centro Internacional para Justiça Transicional, e tem ampla experiência que vai da ditadura em seu próprio país até trabalhos para a ONU na prevenção ao genocídio.

Os mecanismos da Justiça Transicional quase sempre incluem a criação de Comissões de Verdade, Justiça e Reconciliação – a mais conhecida é a da África do Sul, que foi presidida pelo arcebispo Desmond Tutu. Essas iniciativas costumam funcionar com base na concessão de anistia (total ou parcial) em troca de depoimentos e informações. Pode ser frustrante para quem espera a punição dos culpados, mas não é pouca coisa. Já comentei no blog o caso da Comissão peruana, cujo levantamento foi tão rico que se constituiu numa fonte preciosa de história oral sobre a trajetória recente daquele país.

O tema está tornando bastante estudado internacionalmente. O Banco de Dados montado pela Universidade de Winsconsin lista mais de dois mil trabalhos acadêmicos sobre justiça transicional.

E o Brasil? Por aqui, a transição da ditadura para a democracia foi negociada com base em anistia ampla e sem qualquer tipo de comissão da verdade. A idéia era esquecer e jogar sujeira para baixo do tapete. Contudo, há sinais interessantes de mudança, oriundos principalmente da pressão externa. Em 1995, os parentes dos guerrilheiros mortos no Araguaia apresentaram petição contra o governo brasileiro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, parte da Organização dos Estados Americanos. A Comissão pediu informações às autoridades brasileiras e o caso se arrasta há longos anos. Basicamente, o governo alega que as leis de anistia (1979) e dos desaparecidos (1995) encerraram a questão, e que as Forças Armadas não possuem documentos sobre a repressão à guerrilha.

A Comissão não aceitou as respostas das autoridades brasileiras e a repercussão internacional do caso foi grande, levando a justiça brasileira a uma decisão sem precedentes, ordenando o governo a localizar os corpos dos guerrilheiros e informar as famílias sobre as circunstâncias de sua morte, mesmo que tais dados não constem dos arquivos militares. O governo recorreu. Em 2007, o STJ confirmou a sentença e o prazo de 120 dias dado às autoridades se esgota em algumas semanas.

Um comentário:

André Rego disse...

Muito boa a apreciação sobre justiça transicional! Espero que quem consulte o tema possa dar uma passada por aqui...