segunda-feira, 7 de janeiro de 2008
Melhores Intenções: Kofi Annan e a ONU
Há poucos dias chegou um pacote da Amazon com minha primeira compra de livros de 2008. Comecei a leitura por “The Best Intentions: Kofi Annan and the UN in the Era of American World Power”, do jornalista James Traub. Mistura de biografia de Annan com reportagem sobre os dez anos (1997-2007) em que foi secretário-geral da ONU.
Annan foi o primeiro funcionário de carreira da organização a atingir o posto máximo. Entrou para a ONU em 1962 e ascendeu como um administrador respeitado e competente. Contudo, suas responsabilidades se limitavam às tarefas burocráticas. A virada em sua trajetória ocorreu às vésperas da Guerra do Golfo, quando negociou com sucesso a libertação de quase mil funcionários das Nações Unidas mantidos como reféns no Iraque. Dali foi chefiar o Departamento de Operações de Paz, que passava então por uma época de grande expansão e transformações, e por fim tornou-se secretário-geral escolhido sobretudo pelos Estados Unidos, descontentes com o estilo arrogante e difícil de Boutros Boutros-Ghali.
Coube a Annan a difícil missão de conduzir a ONU em meio aos atentados do 11 de setembro, e às guerras do Kosovo, do Afeganistão e do Iraque, do genocídio em Darfur, do terrível conflito no Congo e outra tragédias internacionais. A consagração veio em 2001, quando Annan ganhou o Nobel da paz. O livro tem excelentes relatos dos bastidores e muitas informações interessantes sobre as personalidades envolvidas em cada caso. Faltam, no entanto, análises mais aprofundadas que dêem sentido à massa de dados. Fiquei com a impressão que a ONU fracassou em tudo que diz respeito à prevenção de violência, mas que seu desempenho foi muito melhor no que toca à reconstrução e à busca de acordos pós-conflito. Pontos que merecem estudos mais atentos.
O retrato que Traub pinta de Annan é bastante matizado, o de um homem muito sério, dedicado ao trabalho, honesto e bom caráter, com uma modéstia rara para alguém que ocupou um cargo tão elevado. No entanto, às vezes o secretário-geral aparece como uma pessoa fria, com dificuldade para expressar emoções. Uma das cenas mais tocantes ocorre após o atentado de agosto de 2003, que matou diversos funcionários da ONU em Bagdá. Um dos subordinados de Annan, às lágrimas, lhe pede um abraço. Ele reage com incômodo e mal toca o rapaz, constrangido com a intimidade.
Traub afirma que Anann não é exatamente carismático, mas que desperta grande lealdade nos que trabalham com ele e que tem muita capacidade em estabelecer laços de confiança até com antagonistas. O livro narra de maneira primorosa duas dessas difíceis negociações: os diálogos com Saddam Hussein em 1998, para convencê-lo a aceitar inspeções de armas da ONU, e a corte feita ao senador americano Jesse Helms, o político ultra-conservador que era o principal oponente das Nações Unidas no Congresso dos EUA. Curiosamente, Annan teve relações difíceis com os dois outros negros que assumiram posições de destaque na diplomacia, Colin Powell e Condoleezza Rice. Por incrível que pareça, ele se deu melhor com Bush.
Há dois outros altos funcionários da ONU muito elogiados por Traub, e que ele descreve com os mais eficientes negociadores da instituição: o diplomata argelino Lakhdar Brahimi e o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, provavelmente a pessoa que recebe a mais elevada qualificação no livro. Brahimi conseguiu feitos quase impossíveis, como construir um governo de coalizão no Afeganistão, e Vieira de Mello desempenhou tarefas heróicas no Kosovo, em Timor Leste e em Bagdá, até ser assassinado por terroristas. Traub afirma que Annan o considerava como um filho e que acreditava que ele o sucederia como secretário-geral.
O ponto negativo é que a capacidade de empatia de Annan é acompanhada por uma enorme relutância em agir contra subordinados que tenham se desempenhado mal. Isso resultou em escândalos que debilitaram bastante a credibilidade da ONU, como a corrupção no programa petróleo-por-comida do Iraque (que envolveu o próprio filho de Annan) e em casos de abusos sexuais cometidos por tropas de paz no Congo.
Traub aposta que o sucessor de Annan, Ban Ki-moon, será um mau líder. O diplomata coreano parece ter todos os defeitos do antecessor, sem possuir suas qualidades. Traub afirma que ele foi escolhido justamente por isso, porque as grandes potências queriam um secretário-geral fraco, com um perfil administrativo-burocrático e não político.
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3 comentários:
Imagina só se o Vieira de Melo se tornasse secretário-geral. Imagine a reação do Samuca (ele mesmo!), ainda mais depois daquele discurso da vaga no CS....Deus é mais!
Abração, Mau!
Salve, meu caro.
A morte de Vieira de Mello foi um dos grandes "what if" da história da ONU, mas acredito que ele contribuiria para dar um pouco mais de racionalidade às ambições brasileiras no sistema das Nações Unidas.
Aliás, por falar em Vieira de Mello, no próximo mês será lançada a biografia dele, "Chasing the Flame", escrita por Samantha Power, jornalista feríssima em RIs. Já está na minha lista.
Abraços
Quando será que vai chegar ao Brasil??
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