terça-feira, 8 de janeiro de 2008

O Jogo de Bueno de Mesquita



Outro dia o Jornal Nacional exibiu reportagem sobre o cientista político americano Bruce Bueno de Mesquita (foto), que a imprensa às vezes chama de “o novo Nostradamus” por conta de seu bem-sucedido modelo matemático de previsão de eventos internacionais. Tratar acadêmicos como personagens do Código Da Vinci não é exatamente a melhor maneira de estimular um bom debate intelectual, ainda mais porque Bueno de Mesquita é uma figura polêmica na ciência política.

Desde a década de 1940 modelos matemáticos são utilizados no estudo das relações internacionais, em especial a partir da Teoria dos Jogos. Basicamente, tais abordagens procuram traduzir situações de conflito, negociação e cooperação em fórmulas numéricas que determinem qual a melhor estratégia a ser seguida por cada participante. Pode parecer muito abstrato, mas pesquisadores como John von Neumann, John Nash (do filme "Uma Mente Brilhante", que distorce inteiramente suas idéias), Albert Wohlstetter e Thomas Schelling mostraram que os princípios podem ser aplicados a diversos problemas de economia e política. Na verdade, a Teoria dos Jogos foi importantíssima na formulação da estratégia nuclear americana durante a Guerra Fria, principalmente através da RAND Corporation, para a qual toda a turma acima trabalhou em um ou outro momento.

A teoria se consolidou num momento em que havia uma batalha metodológica e política nas universidade dos Estados Unidos. Uma leva de brilhantes acadêmicos havia migrado da Europa Oriental fugindo do nazismo, e trouxera consigo bagagem intelectual fortemente influenciada por filosofia e história. Seus colegas americanos reagiram com desconfiança a esse tipo de abordagem, considerando-a pouco científica, e buscaram formas supostamente mais objetivas de pensar as ciências sociais, como os jogos e a teoria da escolha racional.

Nos últimos anos houve uma reação contra esse tipo de abordagem, que de fato têm muitas limitações. A principal é o pressuposto da racionalidade dos atores políticos, deixando de lado uma série de elementos emocionais poderosos. Não digo que a História seja o reino da Loucura, mas certamente não confirma o Triunfo da Razão.

As abordagens matemáticas, voltadas para a resolução de problemas, com freqüência são vendidas como soluções rápidas para problemas complexos, o que as torna muito sedutoras para consultorias a governos e grandes empresas. Bueno de Mesquita prosperou exatamente nessa seara, desenvolvendo um modelo baseado na teoria de jogos e que usa para realizar previsões em temas tão distintos como Coréia do Norte, Irã e América Latina. Ele afirma que nosso continente passará por um milagre econômico. Oxalá esteja certo.

Penso que a teoria dos jogos tem muito valor – Deus que me perdoe, cheguei até a escrever um pequeno artigo aplicando-a às relações entre Argentina e Brasil – mas ela não substitui a história, ou a política, nem traz a pessoa amada em três dias. Sua utilidade é permitir ver de modo mais claro determinadas situações clássicas de conflito/cooperação, identificando padrões que podem ajudar a resolvê-las.

3 comentários:

José Elesbán disse...

De fato, se a história fosse o Triunfo da Razão, os seres humanos aprenderiam com ela.
Também vale para os indivíduos. Cada geração tem de dar suas próprias cabeçadas, em lugar de aproveitar as experiências dos pais.

Sergio Leo disse...

Posso ouvir o mestre Duroselle em suas palavras, caro Santoro. Ele abriu a obra clássica Todo Império Perecerá com a lembrança de que, embora grandes números possam ser aplicados ao entendimento do comportamento humano, há momentos em que as decisões em políticas internacional respondem a circunstâncias muito particulares, e a comportamentos individuais. Usar a Teoria dos Jogos como recurso para entender e operar essa polítia é uma coisa; confiar nela como uma bola de cristal capaz de prever com precisão o que acontecerá é esquecer que a história é feita por nós humanos, demasiadamente humanos...

Maurício Santoro disse...

Salve, Zé.

O velho Hegel, num momento de pessimismo, dizia que a única lição que se tira da História é que os Estados nada aprendem com ela.

Não digo que seja assim, mas o aprendizado é lento e torto. Há um livro muito interessante sobre isso chamado "Perception and Misperception in International Politics", do Robert Jervis. Há um capítulo só sobre história.

Grande Sergio,

sem dúvida, de Duroseelle e de outros mestres franceses como Pierre Renouvin, Braudel, Marc Bloch, sempre a importância da história, da "longa duração", das mentalidades...

Na verdade, é uma tradição nacional francesa. Há um texto fantástico do cardeal Richelieu, dando conselhos aos estadistas, no qual ele alerta para fugir de fórmulas abstratas e estar atento para a história de cada nação, seus costumes, leis, práticas.

Abraços